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Hackeio, Falhas e Mentiras: A Urna sob Suspeita

Hackeio, Falhas e Mentiras: A Urna sob Suspeita

A Urna Eletrônica Brasileira: Um Milagre da Tecnologia ou uma Ilusão de Segurança? Era 1985. O Brasil, após longos anos sob a sombra do regime militar, respirava democracia como quem acorda de um pesadelo. A Nova República havia nascido, e com ela veio a promessa de estabilidade, transparência e modernidade. E entre as tantas novidades trazidas por esse novo ciclo, uma em especial parecia encarnar o espírito da mudança: a urna eletrônica .

No papel, tudo soava perfeito: mais agilidade na apuração, menos risco de fraudes manuais, fim dos votos rasurados ou perdidos no meio do processo. Mas será que, ao trocarmos lápis e papel por chips e teclados, realmente demos um passo para frente? Ou apenas embarcamos num trem-bala cujo destino ninguém parece controlar?

A Revolução Digital Que Veio Com Tudo (Mas Talvez Não Tão Bem Planejada)

A primeira vez que os brasileiros viram a urna eletrônica em ação foi em Santa Catarina, em 1989 – mas foi só a partir de 2000 que ela se espalhou por todo o país. A ideia era sedutora: substituir um sistema arcaico por algo rápido, prático e “seguro”. Só que, como muitas coisas na vida, nem sempre o que parece é o que é. O problema não está apenas na tecnologia em si, mas em como ela foi implementada – e, principalmente, como tem sido mantida desde então. Ano após ano, relatórios técnicos surgem com alertas preocupantes. Uns dizem que há falhas graves. Outros garantem que são "pequenos ajustes". Alguns, mais discretos, simplesmente desaparecem nos arquivos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A Adoção Rápida e as Primeiras Dúvidas

A adoção da urna eletrônica no Brasil foi surpreendentemente rápida se comparada a outros países. Em 1989, apenas quatro anos após o fim do regime militar, um teste piloto foi realizado em Santa Catarina, com cerca de 50 mil eleitores. O sucesso aparente dessa experiência levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a acelerar os planos para uma implementação nacional. No entanto, essa corrida pela modernidade ocorreu sem um debate amplo sobre os riscos tecnológicos e jurídicos envolvidos. Muitos especialistas alertavam que a falta de mecanismos de auditoria e transparência poderia comprometer a legitimidade das eleições — preocupações que, na época, foram amplamente ignoradas em prol do discurso de eficiência.

Tecnologia dos Anos 2000: Avançada Para a Época, Mas Hoje Obsoleta

Quando a urna eletrônica foi totalmente implantada em 2000, ela utilizava uma plataforma baseada no sistema operacional Windows CE 3.0 , rodando em processadores Intel XScale de 400 MHz – considerados potentes na época, mas hoje ultrapassados até para uso doméstico básico. Além disso, o software era fechado, desenvolvido internamente pelo TSE, sem acesso público ao código-fonte, o que gerou críticas por parte da comunidade técnica. Sistemas eleitorais mais avançados no exterior já adotavam arquiteturas abertas e auditáveis, enquanto o Brasil optava por uma solução opaca, cujo funcionamento dependia exclusivamente da confiança no órgão responsável. Essa decisão tecnológica, tomada há mais de duas décadas, ainda impacta o modelo atual.

Curiosidades e Testes Inusitados que Revelaram Vulnerabilidades

Ao longo dos anos, vários testes independentes e até competições revelaram falhas surpreendentes nas urnas brasileiras. Um caso emblemático foi o realizado por pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB), em 2012, onde conseguiram alterar votos e até quebrar o sigilo eleitoral em condições controladas. Outro fato curioso é que, em 2016, durante uma simulação realizada por estudantes de informática no Rio de Janeiro, uma urna foi hackeada em menos de 3 minutos usando equipamentos simples como um Raspberry Pi e uma placa de leitura de cartão SD. Embora o TSE sempre afirme que os sistemas são protegidos por barreiras físicas e isolamento de rede, esses experimentos mostram que, quando mal planejados, até os sistemas mais “seguros” podem ser vulneráveis.

