CIÊNCIA E TECNOLOGIA

O que é a cremação líquida e por que ela é ilegal em alguns estados americanos?

cremliquida115/04/2015, por Sarah Zhang - Desculpe a sinceridade, mas depois de nos vermos livres do túmulo da existência, nossos corpos não são nada além de sacos de bactérias vivas e células mortas. Podemos tentar retardar nossa decomposição (embalsamamento), ou nos antecipar a isso com um fogo destrutivo (cremação). Nós também podemos dissolver nossos corpos com soda cáustica, utilizando um procedimento cada vez mais popular, chamado hidrólise alcalina.

Quer dizer, alguns de nós podemos. A hidrólise alcalina — também conhecida como cremação líquida ou cremação aquática ou bio-cremação — atualmente é legalizada em apenas oito estados norte-americanos. Apesar de ser uma das formas mais baratas e amigáveis ao meio ambiente para se lidar com um cadáver, ela não é uma opção para a maioria de nós. Por quê? A questão da morte é delicada, e mudanças (legais) são incrivelmente lentas. Além disso, muita gente ainda não sabe direito como a hidrólise alcalina funciona. Isso não significa transformar sua avó em líquido e despejá-la no ralo.

Como funciona a hidrólise alcalina?

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Como na cremação comum, tudo o que resta após a hidrólise alcalina são restos de ossos, que são reduzidos às cinzas que colocamos em urnas. O processo para chegar até aí, no entanto, é muito diferente. Uma maneira de entendê-lo é pensar que a hidrólise alcalina acelera rapidamente o processo comum de decomposição usando calor, pressão e uma substância alcalina, como o hidróxido de potássio ou hidróxido de sódio. O corpo é colocado dentro de um recipiente de aço com 300 litros ou mais de água, que é aquecida até 300 graus, o que mata micróbios e até mesmo destrói os príons responsáveis ​​pela versão humana da doença da vaca louca. Depois de uma ou duas horas, a maior parte do corpo foi dissolvida em líquido. Os ossos remanescentes são moídos em cinzas.

Depois de deixar um corpo se decompor naturalmente, a hidrólise alcalina é a opção mais ecologicamente correta disponível. Mesmo usando muita água, ele cria apenas um quarto das emissões de carbono de cremação e usa apenas um oitavo da energia. E nem vamos começar a listar todos os produtos químicos tóxicos no embalsamamento. Portanto, é um processo simples e muito limpo, e deixa basicamente os mesmos “restos mortais” da cremação tradicional.

As novas tendências na tecnologia funerária

“Acho que há muita gente que simplesmente não entende o processo,” diz Terry Regnier, diretor de serviços anatômicos na clínica Mayo, que contribuiu para o estado de Minnesota se tornar o primeiro a legalizar o processo, em 2003. A clínica agora usa o processo em todos os corpos doados para pesquisa e ensino. O processo é atualmente legal nos estados de Colorado, Flórida, Illinois, Kansas, Maine, Maryland, Minnesota e Oregon. Há alguns anos, quando o serviço funerário de Edwards, Ohiom comprou uma máquina de hidrólise alcalina, eles foram obrigados a parar devido a polêmicas. O clero católico, por exemplo, disse que não estava sendo “mostrado respeito por esse corpo”. O fato de o processo ter sido originalmente desenvolvido para o descarte de animais mortos não ajuda a dar uma boa impressão.

“O maior equívoco é que muitas pessoas acham que o corpo inteiro vai pelo ralo”, diz Regnier. Mesmo com essa incompreensão do método, no entanto, não é difícil entender por que as pessoas ficam assustadas com esse lance de ser “despejado no encanamento”. Mas isso só mostra nossa ignorância sobre como cadáveres geralmente são tratados. Líquidos corporais e sangue são descartados quando os médicos-legistas fazem embalsamamento — e as partículas queimadas, de maneira semelhante, saem através de chaminés na cremação. Uma campanha de marketing ou algo do tipo poderia dar uma forcinha para a hidrólise alcalina — é tudo apenas uma questão de escolher as palavras certas. “Queimar a vovó parece muito violento,” diz o filósofo da ciência Phil Olson a The Atlantic. “Em contraste, cremação verde soa como ‘colocar a vovó em uma banheira quente’.”

