RELIGIÃO, CULTOS E OUTROS

Cientologia - Parte 6

anonymousA Guerra na Internet: Anonymous vs. Church of Scientology - O jornal semanal Baltimore City Paper, que circula na região de Baltimore, Estados Unidos, trouxe em sua capa do dia 2 de abril de 2008 uma das matérias mais esclarecedoras a respeito do Anonymous e sua guerra para destruir a organização criminosa da Cientologia. Se você não tem acompanhado esta revolução, que começou com o vazamento do vídeo de um fanático Tom Cruise dirigindo-se aos seus fiéis, ou se quer apenas saber mais a respeito, esta matéria irá ajudá-lo(a) a compreender melhor sobre

esta incrível história que irá mudar o mundo. Abaixo, a tradução livre e integral da matéria. Algumas expressões foram adaptadas para melhor compreensão do conteúdo em português.

Anonymous Desafia a Scientology (e Não Teme Nada)
Por Chris Landers
“O telefone toca, e uma voz do outro lado diz que o Anonymous está em um momento crucial.

É 13 de março de 2008, dois dias antes do segundo protesto mundial organizado por um grupo da internet que se denomina como anônimo contra a Igreja da Cientologia, e as coisas estão começando a ficar sérias. Espalham-se rumores de que scientologists estão enviando investigadores do quartel-general em Clearwater, Flórida, para Washington. Chegam relatórios de que “anons” (pessoas envolvidas com o Anonymous) estão sendo seguidas, e uma série de vídeos foram postadas no Youtube mostrando anons sem suas máscaras e listando seus nomes verdadeiros.


Os vídeos surgem juntamente com um vídeo lançado pela igreja, chamado de “Crimes de Ódio do Anonymous” (procure no YouTube por “Anonymous Hate Crimes”) que acusa o grupo de terrorista. Em março, a igreja entrou em Clearwater com um mandado para impedir os protestos dos Anonymous contra a Scientology, mas a autorização para protestar em Washington já havia sido obtida.

As coisas estão indo do jeito previsto pelo ex-scientologist Arnie Lerma, e a paranóia da Cientologia está correndo solta. A voz no telefone é de uma mulher, mas ela não revela seu nome, apenas que já nos conhecemos — e ela deseja continuar anônima.

Bem-vindo ao Projeto Chanology (Project Chanology) — uma batalha entre um grupo anárquico e sem liderança, composto pela sua maioria de ativistas jovens e bem-entendidos em tecnologia, organizados através de fórums online e canais de bate-papo, contra uma religião criada nos anos 50 cujos seguidores acreditam que um escritor de ficção científica definiu o curso para a salvação do mundo.

“Doc” diz que tem horas em que se considera um Anonymous, e em outras horas não. Ele participou dos protestos, mas também se considera um “forasteiro”. Como todos os demais envolvidos com o Anonymous, Doc pede para que seu nome verdadeiro não seja utilizado neste artigo — em parte por causa da reputação da Scientology em lidar cruelmente com seus críticos, e em parte porque, bem, se você irá participar de uma organização baseada no princípio do anonimato, não faz sentido publicar seu nome. Os anons entrevistados neste artigo dizem que na maior parte das vezes uns não sabem os nomes dos outros. Também não há líderes ou porta-vozes oficiais.

“Provavelmente não sou um ‘anon’ típico,” diz Doc, em Hampden. Doc tem cabelos loiros, quase brancos, e ele usa óculos “fundo de garrafa”. “Eu sou um profissional IT, sou um homem de família — tenho quatro filhos, uma esposa, uma casa, bichos de estimação. Não há nada particularmente interessante na minha vida pessoal, então eu passo bastante tempo navegando na internet, no website Digg, provavelmente como faz qualquer outra pessoa. Eu tenho tempo livre demais para ser apenas um intelectual, ler um monte de livros, esse tipo de coisa. Então… quando o Anonymous colocou aquela declaração no Youtube, eu fiquei fascinado.”

A guerra começou com uma declaração do Anonymous no YouTube, que foi publicada em 21 de janeiro. Visualmente, é apenas um filme acelerado de nuvens passando sobre prédios, mas foi a voz computadorizada que tornou o vídeo atraente. Ela diz:

“Olá, Líderes da Scientology. Nós somos o Anonymous.

Ao longo dos anos, nós estivemos observando vocês. Suas campanhas de desinformação; sua supressão de dissidentes; sua natureza litigiosa, todas essas coisas chamaram nossa atenção. Com o vazamento de seu último vídeo de propaganda nos grandes meios de circulação, ficou claro para nós a extensão da sua influência malígna sobre aqueles que confiam em vocês como líderes. Assim, o Anonymous decidiu que sua organização deve ser destruída. Pelo bem de seus seguidores, pelo bem da raça humana, e para nosso próprio prazer, nós iremos expulsar vocês da Internet e sistematicamente desmantelar a Church of Scientology em sua forma presente. Nós reconhecemos vocês como sérios oponentes, e não esperamos que nossa campanha seja completada em pouco tempo. Entretanto, você não irá prevalecer contra a massa enraivecida da nação. Sua escolha de métodos, sua hipocrisia, e a crueldade geral de sua organização tocou o sino de sua própria morte.