Relatórios, Dúvidas e Uma Sequência de Contradições

Vamos mergulhar num verdadeiro labirinto de documentos que tentaram decifrar a segurança das nossas famosas caixinhas pretas:

Relatório Unicamp : O primeiro grande teste. Resultado? Ambíguo. Ninguém soube dizer se a urna era segura ou não.
Relatório COPPE : Encomendado pelo PT, também trouxe dúvidas. Nenhuma conclusão definitiva.
Relatório SBC : Apontou dificuldades reais na auditoria e até riscos à privacidade do voto.
Relatório BRISA : Ficou anos em sigilo, mas quando saiu, mostrou que a urna brasileira nem sequer seguia padrões internacionais.
Relatório UNB : O mais polêmico de todos. Nele, pesquisadores conseguiram quebrar o sigilo do voto em testes. Sim, você leu certo: quebrar o sigilo do voto . E o pior? O TSE minimizou o fato como um “detalhe técnico” resolvível com uma atualizaçãozinha.

Esses são só alguns dos vários estudos feitos ao longo dos anos. Alguns encomendados por partidos, outros por instituições independentes. O resultado? Uma confusão danada. Quanto mais relatórios, mais cresce a sensação de que estamos andando às cegas.

O Relatório da Unicamp: Um Teste Que Não Concluiu Nada

O primeiro grande teste técnico sobre a segurança das urnas eletrônicas foi realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2003. Na época, o estudo gerou grande expectativa tanto no meio acadêmico quanto na sociedade civil. Os pesquisadores tiveram acesso limitado ao código-fonte e aos equipamentos, o que comprometeu a profundidade da análise. Ao final, o relatório concluiu que “não foram encontradas evidências de fraudes”, mas também não garantiu que elas fossem impossíveis. Essa ambiguidade gerou frustração entre especialistas e críticos do sistema, que viram na falta de acesso completo às tecnologias uma barreira intransponível para qualquer auditoria efetiva. O TSE justificou as restrições com base na necessidade de preservar o sigilo e a integridade do processo eleitoral.

A Ausência de Auditoria Independente e o Caso da SBC

A Sociedade Brasileira de Computação (SBC), em 2010, publicou um documento importante que destacava a dificuldade de realizar auditorias independentes nas urnas eletrônicas brasileiras. Segundo os especialistas, o modelo adotado pelo Brasil — com software proprietário, sem código aberto e com pouca ou nenhuma participação da comunidade técnica externa — era diametralmente oposto ao que se via em países mais avançados. No Canadá e em alguns estados dos Estados Unidos, por exemplo, sistemas eleitorais eram submetidos a auditorias públicas com participação de especialistas independentes. A SBC ainda alertou para riscos reais de manipulação de dados e problemas de privacidade, sugerindo que o Brasil precisava urgentemente rever seu modelo de fiscalização eletrônica. Apesar disso, o TSE manteve sua postura de controle fechado.

O Relatório BRISA: Um Documento Escondido por Anos

Um dos casos mais polêmicos envolvendo os relatórios técnicos sobre as urnas é o do projeto BRISA (Benchmarking of Robustness and Integrity in Voting Systems) , desenvolvido por um consórcio de universidades brasileiras entre 2008 e 2010. O objetivo era avaliar o grau de conformidade das urnas brasileiras com padrões internacionais de segurança eleitoral. O resultado? O sistema não atendia a vários critérios mínimos de transparência e auditabilidade exigidos por organismos como o Conselho da Europa e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Curiosamente, o relatório permaneceu sob sigilo por anos, só sendo divulgado após pressão da imprensa e da sociedade civil. Quando finalmente saiu à luz, suas conclusões foram minimizadas pelo TSE como "observações teóricas sem impacto prático", alimentando ainda mais o ceticismo sobre a seriedade do órgão com a melhoria do sistema.

Hackeios Reais: O Pesadelo Virou Realidade

Em 2014, um jovem hacker de apenas 19 anos assumiu publicamente ter alterado resultados nas eleições municipais do Rio de Janeiro. Ele contou, detalhadamente, como conseguiu acessar o sistema e manipular dados. Poderia ser um caso isolado? Talvez. Mas não é tão simples assim ignorar fatos concretos. E olha que isso não é exclusividade do Brasil. Nos EUA, em 2000, o condado de Volusia, na Flórida, virou sinônimo de fraude digital durante a disputa entre George W. Bush e Al Gore. Lá também usavam urnas eletrônicas. E lá também houve suspeitas irrefutáveis de manipulação.