Regnier diz que o interesse é cada vez maior — várias pessoas já foram conhecer as instalações da Mayo. E em seu programa de doadores, nenhuma família entre centenas se recusou a usar a hidrólise alcalina como o fim de seus entes queridos. Ok, pessoas que doam seus corpos à ciência provavelmente não são as mais sensíveis sobre o que acontece no final. “Eu não hesitaria em fazer isso em mim mesmo ou em outro membro da família”, diz Regnier. Como poluição do ar, falta de espaço e emissões de carbono tornam os métodos tradicionais de sepultamento ainda mais problemáticos, a hidrólise alcalina está prestes a tornar-se uma alternativa viável. Claro, as tradições em torno da morte também precisam mudar — e as pessoas precisam deixar de ser tão sensíveis. Mas veja bem: nós vivemos em uma cultura que acha ok usar linhas para fechar as mandíbulas dos cadáveres e enchê-los de algodão. Não é uma mudança impossível.

Nada de cremação ou enterro: opção por dissolver corpo após a morte ganha adeptos

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22/05/2017, por William Kremer - Robert J Klink passou sua vida perto d'água. Ele cresceu nos anos 1950, no South Long Lake, em Minnesota, Estado americano conhecido como a terra dos 10 mil lagos. Caçar e pescar nas margens desses reservatórios naturais era a paixão de sua vida. Pouco antes da morte dele por câncer do cólon e do fígado, em março, sua esposa Judi Olmsted foi a uma funerária local - a Bradshaw Celebration of Life Center - e disse que seu marido queria ser cremado. No estabelecimento, ofereceram dois tipos de cremação: a tradicional, com fogo, e um novo tipo, que usa água no processo. Um panfleto explicava que era uma "cremação alternativa e ecológica" que usava uma solução alcalina feita a partir de hidróxido de potássio.

"De início, pensei 'bem, eu não sei nada sobre isso'", disse Olmsted. "Mas quanto mais eu pensava sobre aquilo, mais eu acreditava que era a melhor opção."

Impacto ambiental

Quando somos enterrados, usamos os recursos do planeta uma última vez - com a madeira do caixão, o algodão do forro, a pedra da lápide, além de outros recursos. A cremação também tem impacto ambiental. Para queimar um corpo, o equipamento crematório produz calor suficiente para aquecer uma casa durante uma semana no inverno congelante do Minnesota. A funerária local é um dos 14 estabelecimentos do mundo a oferecer a opção "verde" - acredita-se que a hidrólise alcalina é ambientalmente mais correta do que a cremação tradicional. Eles oferecem ambos os serviços pelo mesmo preço, mas dizem que o novo tipo de cremação revelou-se um sucesso inesperado. Dos clientes que optam por não enterrar seu familiar, metade do total, 80% preferem a hidrólise alcalina.

Ao escolher a cremação verde, Judi Olmsted pensou na paixão que Klink tinha pela água e relacionou o método aquoso ao batismo, o que achou comovente. O processo transforma os ossos em pó, que, no caso de Klink, foi depositado próximo a flores, fotos e um pato de madeira numa igreja luterana no subúrbio de St Paul, em Minnesota.

Outras motivações

A BBC perguntou à diretora de funerais da Bradshaw, Anne Christ, sobre outras razões as pessoas citavam para escolher a hidrólise alcalina. "Há algumas pessoas com um interesse científico e, claro, interessadas no fator ambiental", diz. "Mas é mais uma questão emotiva. Eu diria que a maioria das pessoas toma a decisão com base numa intuição de que a água é mais suave." Mas dissolver o corpo com substâncias químicas realmente é mais suave do que queimá-lo? As pessoas se dão conta de como funciona a hidrólise alcalina? "Tem coisas que eles não sabem", afirma Christ, rindo discretamente. O equipamento de hidrólise e as salas para acompanhar o processo foram instalados há cinco anos por um custo de US$ 750 mil (R$ 2,4 milhões).