Nós somos Anonymous. Nós somos legião. Nós não esquecemos. Nós não perdoamos. Aguardem-nos.”

Até o momento, o vídeo foi visualizado mais de 2.7 milhões de vezes. Para alguns espectadores, esta foi a introdução ao Anonymous. Outros, como Doc, sabiam exatamente o que ele significava.

O Anoymous nasceu em um fórum de imagens online, dirigido em grande parte a fotos e discussões relacionadas com anime — animação japonesa. O site, 4chan.org, criado em 2003 por um administrador que utiliza o nick “moot”, é baseado em um fórum japonês cujo fundador acreditava que ao transformar seus usuários em anônimos seus argumentos seriam julgados apenas por seus próprios méritos. Apesar de ser possível utilizar apelidos no 4chan, isso é ignorado, então geralmente os autores dos posts são listados como “Anonymous” (anônimo), especialmente no fórum caótico do site. Anonymous tornou-se o nome coletivo pelo qual os usuários do site são conhecidos — uma espécie de mente coletiva da opinião popular.

Há outros “chans” e sites relacionados criados e apagados a toda hora. Um wiki humorístico, Encyclopedia Dramatica, traz crônicas de várias pegadinhas de internet, “raids” e dramalhões, mas o 4chan permanece sendo o mais popular. No momento, a Alexa, uma companhia que rastreia a popularidade de sites para publicidade, lista o 4chan.org como o 56º site mais popular dos Estados Unidos. O fórum aleatório, ou “/b/” como é chamado, é a área mais popular do 4chan.

O /b/ tem sua linguagem própria, em grande parte complicada e propositalmente absurda. Usuários chamam uns aos outros por palavrões, e praticamente qualquer coisa é chamada de “fag” (sinônimo pejorativo para homossexual), o que é uma de suas convenções menos ofensivas. Há regras determinadas pelos moderadores — para o /b/ é basicamente a proibição de pornografia infantil — mas mesmo isto é objeto de piadas. O verdadeiro princípio norteador do fórum é que nada é sagrado ou fora dos limites, e /b/ irá rapidamente ofender qualquer pessoa capaz de ser ofendida. Frequentemente o verdadeiro sentido da mensagem está contido na foto que a acompanha. “Lolcats”, as fotos inexplicavemente populares de gatos com legendas engraçadinhas de gramática errada, começaram com a tradição semanal do “Caturday” do 4chan (publicação de fotos de gatos tiradas no sábado).

Usuários recomendam aos novatos passear pelos fórums por alguns meses, antes de postar qualquer coisa, sob o risco de ser ridicularizado (“LURK MOAR NEWFAG” – algo como “vasculhe, procure melhor, novato”). Se você não acha nada de interessante em postar ou re-postar versões diferentes da frase “Eu acho o Halo um carah mutio legal. Eleh mata aleins e não temeh nada”, então /b/ não é o seu lugar ou você precisa vasculhar mais. No colegial da internet, /b/ é o moleque com uma coleção de canivetes e um armário cheio de material pornô.

Algumas vezes as piadas vão longe demais, como no caso de 2006, quando um garoto de 22 anos do Estado de Wisconsin postou planos para explodir bombas em estádios de futebol americano espalhados pelos Estados Unidos. O FBI foi notificado, e quando o homem eventualmente declarou-se culpado das acusações de “comunicar um falso ato terrorista”, o Jornal Milwaukee Sentinel citou um oficial do FBI que disse que “a credibilidade disso estava além do ridículo.” /b/ adicionou outra regra, removida posteriormente: “não mexam com o football.”

Mas o Anonymous é imprevisível. No ano passado, quando um usuário do Texas ameaçou explodir bombas em uma escola no dia seguinte, outros 4channers utilizaram informações da foto que ele postou para notificar o FBI de suas intenções. O Jornal The Austin American-Statesman relatou que quando os oficiais efetuaram buscas em sua casa, “todos os objetos encontrados eram aparentemente brinquedos.”

Em 2006, um noticiário especial da afiliada da Fox em Los Angeles deu um pouco de notoriedade ao Anonymous ao utilizar uma filmagem encenada de uma van explodindo para ilustrar a ameaça que o grupo representava e chamando-os de “hackers com esteróides” e “máquina de ódio da internet,” adjetivos que entraram na lista de piadas internas dos anons. A Fox acusou o grupo de, além de mexer com o football, postar ameaças em páginas do MySpace e espalhar o final do mais novo livro de Harry Potter. Um blogger da revista Wired escreveu que “este “relatório de notícias” é a pegadinha mais engraçada no fórum que alguém já conseguiu.”

