QUALIDADE DE VIDA

A Anormalidade da Indústria do Tabaco

cigarro23“O cigarro é o único produto de consumo no mercado que mata metade dos seus usuários regulares ao ser consumido conforme as instruções dos fabricantes” Dra. Gro Brundtland, Diretora da OMS à época da negociação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco. A indústria do tabaco não é uma indústria como outra qualquer. Como resposta, no Canadá, foi lançada a estratégia TID, sigla de Tobacco Industry Denormalization. Seu objetivo é mostrar à opinião pública e aos legisladores que, ao contrário do senso comum, que acha ‘normal’ fabricar e comercializar um produto lícito, não tem nada de normal ou aceitável nessa atividade, em função das muitas mentiras, truques e manipulações utilizadas por esta indústria desde que descobriu o perigo de seus produtos.

Nas palavras da indústria do tabaco, não há porque se preocupar com as doenças provocadas por uma indústria ‘legal’, que produz e vende um produto de ‘qualidade’,‘legal’, ‘normal’. Através deste discurso, ela torna-se sem problemas e, portanto, não há porque tratar as empresas de tabaco de forma diferente de outras. Para a Souza Cruz, por exemplo, “produzir e comercializar cigarros legalmente é uma atividade lícita e [sua] a missão é fornecer produtos de qualidade a adultos que escolheram fumar, cientes dos riscos associados ao hábito. Definitivamente, o negócio da empresa não é persuadir pessoas a fumar, mas oferecer marcas de qualidade a adultos que decidiram fumar, livre e conscientemente”.

Mas até que ponto isso é verdade? De acordo com Organização Mundial da Saúde, em seu último relatório(2008), lançado no começo de fevereiro de 2008, se não houver um esforço global para diminuir o número de fumantes, o tabagismo pode matar 1 bilhão de pessoas no século 21, nos países em desenvolvimento, grupo no qual o Brasil está enquadrado. Esta previsão significa 10 vezes mais mortes do que no século passado. O cigarro mata 5,4 milhões por ano no mundo (mais do que a soma das vítimas de tuberculose, malária e Aids), número, aliás, que deve crescer para 8 milhões em 2030, de acordo com projeção da OMS. Diferente de outras epidemias dos dias atuais, como a Aids, SARS ou gripe, esta epidemia é uma cortesia da indústria. Não como qualquer indústria, mas uma indústria ‘legal’, que vende um produto ‘normal’, ‘legal’. Apenas o que a lei permite. Não o que é ético. Ou moral. Mas o que a lei, historicamente, permitiu que se faça.


AS GRANDES MENTIRAS DA GRANDE INDÚSTRIA

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Esta é, afinal, uma indústria que mentiu sobre os riscos de seus produtos, sobre a dependência, sobre a manipulação de nicotina e sobre o marketing, que não teria crianças e adolescentes como público alvo. Para completar, continua mentindo sobre os riscos do fumo passivo. Há 21 anos, o relatório The Health Consequences of Involuntary Smoking, do Ministério da Saúde dos Estados Unidos, concluiu que a exposição ao tabagismo passivo causava doenças nos não-fumantes. Esse relatório, que foi um dos primeiros a investigar o assunto, mostrou que a poluição tabagística ambiental (PTA) causava câncer de pulmão em adultos não-fumantes e vários problemas respiratórios entre as crianças. Desde que foi publicado, centenas de estudos e vários relatórios adicionais foram publicados, e as evidências de seus danos à saúde tornaram-se ainda mais fortes.

Há evidências de que a indústria também mentiu sobre seu envolvimento com o comércio ilegal de tabaco. No Canadá, por exemplo, várias empresas e seus executivos estão sendo processados com relação ao contrabando. Também enfrentam um processo civil de 1,5 bilhão de dólares canadenses, movido pela Procuradoria Geral do Canadá, por causa de um esquema de fraude contra o governo federal, em relação a impostos. A União Européia, por sua vez, promoveu ações contra várias tabageiras nos Estados Unidos, com base na legislação que trata de crime organizado, extorsão e organizações corruptas. Os processos começaram em 2000, sob a acusação de que essas empresas teriam um “esquema global em andamento para contrabandear cigarros, lavar o valor conseguido com tráfico de narcóticos, obstruir governos, fixar preços, subornar representantes de órgãos públicos estrangeiros, e conduzir comércio ilegal com grupos terroristas e estados patrocinadores do terrorismo”.

Em 9 de julho de 2004, a Comunidade Européia e os Estados Membros concordaram em assinar um acordo com a PMI em que a empresa se obrigava a pagar cerca de US$ 1 bilhão em 12 anos, além de se obrigar a controlar o contrabando através de uma série de medidas como o pagamento dos valores devidos a título de tributo pelos produtos apreendidos, inclusive incidindo multa de 500% sobre referido valor se a apreensão superasse 90 milhões de cigarros. A JTI, através da RJReynolds International, também fez um acordo em termos semelhantes depois de dois anos de negociações. O Reino Unido foi o único país europeu que não aderiu aos acordos. Em 1999 o governo norte-americano promoveu ação baseada nessa mesma legislação que trata de crime organizado, extorsão e corrupção corporativa contra 11 tabageiras. Em sentença histórica de 2006 a Juíza Gladys Kessler reconheceu que a indústria está por traz da epidemia tabagista e que violou referida legislação ao atuar em conjunto e coordenadamente para enganar a opinião pública, governo, comunidade de saúde e consumidores.