"Poderíamos ter gastado menos", diz Jason Bradshaw, também diretor do centro. "Mas pensamos que, como éramos os primeiros na área, e um dos primeiros no país, deveríamos investir mais. Temos grupos que visitam o lugar, de instituições psiquiátricas a igrejas. Ou simplesmente de pessoas que querem ver como a máquina funciona." Ele conduz a reportagem ao subsolo, até um cômodo circular com uma cascata tilintante. Na parede cor de ocre, há uma porta de vidro deslizante que leva a outro espaço. Bradshaw desaparece, acende a luz no outro cômodo e abre a porta. O equipamento de hidrólise alcalina tem 1,8 m de altura, 1,2 m de largura e 3 m de profundidade. A aparência industrial da máquina contrasta com a intensidade sombria da sala de visualização.

Não é difícil imaginar quem escolheria assistir seu parente ou amigo sendo colocado num máquina que é conhecida como "digestor de tecidos". Em seguida, Bradshaw e seu colega, David Haroldsen, movem um corpo pela porta. O corpo - que não me foi identificado - é colocado na máquina. Bradshaw opera o equipamento por uma tela de computador - depois de trancada, a máquina se enche de água.

'Processo natural'

Formado em biologia e química, ele explica que a máquina pesa cada corpo e calcula o quanto de água e hidróxido de potássio adicionar. A solução alcalina, com um pH de 14, é aquecida a 150 °C, mas como é pressurizada, não chega a ferver. "A hidrólise alcalina é o processo natural pelo qual o corpo passa quando é enterrado. Aqui recriamos as condições ideais para isso acontecer muito, muito mais rápido", diz Bradshaw. Num cemitério, o processo leva décadas. No equipamento, são 90 minutos - embora o processo subsequente de enxaguamento leve mais tempo.

Depois de três a quatro horas, a porta é destrancada e o diretor funerário vê ossos molhados espalhados numa bandeja de metal. Num compartimento longe da vista, são depositados os restos líquidos dos tecidos dissolvidos. O cômodo onde está a máquina tem um cheiro parecido com o de um lavanderia. Mas a eliminação desses resíduos e o tratamento da água ainda preocupam as pessoas. Bradshaw seca os ossos numa secadora de roupa doméstica. "Funciona melhor", explica.

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Os ossos são, então, colocados numa máquina usada na cremação regular. A diferença é que o pó resultante é mais fino e mais claro, parecido com o da farinha - e produz 30% a mais em quantidade. Até agora, o digestor de tecido de Bradshaw processou mais de 1,1 mil corpos, quase um por dia.

Espaço para mortos

Há países, como Japão e Grécia, onde há cada vez menos espaço para enterrar seus mortos. Além disso, há impacto ambiental no solo do cemitério, e o próprio enterro exige recursos naturais. Ativistas dizem que, nos Estados Unidos, as estruturas para armazenar os caixões usam mais de 1,6 milhão de toneladas de concreto e 14 mil toneladas de aço por ano. Na cremação, o equivalente a 320 kg de CO2 é gerado. A menos que medidas especiais sejam tomadas, substâncias tóxicas são liberadas, como o mercúrio do preenchimento dental.

Sendo assim, como a hidrólise alcalina se compara do ponto de vista ambiental? Para a pesquisadora Elisabeth Keijzer, que coordena dois estudos para a Organização Holandesa para Pesquisa Aplicada, o processo é muito melhor. Ela analisa 18 parâmetros ambientais - como destruição do ozônio, mudanças climáticas e toxicidade marinha - e conclui que a hidrólise alcalina é melhor em 17 deles comparada às outras técnicas. Além disso, emite sete vezes menos CO2 que a cremação. Mesmo que seu trabalho não chegue a considerar o método uma "cremação verde", conclui que é ambientalmente mais correto do que o enterro e a cremação tradicional.

Fonte: https://gizmodo.uol.com.br/
           https://www.bbc.com/