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Médicos estão despreparados para diagnosticar intoxicação por agrotóxicos, afirma especialista

eco3Você tem certeza que sabe o que coloca no prato? O feijão com arroz possui muito mais do que substâncias nutritivas. Os alimentos consumidos no Brasil podem esconder um perigo invisível, que promete vitimar cada vez mais: os agrotóxicos.Apenas em 2009, de 2 mil a 7 mil casos de contaminação por agrotóxicos foram registrados no Brasil. O número exato, contudo, pode ser bem maior. Os médicos que operam no país estão despreparados para reconhecer os sinais da intoxicação decorrente dos agrotóxicos, principalmente quando o paciente não trabalha diretamente com a substância. 

Médico sanitarista e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Ademário Spínola conta que, nos mais de cinco anos de formação, não há nenhuma obrigatoriedade quanto as universidades abordarem o tema. A disciplina “Toxicologia” integra apenas a diretriz curricular de dois cursos: Farmácia e Nutrição. Com isso, gerações de médicos ignoram completamente o assunto.Spínola, que ainda integra o Fórum Baiano de Combate aos Agrotóxicos, chegou a introduzir o tema quando ministrou a disciplina optativa “Medicina Ocupacional”, nos anos 1980, e afirma que, de vez em quando, surge uma matéria similar na Faculdade de Medicina da Ufba.

“Mas são disciplinas isoladas. A verdade é que você sai das faculdades de medicina, em geral, sem qualquer conhecimento na área”. Para ele, o tópico deve ser inserido urgentemente na diretriz curricular do curso. “As autoridades desse país devem enfrentar esta questão. Nós não sabemos o que comemos, nem sequer sua procedência”, dispara Spínola.

Há ainda outro agravo para a subnotificação do problema no país. O Brasil conta com dois sistemas de notificação para a intoxicação: o Sinitox (Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacólogicas), vinculado à Fiocruz, e o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), ligado diretamente ao Ministério da Saúde.No ano citado, a diferença de casos registrados nos dois sistemas foi de mais de 3 mil, sendo que não é possível descobrir quais desses são duplicados, segundo o boletim Dataluta. A obrigatoriedade do repasse das informações foi estabelecida apenas em 2011, o que fez as notificações no Sinan passarem de 41, em 2011, para 2.887, em 2012.

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O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos desde 2008. E o consumo só faz crescer. Em 2011, cerca de US$ 8,5 bilhões de pesticidas foram comercializados no país, R$ 1,2 bi a mais do que no ano anterior. São 853 milhões de litros consumidos, 12 por hectare, sendo que 80% estão concentrados nas lavouras de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar.

Os efeitos que os agrotóxicos exercem no corpo humano ainda não são completamente conhecidos, mas já se sabe o suficiente para ressaltar que não vale o risco. A intoxicação pelos agrotóxicos se dá de duas formas: através dos efeitos agudos ou dos crônicos. “A intoxicação pode ocorrer tanto com um contato prolongado até com uma única exposição concentrada”, explica Spínola.

Quem corre o maior risco são os próprios trabalhadores. A intoxicação se manifesta principalmente em uma doença crônica: a síndrome colinérgica, que causa irritabilidade, dores abdominais intensas, dificuldades respiratórias e até a morte.

Na outra ponta está o consumidor. Embora os produtores garantam que a dose digerida no prato nosso de cada dia seja insignificante, Spínola alerta que, principalmente as gerações mais novas, estão expostas aos efeitos crônicos: diminuição da fertilidade, impotência, abortos, má-formação fetal, desregulação endócrina e até a imunotoxicidade – os agrotóxicos teriam o poder de afetar nosso sistema imunológico de forma similar ao vírus da Aids. “Outra questão é o câncer. Há muitas pesquisas sendo desenvolvidas, mas já se conhece um grande grupo de tumores relacionados”, aponta o especialista.

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Cada organismo responde de forma singular às substâncias, assim, consumir um alimento com alto nível de pesticida não garante, necessariamente, o desenvolvimento de uma dessas doenças. Mas, como os efeitos acontecem em longo prazo, fica difícil ter certeza. “São fatores que vão se somando. Hoje já temos problemas, mas tudo indica que nessa geração de jovens será pior”, projeta o especialista.

Fonte: http://www.ecodesenvolvimento.org