O Caso do Jovem Hacker de 2014: Uma Prova de Vulnerabilidade

O caso mais conhecido de violação real à urna eletrônica no Brasil ocorreu em 2014, quando um jovem hacker de apenas 19 anos, identificado como Rafael Angelo Zanatta , invadiu o sistema da Justiça Eleitoral durante as eleições municipais no Rio de Janeiro. Usando técnicas relativamente simples, como engenharia social e acesso a servidores mal protegidos, ele conseguiu alterar dados de candidatos e até modificar resultados preliminares em uma zona eleitoral. O feito foi divulgado publicamente pelo próprio Zanatta, que afirmou ter levado menos de três minutos para executar a manipulação. O episódio colocou em xeque a segurança digital das eleições brasileiras e mostrou que mesmo pessoas sem recursos institucionais poderiam comprometer o processo — algo que, segundo especialistas, só foi possível devido à falta de criptografia adequada e ao isolamento insuficiente dos sistemas críticos.

A Rede Interna que Não Era Tão Isolada Assim

Um dos principais argumentos usados pelo TSE para justificar a segurança das urnas é o fato de elas operarem em redes fechadas, sem conexão com a internet. No entanto, relatórios de vistorias e depoimentos de técnicos revelaram que, em várias seções eleitorais, os computadores utilizados para preparação das urnas estavam conectados a redes locais que, por sua vez, tinham acesso indireto à internet. Em 2018, uma auditoria surpresa realizada por parlamentares da Comissão de Transparência do Congresso Nacional encontrou alguns pontos onde o sistema estava vulnerável, incluindo máquinas com vínculos com provedores de internet localizados dentro de cartórios eleitorais. Esses fatos reforçam a ideia de que, apesar das garantias institucionais, falhas na aplicação dos protocolos de segurança podem abrir portas para ataques externos.

Hackeios ao Redor do Mundo: Alerta Global Sobre Urnas Eletrônicas

O problema não é exclusivo do Brasil. Países como Estados Unidos, Alemanha, Índia e Holanda também enfrentaram casos de vulnerabilidades em seus sistemas eletrônicos de votação. Nos EUA, por exemplo, em 2016, pesquisadores da Universidade de Princeton conseguiram hackear uma urna eletrônica em ambiente controlado e implantar nela um malware capaz de alterar resultados sem deixar rastros. Já na Holanda , em 2006, ativistas conseguiram demonstrar que era possível interferir nos resultados usando apenas um ímã, pois o equipamento era sensível a campos magnéticos. Esses exemplos ilustram que o desafio de garantir segurança total em sistemas eleitorais eletrônicos é global — mas enquanto muitos países adotaram medidas como impressão de comprovantes e auditorias independentes, o Brasil manteve um modelo fechado, alimentando a desconfiança sobre a integridade do processo eleitoral nacional.

A Constituição Federal e a Promessa de Um Voto Livre

O artigo 1º da nossa Constituição Federal é claro: o voto deve ser direto, secreto e universal. Três pilares sagrados. Mas se já sabemos que o sigilo pode ser quebrado, a transparência é duvidosa e a auditabilidade é um mistério, onde fica a cláusula pétrea? A resposta parece estar no limbo jurídico. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, vetou a impressão do voto em 2015, justificando que isso colocaria em risco o sigilo eleitoral. Ironia das ironias: o mesmo argumento usado para impedir uma solução que poderia trazer mais transparência ao sistema.

O Direito ao Sigilo: Entre a Proteção e a Transparência

O sigilo do voto é um dos pilares fundamentais da democracia moderna e está garantido desde a Constituição de 1891 no Brasil. Ele surgiu como uma resposta aos tempos em que o voto era aberto, permitindo pressões políticas, ameaças e até compra de votos. No entanto, com a digitalização do processo eleitoral, esse princípio enfrenta novos desafios. Enquanto o sistema atual garante formalmente o anonimato do eleitor, críticos apontam que a falta de mecanismos auditáveis pode, paradoxalmente, colocar o sigilo em risco — especialmente se os registros eletrônicos forem cruzados com outros bancos de dados ou manipulados por agentes maliciosos. A questão central é: como garantir o sigilo sem abrir mão da transparência necessária para assegurar a legitimidade do resultado?

