CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Genealogia contra o crime: como árvores familiares estão ajudando a encontrar criminosos

genealogiacrime128/07/2018 - A genética é mesmo fascinante. Desde a descoberta da hereditariedade, até os mais recentes métodos de sequenciamento, temos nos vislumbrado com o potencial deste conhecimento. No mundo forense, não tem sido diferente. O sequenciamento multiparalelo, por exemplo, não apenas demonstra que a velocidade dos exames relativos ao DNA pode ser muito mais rápida, como também “enxergam” variabilidade genética onde antes não acessávamos de forma eficaz.

Mas não é sobre esse método, especificamente, que discutiremos aqui. Fato é que muitos sites comerciais de análise genética tem ofertado uma avaliação de amostrar genéticas de clientes por preços cada vez menores. É o caso do Ancestry, do 23andMe e do MyHeritage, que prometem revelar “as suas origens étnicas e encontre novos parentes com o nosso simples teste de DNA” por cerca de R$ 300,00.

A antropologia forense tem especial interesse nessa abordagem, já que a ancestralidade étnica é uma das características avaliadas pela disciplina (apesar de que a população brasileira é especialmente complicada neste aspecto). Usar aspectos genéticas para essa avaliação é um passo importante e que vem sendo aprimorado há décadas. Mas a aplicação forense dessas avaliações genéticas hoje comercializadas não param por aí.

No MyHeritage, os serviços vão além: oferecem a possibilidade de usuários registrarem informações relativas as suas respectivas genealogias, como nomes, datas e locais de nascimento (e falecimento) de cônjuges, filhos, pais, irmãos, avós, bisavós, tataravós… com ou sem o suporte de um serviço de análise genética. Diante destes dados, confrontam as informações com outros usuários e, com isso, apontam outros ramos da árvore genealógica dos usuários, permitindo encontrar parentes ainda que distantes.

É um serviço apelativo e com muita procura. Afinal, quem não quer ter uma ideia de suas origens? Há tanto apelo que o programa Fantástico de 22/07/2018 fez uma matéria sobre o tema. O MyHeritage reporta que possui o cadastro de 3 bilhões de pessoas em suas árvores de família e quase 100 milhões de usuários em todo o mundo. É bem provável que alguém da sua família já tenha inserido informações acerca da sua família na genealogia da MyHeritage. É divertido pesquisar seus familiares no sistema deles, apesar de pago a partir de um certo número de pessoas da família que o usuário cadastra.

Neste ponto, alguns dos leitores devem estar se perguntando o que uma árvore genealógica tem a ver com o mundo pericial. Outros, já entendedores dos processos biológicos relativos à hereditariedade, já devem estar desconfiados. Vejamos.

Um dos aspectos mais importantes na perícia é a comparação. Um perito criminal muitas vezes depende da comparação para sua conclusão. Compara-se um projétil coletado num cadáver com outro disparado com uma arma suspeita; compara-se uma pegada levantada num local de crime com calçados de um suspeito; o padrão cromatográfico de uma substância com uma biblioteca de drogas de abuso.

Na genérica forense, a comparação também é usada. Equivale a dizer que de nada adianta a obtenção de um perfil genético de um vestígio de um local de crime ou sob as unhas da vítima se a perícia não tiver com o que comparar. Enquanto em casos de paternidade o material de confronto é oriundo dos pais, no campo criminal advém de amostras de suspeitos ou de um banco criminal de perfis genéticos.

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E quando não há material para confronto? Neste caso, até hoje, ou a perícia aguardaria a investigação apontar um suspeito ou arquivaria a informação num banco de dados. Mas agora existe outra abordagem e aqui que entra o pulo do gato: as árvores genealógicas públicas e suas relações genéticas! Genealogistas são os próximos profissionais a proporcionar outro grande avanço na genética forense e isso já está acontecendo no mundo. Uma famosa genealogista americana, chamada CeCe Moore, é uma das pioneiras nessa abordagem. Ela tem confrontado dados genéticos, com censos populacionais, árvores genealógicas e informações de redes sociais para encontrar autores de crimes, e até já chefia uma unidade de genealogia de uma empresa de nome Parabon NanoLabs para fins forenses. O frenesi sobre essa abordagem começou há três meses, quando um um importante homicida em série de crimes cometidos inicialmente há 40 anos foi identificado.

Em abril deste ano, Joseph James DeAngelo, hoje com 72 anos, foi identificado como o Golden State Killer após investigadores compararem o perfil genético de amostras dos casos com os bancos de dados genealógicos da 23andMe e da Ancestry. O Golden State Killer aterrorizou a Califórnia nas décadas de 70 e 80, com homicídios, estupros e roubos, e era considerado um caso arquivado (cold case).

No mês seguinte, Moore apontou um suspeito de um crime não solucionado de 1987: um duplo homicídio ocorrido próximo a Seattle. A polícia deu acesso a ela ao perfil genético do caso, supostamente do autor do crime, em uma sexta-feira. Segunda-feira Moore já tinha uma resposta, já que encontrou coincidências entre tal perfil e pessoas da mesma família, de ambos os lados, paterno e materno. Isso a permitiu chegar em um casal que possuia três filhas e um filho. Como sabia que o material genético era de um homem, então, por um processo de eliminação, só poderia ser ele e avisou a polícia. Os policiais seguiram o suspeito e conseguiram seu DNA a partir de um copo que ele descartou. O perfil genético encontrado no copo era o mesmo do autor do crime. William Earl Talbott, 55 anos, nunca figurou entre os suspeitos do crime quando da investigação em 1987, mas naquele dia de maio era preso ao sair do trabalho.