POR QUE A INDÚSTRIA DO TABACO NÃO É NORMAL: EXPONDO SEU COMPORTAMENTO PARA OBTER APOIO PARA UMA REFORMA NECESSÁRIA DA SAÚDE PÚBLICA


Durante séculos o uso do tabaco foi difundido das Américas para todo o mundo. Acreditava-se que a erva era dotada de propriedades medicinais, capaz de curar doenças diversas como bronquite crônica, asma, doenças do fígado e dos intestinos, reumatismo e outras. No final do século XIX e até a primeira metade do século XX, a explosão do consumo de tabaco definiu a consolidação das indústrias tabageiras como potências econômicas. Foi neste período que a produção de cigarros ganhou escala industrial e o produto pôde contar com uma eficiente estratégia de marketing, que foi decisivo para dar ao ato de fumar uma representação social positiva, por meio da associação do cigarro com o ideal de auto-imagem, ou seja, beleza, sucesso, liberdade e potência sexual. Com esses ingredientes, o cigarro se tornou um objeto do desejo, especialmente a partir dos anos 50, com o desenvolvimento das técnicas de publicidade.

Portanto, quando os riscos se tornaram conhecidos, uma grande parte da população mundial já estava dependente. E é justamente o fator de adição que faz com que seja, nos dias atuais, extremamente difícil para os governos retirar o produto do mercado. Enquanto a população se tornava dependente, as empresas de cigarros se engajavam numa campanha para convencer os legisladores e a opinião pública que os produtos precisavam ser tratados como outro qualquer. A estratégia de tornar o produto “normal” vem sendo implementada através de financiamento de partidos políticos, patrocínio de eventos culturais e esportivos, colocação de executivos na direção de hospitais e financiamento de cursos universitários sobre ética nos negócios e responsabilidade social corporativa. Em resumo, a indústria escondeu seu marketing predatório atrás de um véu de normalidade e racionalizou sua epidemia com uma retórica de ‘livre escolha’ e fraude.


A ESTRATÉGIA TID PARA ANORMALIZAR A INDÚSTRIA DO TABACO


Para ajudar a reverter esse processo de normalização do tabaco, o Canadá lançou uma estratégia de saúde pública, chamada de Anormalidade da Indústria do Tabaco (em inglês, Tobacco Industry Denormalization – TID). Evidentemente, a indústria detesta esta estratégia, porque ela ataca o cerne do negócio, a desonestidade para tentar obter normalidade. Trata-se, portanto, de uma estratégia de saúde que joga a responsabilidade da epidemia do tabaco para onde ela pertence: no mau comportamento da indústria, ao invés de culpar o julgamento errôneo de indivíduos. A TID põe luz na fraude, negligência e falha corporativa para advertir em vez de ressaltar os riscos mal calculados de dependência dos adolescentes ou na falha dos jovens
em reconhecer que eles são o alvo do marketing predatório.

Ela mostra ao público que a indústria e seus produtos não são legítimos, ou normais. A justificativa para esta estratégia é confirmada em milhões de páginas de documentos internos da indústria obtidos durante as ações judiciais ou por meio de informantes. Tais documentos revelam que a indústria do tabaco operou fora dos padrões civilizados do comportamento corporativo por mais de meio século.


A LAMA QUE A INDÚSTRIA JOGA NO VENTILADOR


A indústria do tabaco tenta tirar o foco da TID de seu mau comportamento corporativo e para isso destaca a ‘anormalidade do uso’, ou seja, ataca o comportamento do fumante. Ao fazer isso, faz com que as estratégias de saúde foquem uma ‘anormalidade’ do fumo e que sejam acusadas de atacar os clientes da indústria. De fato, a indústria tira vantagem da dificuldade da comunidade de saúde em definir a estratégia TID com cuidado. Para prevenir uma confusão entre a anormalidade da indústria do tabaco e o uso do tabaco, recomenda-se:

1) Que o termo ‘anormalidade’ seja restrito ao comportamento da indústria e a seus produtos

2) Que termos como “mudando a aceitação social do fumo” sejam usados para intervenções na saúde que foquem no comportamento do fumante

3) Que a terminologia TID não seja vulgarizada, diluída ou confusa como um foco no comportamento individual, mas sim no da indústria.


POR QUE SE JUSTIFICA MARGINALIZAR UMA INDÚSTRIA?

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A resposta a esta pergunta, segundo a professora Anne Lavack, da Universidade de Saskatchewan, citada no documento, é o comportamento corporativo, que é “manipulador, mentiroso e aético”. A indústria mentiu sobre todos os aspectos de seu negócio e, quando viu que não podia negar as evidências, argumentava que os riscos não eram comprovados, que seus produtos não criavam dependência e chegou até mesmo a fazer com que fumantes acreditassem em benefícios para a saúde do uso de cigarros ‘light’ ou ‘suave’. Em outras palavras: fraude.

Os fabricantes também argumentavam que não tinham interesse em crianças e adolescentes. No entanto, os documentos de processos expõem que os jovens são o começo do negócio e que são o público-alvo acima de qualquer outro. Estes documentos, até então internos, mostram que a indústria conspirou amplamente para cumprir todos os esforços de mentir ao seu público sem dó nem piedade, continuamente e sem qualquer arrependimento, a fim de manter as vendas e os lucros.

E, para fechar este texto, vale a pena lembrar a ex-diretora da OMS, Dra Gro Brundtland, durante a Nona Conferência Internacional de Regulamentação de Drogas (International Conference of Drug Regulatory Authorities - ICDRA), em 1999: “Os produtos do tabaco são os únicos produtos legais que matam cerca de metade dos  consumidores quando usados como mandam os fabricantes”...

Baseado no texto “Tobacco Industry Denormalization: Telling the Truth About the Tobacco Industry´s Role in the Tobacco Epidemic” [A Anormalidade da Indústria do Tabaco: Falando a Verdade Sobre o Papel da Indústria do Tabaco na Epidemia do Tabagismo], da organização Non-Smokers Rights Association, do Canadá.

Fonte: http://actbr.org.br