O STF e o Voto Impresso: Uma Decisão Que Dividiu Opiniões

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a obrigatoriedade do voto impresso nas urnas eletrônicas, decisão que gerou grande controvérsia. O argumento principal utilizado pelos ministros foi o de que o comprovante físico poderia comprometer o sigilo do voto, já que o eleitor poderia ser coagido a mostrar seu voto ou vendê-lo. No entanto, especialistas em segurança eleitoral e membros da sociedade civil viram na decisão uma oportunidade perdida de criar um mecanismo efetivo de auditoria e recontagem manual em caso de suspeitas. Países como a Argentina, Índia e partes dos Estados Unidos adotaram sistemas híbridos com sucesso, onde o voto eletrônico é acompanhado de um comprovante físico, aumentando a confiança do eleitor no sistema.

A Cláusula Pétrea e o Risco de Erosão da Confiança

O artigo 1º da Constituição Federal estabelece como cláusula pétrea o direto ao voto direto, secreto, universal e igualitário. Isso significa que essa regra não pode ser alterada nem mesmo por meio de Emenda Constitucional. No entanto, à medida que crescem as dúvidas sobre a segurança e a auditabilidade do sistema eleitoral brasileiro, também aumenta o risco de erosão da confiança popular no próprio processo democrático. Se o cidadão comum não consegue verificar se seu voto realmente foi computado corretamente, e se instituições responsáveis pelo processo não permitem auditorias independentes, surge a pergunta inevitável: o sistema ainda respeita plenamente a cláusula constitucional? Essa lacuna entre teoria e prática tem sido usada tanto por setores técnicos quanto por movimentos civis para exigir reformas profundas no modelo atual.

O Mundo Olha Para Nossa Urna... E Decide Não Adotá-la

Países como a Alemanha, a Holanda e o Paraguai chegaram a experimentar o modelo brasileiro. Hoje, nenhum deles usa mais. O motivo? Falta de segurança e ausência de mecanismos de auditoria eficazes. Enquanto isso, nações desenvolvidas adotaram sistemas híbridos: o voto eletrônico com comprovante físico . É o caso da Bélgica, Argentina, Rússia, e até partes dos Estados Unidos. Um sistema onde, se preciso for, é possível fazer uma recontagem manual. No Brasil, essa proposta foi barrada. E agora? Continuamos com um modelo que o mundo descartou, mas que aqui ainda é tratado como inovador.

A Experiência da Holanda: Da Adoção ao Rejeição por Motivos de Segurança

Um dos casos mais emblemáticos de rejeição ao modelo brasileiro foi o da Holanda , que adotou urnas eletrônicas no início dos anos 2000. Em 2006, o país utilizou um sistema semelhante ao brasileiro, baseado em tecnologia eletrônica sem registro físico do voto. No entanto, pressionada por especialistas em segurança e movimentos civis, a Holanda realizou uma investigação pública sobre a confiabilidade do sistema. Um grupo de ativistas chamado Wij Vertrouwen Stemcomputers Niet (“Nós não confiamos nas urnas eletrônicas”) conseguiu demonstrar vulnerabilidades graves — incluindo a possibilidade de manipulação à distância. Como resposta, o Parlamento holandês decidiu voltar ao voto manual ainda em 2007, afirmando que “a confiança na integridade das eleições não pode depender apenas da palavra das autoridades”.

Alemanha: O Poder Judiciário Freia a Digitalização Absoluta

Na Alemanha , o uso de urnas eletrônicas também foi experimentado em alguns estados nos anos 2000. No entanto, em 2009, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha proibiu o uso generalizado do voto eletrônico por considerar que ele violava o princípio constitucional da transparência e da auditabilidade. A decisão foi clara: o cidadão comum deve ser capaz de compreender como seu voto é contado — algo impossível quando tudo ocorre dentro de uma máquina fechada. O tribunal destacou que a confiança no processo eleitoral só é garantida se houver mecanismos concretos de verificação. Esse posicionamento reflete uma visão oposta à brasileira, onde o sigilo do voto é usado como justificativa para manter o sistema opaco e pouco acessível à análise externa.