Mês passado (junho), a genealogista resolveu outro caso, de um crime ocorrido há 20 anos. A polícia ainda não divulgou as informações e nenhuma prisão foi efetuada até o momento. Mas Moore se surpreendeu com os fatos, se questionando se é possível que alguém mude tão drasticamente: o criminoso mudou totalmente de vida, hoje casado, com filhos, construiu um negócio de sucesso, é conhecido na comunidade, está em redes sociais. Aparentemente, cometeu um ato horrendo e nunca mais agiu criminosamente. Mas a lei é para todos, não é mesmo?

 

O papel da genealgia forense na solução de crimes

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15/06/2022 - Desde o surgimento da genética forense nos anos 80, no Reino Unido, até os dias atuais, a ciência já evoluiu em muitos aspectos, e a genealogia forense tem surpreendido cada vez mais, ajudando a solucionar casos criminais arquivados em vários países. Entenda tudo sobre a genealogia forense. A genealogia estuda desde a origem de uma família até a sua disseminação por várias gerações. A ciência forense, por sua vez, usa essas informações genéticas para identificar vítimas e suspeitos de crimes por meio de seus familiares.

Antes do DNA, a polícia contava com testemunhas, análise de pegadas e resíduos como tecidos e fibras, e as impressões digitais que eram a forma mais confiável de identificação. Porém, nem todos os casos possuíam evidências suficientes para serem solucionados e acabaram se tornando “cold case”.

Conforme a ciência forense foi evoluindo, muitos desses casos arquivados foram reabertos e a polícia passou a utilizar os bancos de DNA, como o Codis, nos Estados Unidos, que armazena o material genético de presos condenados, e o Fenix, na Europa que possui informações genéticas de pessoas desaparecidas, no Brasil, ainda não foi implantado um banco nacional de DNA.

Além dos bancos do governo que contém esses dados, também surgiram empresas privadas como a Ancestry e o Wikki Tree, que já possuem milhares de perfis em suas bases. Com esses novos recursos, a polícia além de comparar o material genético que possuem, também pode pesquisar esse perfil na base de algumas empresas privadas que tornam essas informações públicas. É nesse momento que a genealogia forense exerce seu papel. Pode parecer até parecer fácil, mas a pesquisa pode demorar anos até que seja encontrado um perfil semelhante ao do criminoso ou ao da vítima não identificada.

CASO YARA GAMBIRASIO

Um dos casos mais famosos que envolve a genealogia forense, ocorreu na Itália em 2010, quando a adolescente Yara Gambirasio foi sequestrada e assassinada. O corpo da adolescente foi encontrado somente 3 meses depois do desaparecimento e as evidências eram poucas. Apesar disso, foi localizado material genético do possível assassino na calça da vítima, esse perfil foi nomeado pela polícia de “Ignoto 1”. A partir desse material, os cientistas forenses chegaram até Giuseppe Guerinoni, falecido em 1999, e puderam identificar que o suspeito se tratava de um dos seus filhos, porém, não foi possível localizá-lo por ser um filho ilegítimo que a família de Giuseppe não tinha conhecimento.

Após quase 4 anos de muito trabalho, a polícia chegou ao assassino, Massimo Giuseppe Bossetti, pois sua mãe havia cedido seu material genético durante os testes massivos, em que mais de 22 mil pessoas foram testadas em uma operação jamais vista durante uma investigação policial. Os investigadores observaram o suspeito durante alguns meses e montaram uma operação, na qual foi realizado o teste de bafômetro e assim puderam colher seu DNA e compará-lo com o perfil “Ignoto 1” obtendo resultado positivo. Massimo foi condenado e cumpre prisão perpétua.

Já em 2021, uma das vítimas de Gary Rigdway, também conhecido como Green River Killer, foi finalmente identificada depois de 37 anos. O assassino foi preso em 2001 e condenado por 49 assassinatos, entre suas vítimas, 3 não haviam sido identificadas. Os restos mortais foram encontrados em 1984 e nomeados de “Ossos 10”, pois, já não havia como identificar a vítima. Mas, os investigadores não desistiram e em conjunto com a antropóloga Kathy Taylor e o DNA Doe Project, conseguiram identificá-la como Wendy Sthephens, que tinha entre 12 e 18 anos quando foi assassinada. A família de Wendy, ainda tinha esperança em encontrá-la, por isso, em 2019 um dos pais cedeu seu DNA para o GEDmatch, que mais tarde foi excluído devido a novas políticas e transferido para o Family Tree DNA, onde a polícia fez a comparação.

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Esses são apenas dois de diversos casos em que a genealogia forense teve um papel crucial na solução. Ainda assim, o uso do DNA de bancos de genealogia pela polícia gera muita discussão, não só porque é um dado sensível que pode ser usado por outras pessoas, mas também porque uma prisão não deve ser baseada somente no DNA.

Apesar do alto investimento financeiro que nem sempre é possível em todos os casos, podemos acreditar que no futuro muitos “cold cases” serão solucionados trazendo não só justiça, mas também um desfecho para a família da vítima.

Fonte: https://cienciacontraocrime.com/
           https://falauniversidades.com.br/