Imagine um mundo onde as pessoas não passam mais de 15 horas por semana trabalhando. Um lugar onde você tem tempo para se dedicar à música, poesia, artes e outros projetos pessoais enquanto ainda desfruta de uma vida confortável. Parece utopia, certo? Pois saiba que essa visão já foi cogitada como algo bastante factível. Em 1930, o economista John Maynard Keynes previu que, com os avanços tecnológicos, chegaríamos a esse ponto até o final do século XX. Mas adivinhe só? Aqui estamos nós, no século XXI, trabalhando mais do que nunca — muitas vezes em empregos que, francamente, parecem desnecessários .
A pergunta que fica é: por quê? Como fomos parar aqui? E, mais importante, o que isso diz sobre nossa sociedade e os valores que sustentam nosso sistema econômico?
O Futuro Que Não Chegou
Keynes estava certo em muitos aspectos. A tecnologia realmente avançou de maneira impressionante. Máquinas substituíram boa parte do trabalho braçal nas indústrias, na agricultura e até em escritórios. Hoje, robôs montam carros, algoritmos fazem cálculos complexos e inteligências artificiais gerenciam estoques. No entanto, ao invés de reduzir a carga de trabalho e liberar tempo para atividades criativas ou familiares, a tecnologia foi configurada para nos fazer trabalhar ainda mais.
Isso levanta outra questão: se máquinas podem fazer tanto, por que precisamos de tantos advogados corporativos, contadores, operadores de telemarketing e burocratas? Por que continuamos inventando novos empregos que, honestamente, parecem inúteis? É como se alguém estivesse deliberadamente criando cargos apenas para manter as engrenagens da sociedade girando, mesmo que essas engrenagens não levem a lugar algum.
E não estou falando sozinho aqui. Pesquisas mostram que, entre 1910 e 2000, o número de "trabalhadores braçais" na indústria e no campo diminuiu drasticamente. Ao mesmo tempo, empregos administrativos, de vendas e de gestão explodiram. Três quartos dos trabalhadores americanos hoje estão nesses setores. Ou seja, estamos trocando fábricas e campos por salas de reunião e planilhas. Mas por quê?
O Monstro Burocrático
A resposta, meus amigos, está no próprio coração do capitalismo moderno. Vivemos em um sistema dominado pelas finanças, onde o valor de uma empresa não é medido pelo que ela produz, mas pelo quanto ela pode lucrar. Nesse contexto, surgem exércitos de burocratas — gente que passa horas atualizando perfis no LinkedIn, organizando seminários motivacionais ou preenchendo formulários que ninguém lê. São os chamados "empregos de merda".
Pare para pensar: quantos executivos-chefes, lobistas ou consultores jurídicos poderiam simplesmente sumir sem causar nenhum impacto real na sociedade? Agora compare isso com enfermeiras, professores, mecânicos ou catadores de lixo. Se esses profissionais parassem de trabalhar, estaríamos em apuros sérios. Então, por que eles ganham menos e são menos valorizados?
Essa inversão de valores não aconteceu por acaso. Ela reflete um sistema que prioriza o controle e a acumulação de riqueza acima de tudo. Quanto mais seu trabalho beneficia outras pessoas, menos você recebe. E vice-versa.
O Resentimento Silencioso
Mas há algo ainda mais perturbador nessa história. Muitas pessoas sabem, lá no fundo, que seus trabalhos são inúteis. Conheço advogados corporativos que confessam isso abertamente. Eles não acham que estão contribuindo para o mundo; sentem-se presos em uma rotina vazia, mas não veem saída. Esse ressentimento silencioso é um veneno que corrói a alma coletiva.
Lembra daquele amigo meu, o poeta? Ele era brilhante, criativo e iluminava vidas com suas músicas. Mas quando sua banda fracassou comercialmente, ele teve que escolher entre pagar as contas ou continuar sonhando. Hoje, ele é um advogado corporativo em Nova York. Ele odeia o que faz, mas não consegue largar porque "é seguro". Quantas histórias como essa existem por aí?
Aqui está a ironia: vivemos em uma sociedade que exige cada vez menos músicos e poetas, mas multiplica legiões de especialistas em leis corporativas. Isso não é apenas triste; é simbólico. Reflete o que realmente valorizamos como cultura: dinheiro e status, em vez de criatividade e significado.
O Papel do Consumismo
Muitos dirão que o consumismo é culpado por essa situação. Dada a escolha entre menos horas de trabalho ou mais "brinquedos e prazeres", teríamos optado pelos segundos. Mas será que essa explicação faz sentido? Sim, compramos iPhones, tênis extravagantes e sushi, mas será que isso justifica a criação de milhões de empregos inúteis?
A verdade é que o consumismo é apenas parte da equação. O problema maior é moral e político. As elites descobriram que uma população ocupada demais para pensar é muito mais fácil de controlar. Nos anos 1960, quando o sonho de Keynes parecia prestes a se realizar, houve revoltas estudantis, movimentos pelos direitos civis e questionamentos ao status quo. Talvez tenhamos aprendido a lição errada: em vez de buscar liberdade, começamos a valorizar o trabalho incessante como um fim em si mesmo.
Para Onde Vamos?
Então, qual é a solução? Devemos lutar por uma semana de 15 horas? Eliminar todos os "empregos de merda"? Não sei. O que sei é que precisamos repensar nossos valores como sociedade. Valorizar quem realmente importa. Dar espaço para que as pessoas possam criar, sonhar e viver plenamente.
Enquanto isso, continuamos presos nesse ciclo absurdo, onde gastamos nossas vidas fritando peixe enquanto deveríamos estar construindo armários. E talvez a maior tragédia seja que sabemos disso — mas não sabemos como mudar.
O futuro ainda pode ser diferente. Só depende de nós decidirmos que tipo de mundo queremos deixar para as próximas gerações.