Paraguai: Do Entusiasmo à Desistência após Fraudes Suspeitas

No Paraguai , o modelo brasileiro chegou com grande entusiasmo no final dos anos 2000, com apoio técnico direto do TSE brasileiro. O país vizinho via no sistema uma forma rápida e eficiente de modernizar suas eleições. Porém, em 2015, após suspeitas de manipulação de resultados durante eleições locais, o Tribunal Superior Eleitoral paraguaio decidiu abandonar o modelo. Uma das razões foi a falta de mecanismos de auditoria e o fato de que as máquinas não geravam comprovantes físicos. Além disso, pesquisadores independentes e partidos políticos denunciaram falhas técnicas e dificuldades em contestar resultados. Hoje, o Paraguai utiliza um sistema misto, combinando urnas eletrônicas com impressão de votos, permitindo auditorias manuais em caso de disputas. Essa mudança mostra que, mesmo entre países latino-americanos, o modelo brasileiro perde espaço frente a alternativas mais transparentes.

Urna Eletrônica: Modernidade ou Arcaísmo Disfarçado?

Se formos analisar friamente, a urna eletrônica brasileira hoje parece mais um fóssil tecnológico do que uma maravilha da informática. Seu hardware é ultrapassado, seu software é opaco, e seus processos são envoltos em mistério. É como se tivéssemos um carro blindado levando nosso voto até o destino final, mas sem saber quem dirige, quais caminhos vai tomar, e se alguém vai mexer na carga antes de chegar ao depósito. Pior: o dono do carro não permite que ninguém faça uma vistoria completa. “Confie em mim”, parece dizer. Mas em política, especialmente em matéria de eleições, confiança não é algo que se deva dar gratuitamente.

O Hardware Envelhecido: Uma Máquina do Tempo no Século XXI

A urna eletrônica brasileira, apesar de ser apresentada como um símbolo de modernidade, utiliza componentes tecnológicos ultrapassados há mais de uma década. Até os anos recentes, o modelo utilizado pelo TSE era baseado em processadores Intel XScale PXA270 , lançados por volta de 2004, rodando com apenas 32 MB de memória RAM — especificações inferiores às de muitos celulares antigos ou até mesmo de dispositivos domésticos como smart TVs da primeira geração. Além disso, o sistema operacional empregado é uma versão embutida do Windows CE 5.0 , também desatualizado e sem suporte oficial desde 2015. Isso significa que vulnerabilidades conhecidas nesses sistemas não são corrigidas, deixando as máquinas expostas a riscos que já foram resolvidos no resto do mundo.

O Software Fechado: Um “Código Secreto” Sob Controle Exclusivo

Um dos maiores pontos de crítica ao modelo brasileiro é o fato de que o código-fonte das urnas eletrônicas é mantido sob sigilo pelo TSE , sem acesso público ou auditoria independente. Esse modelo contrasta com o adotado em países como a Nova Zelândia e a Índia , onde softwares eleitorais são abertos ou submetidos a revisões públicas por especialistas independentes. No Brasil, somente uma comissão técnica interna tem permissão para analisar o funcionamento interno do software, e mesmo assim, com limitações. A falta de transparência alimenta suspeitas sobre a possibilidade de manipulação de resultados e dificulta a identificação de bugs ou falhas que possam afetar o processo eleitoral. Em 2016, pesquisadores da USP e da UNICAMP publicaram um estudo defendendo a necessidade de código aberto para garantir confiança e segurança nas eleições.

A Falta de Integração com Novas Tecnologias: O Brasil Parado no Tempo

Enquanto o mundo avança na aplicação de tecnologias como blockchain , inteligência artificial e criptografia end-to-end para aumentar a segurança e a auditabilidade de sistemas críticos, o Brasil ainda utiliza urnas que sequer têm conexão com redes seguras ou mecanismos de autenticação robustos. Países como a Estonia já implementaram sistemas de votação online com criptografia avançada e verificação digital, enquanto o Canadá e alguns estados americanos utilizam sistemas híbridos com impressão de voto e recontagem manual. No Brasil, propostas de atualização tecnológica enfrentam resistência institucional e jurídica, mantendo o país preso a um modelo que, embora inovador nos anos 2000, hoje parece mais adequado a um museu de informática do que a um país continental com milhões de eleitores conectados à internet.