No ano passado, o Record, de Bergen County, New Jersey, relatou que Hal Turner, um apresentador de rádio racista, processou o 4chan e outros sites após inúmeros anônimos fazerem “raids” com pegadinhas contra seu show e seu site, tirando ele do ar. Uma “raid” é a versão do século 21 do trote telefônico, mas com dezenas e até mesmo centenas de pessoas ligando — prendendo as linhas telefônicas, enviando faxes de páginas pretas para desperdiçar tinta, e, acima de tudo, floodar os sites com “requests” até que eles sejam derrubados.

Uma mitologia criou-se ao redor dos Anonymous — slogans irônicos e sérios ao mesmo tempo e “fatos” sobre o grupo misterioso de hackers com esteróides e sua busca por “lulz” (que surgiu do termo LOL – Laughting out loud, algo como “rindo muito alto”).

Anonymous é legião. Anonymous não perdoa. Anonymous não esquece. Anonymous apenas se compromete com assuntos sérios. Anonymous: porque nenhum de nós é tão cruel quanto todos nós juntos. Anonymous assistiu demais ao “Clube da Luta”. Anonymous não é seu exército pessoal. Anonymous entrega. O nome verdadeiro dos Anonymous é David. Anonymous odeiam cães. Anonymous gostam de Mudkips (personagens do desenho Pokémon). Anonymous está dentro apenas pelos “lulz”.

A Scientology, por outro lado, leva-se muito a sério. Cara a cara com a discussão caótica e sem limites da internet, a igreja procurou manter controle sobre o incontrolável. Desde o eBay, onde as vendas de E-meters (um detector de mentiras primitivo usado nas sessões de aconselhamento da Scientology, chamadas de audições) foram canceladas, até o Google, que recebe a todo momento notificações de advogados da igreja para remover links de sites e newsgroups considerados ofensivos. Nenhuma infração passa despercebida. Um comentário da revista US Weekly sobre um terno brilhante utilizado pela ex-senhora Tom Cruise, Nicole Kidman (“Bonus: este terno especialmente desenhado repele scientologists), atraiu uma carta dos advogados da celebridade e scientologist Kirstie Alley, exigindo que o autor fosse despedido e que a publicação se “desculpasse e se comprometesse a investigar por que optaram por alimentar animosidade e preconceito contra scientologists.”


O INÍCIO DA GUERRA


O incidente que iniciou os últimos protestos do Anonymous foi tão besta quanto o acima — um vídeo interno da igreja postado no site de fofocas Gawker que mostrava Tom Cruise discursando para sua religão. Cruise aparece como um verdadeiro crente de olhos esbugalhados, e o incidente provavelmente seria esquecido, como seus pulos no sofá do programa da Oprah Winfrey — entretenimento mediano mas não o suficiente para iniciar uma revolução — se os advogados da Scientology não tivessem tentado obrigar o Gawker a remover o vídeo, sob o argumento de que ele violava as leis de Direito Autoral, e era para ser apresentado apenas pelas igrejas autorizadas apenas com “propósitos religiosos”. Gawker recusou-se a remover o vídeo, sob o argumento que o vídeo merecia ser notícia, e publicou a carta da igreja. De alguma forma, isto foi a gota d’água para o Anonymous.

Em 15 de janeiro, um usuário do 4chan postou a seguinte mensagem:

“Eu acho que é hora do /b/ fazer alguma coisa grande.

As pessoas devem entender que não devem “fuder” com o /b/, e falar sobre coisa nenhuma por dez minutos, e esperar que as pessoas dêem seu dinheiro para uma organização que não faz “porra nenhuma” de sentido.

Eu estou falando em “hackear” ou “derrubar” o site oficial da Scientology.

É hora de usar nossos recursos para fazer algum em que acreditamos que é certo.

É hora de fazer alguma coisa grande de novo, /b/.

Converse um com o outro, encontre um lugar melhor para planejar e façam o que pode e deve ser feito.

É hora, /b/.”

A resposta estava longe de ser unânime: “É, boa sorte com esse fracasso (fail),” escreveu outro usuário.

Outro: “Eu não concordo, nós podemos fazer isto. Nós somos Anon, e nós somos super-heróis da interweb. Quem além de nós pode lutar contra esta abominação de fé e capitalismo? O que JFK diria? Ele provavelmente diria algo como ‘Ei, Marilyn, isso aqui não vai se chupar sozinho.’ Mas ele também iria querer que nós fizéssemos isto.”