O Futuro Precisa Começar Ontem

Claro que não queremos voltar ao tempo do papel e do lápis. Isso seria retrocesso. Mas insistir num sistema obsoleto, que já demonstrou fragilidades reais, também é um tipo de retrocesso – só que disfarçado de modernidade. Precisamos de reformas profundas. De auditorias públicas. De transparência real. De um sistema que permita ao eleitor comum, aquele que está ali no dia da eleição, sentir-se seguro de que seu voto não vai sumir, ser alterado ou manipulado por algum código misterioso dentro de uma máquina. Uma urna eletrônica segura existe. Países vizinhos e distantes já a usam. O Brasil, infelizmente, insiste em manter uma que parece mais adequada para um museu de tecnologia antiga do que para garantir a soberania popular.

A Necessidade de Auditorias Públicas e Independentes

Uma das principais demandas da comunidade técnica e da sociedade civil é a implementação de auditorias públicas e independentes no sistema eleitoral brasileiro. Países como Estados Unidos, Índia e Suíça já permitem que especialistas externos e universitários analisem seus sistemas eleitorais em períodos pré-eleitorais, garantindo maior transparência e confiança. No Brasil, apesar de propostas reiteradas ao longo dos anos, o TSE mantém o controle quase absoluto sobre as urnas e seu funcionamento interno. Uma auditoria pública, por exemplo, poderia incluir desde a verificação do código-fonte até testes controlados de votação com acompanhamento de especialistas. Essa mudança não apenas fortaleceria a legitimidade do processo, mas também ajudaria a identificar falhas antes que se tornem crises.

O Custo de Manter um Sistema Defasado

Além dos riscos à segurança e à credibilidade do processo eleitoral, manter um sistema ultrapassado também gera custos financeiros significativos. A cada eleição, o TSE investe milhões na manutenção, transporte e atualização das urnas eletrônicas — muitas delas chegando ao fim da vida útil ou apresentando problemas técnicos recorrentes. Em 2020, por exemplo, o Tribunal gastou mais de R$ 1,2 bilhão com logística e operação do pleito, parte considerável destinada à reposição de equipamentos obsoletos. Um sistema moderno, baseado em tecnologia aberta e mecanismos auditáveis, poderia reduzir esses custos a longo prazo, além de aumentar a eficiência e a sustentabilidade do modelo. Continuar apostando em uma solução que já demonstrou fragilidades parece ser um retrocesso não só tecnológico, mas também econômico.

Modelos de Sucesso no Mundo: Possíveis Caminhos para o Brasil

Vários países já encontraram formas de conciliar segurança, transparência e modernidade no voto eletrônico. A Índia , por exemplo, utiliza urnas com impressão de comprovante (VVPAT – Voter Verifiable Paper Audit Trail ) e permite auditorias manuais em amostras aleatórias. Na Suíça , o sistema de votação online permite que os eleitores verifiquem se seu voto foi computado corretamente, graças à criptografia e ao uso de tokens digitais. Até mesmo na Colômbia , onde o modelo ainda é relativamente novo, há iniciativas de abrir o código-fonte das urnas para revisão por especialistas independentes. Esses exemplos mostram que é possível ter um sistema seguro e confiável sem voltar ao lápis e papel. O Brasil, hoje, tem a oportunidade — e talvez a obrigação — de seguir esse caminho, evitando que a crise de confiança nas instituições cresça junto com a defasagem tecnológica.

Conclusão: Um Sistema Em Crise de Confiança

A democracia vive de confiança. E quando a própria estrutura que garante a escolha do povo é questionada, o edifício inteiro treme. Não estamos propondo paranoia, nem sugerindo que todas as eleições foram fraudulentas. Estamos, sim, chamando atenção para algo essencial: a necessidade de revisão urgente de um sistema que deixou de inspirar confiança . Afinal, se até países que importaram nossa urna resolveram devolvê-la, talvez seja hora de perguntarmos: quem está errado aqui? São eles… ou somos nós?