A raid ganhou popularidade — primeiro com a declaração no vídeo, depois com uma “Chamada da Internet às Armas,” também lançado no YouTube. De início, a raid do Anonymous contra a Scientology seguiu o padrão de sempre. De acordo com uma declaração oficial da Scientology, suas igrejas ao redor dos Estados Unidos receberam mais de 6.000 “ligações de ameaças e assédios” desde 17 de janeiro.

Desta vez, no entanto, o Anonymous começou a receber mais membros, já que pessoas que nada tinham a ver com o 4chan aderiram ao movimento. O Anonymous tornou-se na última brincadeira interna que saiu de seu site e rodou pela internet, levando com ele piadas internas do 4chan como “longcat, que é comprido”, máscaras do Guy Fawke (do filme “V for Vendetta” mas que também representa um personagem do 4chan chamado de “Homem Fracasso Épico – Epic Fail Guy”, porque, bem, ele é um fracasso), e “Rickrolling” (enganar alguém para que assista ao vídeo da música “Never Gonna Give You Up”, de Rick Astley, possivelmente o pior video clipe já filmado).

A julgar pelos posts do /b/ no 4chan e outros chans, um significativo número de usuários estavam descontentes com a raid e a atenção que ela havia obtido. Alguns dos outros chans chegaram a convocar raids para protestar contra os protestos, somente para sabotar o projeto. Basicamente, eles alegavam que sua “máquina de ódio da internet” havia sido sequestrada e eles a queriam de volta. Ao ser solicitado para comentar sobre este artigo, o dono do 4chan, “moot”, respondeu que “Isso é realmente algo que não tenho interesse em discutir. Não é algo com o qual estou envolvido ou em posição de comentar.”

Em 27 de janeiro, o Anonymous mudou seu curso. Em sua campanha contra a Scientology, o Anonymous deparou-se com um grupo antigo de críticos da igreja e ex-membros. Basicamente, Mark Bunker pediu para eles pararem o que estavam fazendo.

Bunker, um filmmaker e antigo crítico da Scientology, também possui o site XenuTV.com, um site com vídeos e informações críticas à igreja. Em um vídeo postado no YouTube, Bunker, barbudo e de fala suave, se dirige à câmera em uma “Mensagem para o Anonymous”. Ele diz que as ações do grupo — as ligações telefônicas, faxes e ataques aos sites — estavam prejudicando críticos da igreja, que trabalhavam há anos para documentar o que eles viam como abusos da organização. Ele pediu que os Anonymous seguissem um curso diferente — para protestarem pacificamente, nos limites da lei. Para a surpresa de todos os interessados, o Anonymous escutou. A resposta foi postada e re-postada por toda a internet até se tornar em outro slogan: “O Homem Barbudo é Sábio. Suas palavras são sábias, sua face é barbuda” (Wise Beard Man is Wise. His words are wise, his face is beard).

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No protesto de 15 de março, um anon com cerca de 30 anos que diz trabalhar para a Agência de Segurança Nacional, compara o Anonymous com a Guerra Contra o Terrorismo — você pode lutar contra terroristas, mas não pode lutar contra uma idéia. O Anonymous, diz ele, é uma idéia. Ao mesmo tempo em que diz isso, ele está usando um terno e uma máscara cirúrgica, parado em uma esquina ao lado da igreja da Scientology em Washington, enquanto alguém lê os arquivos militares de L. Ron Hubbard pelo sistema de som.

Crítico da Scientology de longa data, Arnie Lerma faz um discurso, assim como Jeanne-Marie Boucher, que foi criada na igreja. Boucher, 25 anos, culpa a igreja por levar seu pai a se suicidar em 2001. Seu pai, um membro da staff da igreja em Washington, enforcou-se após ter sido negado audições, que são as sessões de aconselhamento necessárias para subir dentro da igreja e em seu sistema de crenças. Jeanne diz que seu pai ficou desapontado após executivos da igreja questionarem sua lealdade — acusando-o de ter sido sofrido lavagem cerebral por forças externas. “Ele se matou,” diz ela. “Ele achou que se ele morresse, ele poderia retornar em outro corpo, em outra vida, e receberia mais audição da Scientology, e continuar subindo na “Ponte para a Liberdade Total.”

Jeanne também participou do protesto do dia 10 de fevereiro, apenas para ver como ele sairia, e desde então tem participado do fórum de discussões do site Ex Scientology Kids. No seu discurso de 15 de março, Jeanne está nervosa e com lágrimas, mas resiste, gritando para a igreja do outro lado da rua, “Por que vocês estão preocupados? Do que vocês estão com medo?” Ao final de seu discurso, ela vira-se para a igreja e diz, “Eu gostaria muito de agradecer vocês por partirem meu coração.”

PARTE 7