A L'Oréal, fundada em 1909 pelo químico francês Eugène Schueller, nasceu a partir de uma inovação na indústria de cosméticos: uma tintura capilar segura e de fácil aplicação. Schueller, um jovem químico visionário, desenvolveu uma fórmula pioneira para coloração de cabelo, chamada Auréale, que foi amplamente aceita pelos cabeleireiros de Paris. Ele começou vendendo suas tinturas diretamente para salões de beleza, percebendo um enorme potencial de mercado. O sucesso inicial levou à fundação da Société Française de Teintures Inoffensives pour Cheveux, que mais tarde se tornaria a L'Oréal.
Apesar da inovação, Schueller não era apenas um empresário promissor, mas também uma figura controversa. Durante os anos 1930 e 1940, ele esteve envolvido com grupos políticos de extrema direita na França, incluindo o movimento La Cagoule, uma organização fascista que colaborou com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Essa associação sombria adicionou uma camada de polêmica à história inicial da L'Oréal, levantando questões sobre o legado ético de sua fundação.
Ao longo das décadas, a L'Oréal expandiu seu portfólio para incluir produtos de maquiagem, cuidados com a pele e perfumes, tornando-se um dos maiores conglomerados de beleza do mundo. A empresa cresceu através de aquisições estratégicas, incorporando marcas icônicas como Lancôme, Maybelline, Garnier e Kiehl’s, consolidando seu domínio no setor. Hoje, a L'Oréal está presente em mais de 150 países e gera bilhões de dólares em receita anual, mas sua trajetória é marcada por uma série de controvérsias e escândalos.
Escândalos Financeiros e Processos Judiciais
Ao longo de sua trajetória, a L’Oréal esteve envolvida em diversos escândalos financeiros, disputas judiciais e investigações que questionaram sua integridade como corporação global. Entre os casos mais polêmicos estão o escândalo Bettencourt, acusações de fraude e evasão fiscal, processos por discriminação racial, publicidade enganosa e práticas anticoncorrenciais.
O Caso Bettencourt: Corrupção, Fraude e Financiamento Ilegal
O Caso Bettencourt foi um dos maiores escândalos corporativos envolvendo a L'Oréal. Ele girou em torno de Liliane Bettencourt, herdeira da empresa e, por muito tempo, a mulher mais rica da França.
O caso teve início quando a filha de Liliane, Françoise Bettencourt Meyers, entrou com uma ação contra o fotógrafo e empresário François-Marie Banier, acusando-o de manipular sua mãe e explorar sua fortuna. Liliane Bettencourt supostamente transferiu quase €1 bilhão (aproximadamente US$ 1,3 bilhão) para Banier, incluindo obras de arte, apólices de seguro de vida e outros bens valiosos.
O escândalo se aprofundou quando gravações clandestinas feitas pelo mordomo da bilionária revelaram que Bettencourt mantinha contas secretas em paraísos fiscais, incluindo a Suíça, supostamente para evitar o pagamento de impostos. Além disso, os áudios expuseram que membros do governo francês, incluindo o então presidente Nicolas Sarkozy, estavam envolvidos em um suposto esquema de financiamento ilegal de campanha usando os recursos de Bettencourt.
A revelação provocou uma grande investigação judicial, que levou à demissão de vários funcionários do governo e a múltiplos processos judiciais. Em 2015, Banier foi condenado a três anos de prisão e a devolver €158 milhões à família Bettencourt. O escândalo também afetou a reputação da L'Oréal, já que Liliane era a maior acionista da empresa.
Fraudes Fiscais e Contas Offshore
A L’Oréal já foi acusada diversas vezes de fraudes fiscais e de operar com contas secretas para esconder lucros bilionários e evitar o pagamento de impostos. Documentos vazados apontaram que a empresa utilizou paraísos fiscais como Luxemburgo, Ilhas Cayman e Suíça para ocultar ativos e reduzir sua carga tributária global.
Em 2018, uma investigação apontou que a L’Oréal supostamente utilizou estratégias de elisão fiscal para pagar significativamente menos impostos na França e em outros países da União Europeia. Embora a empresa tenha negado qualquer irregularidade, organizações de transparência fiscal classificaram a L’Oréal como uma das empresas com práticas tributárias agressivas que prejudicam economias locais.
Outros Processos e Investigações
A L’Oréal também já foi processada por discriminação racial, publicidade enganosa e práticas anticoncorrenciais.
Discriminação racial em campanhas publicitárias, ao excluir candidatos negros e árabes de campanhas de marketing. Multas por publicidade enganosa, especialmente por prometer benefícios antienvelhecimento e crescimento capilar sem comprovação científica. Cartéis de preços na Europa, onde a empresa foi condenada por combinar preços com concorrentes para eliminar a competição.
Esses casos revelam um padrão de falta de transparência, uso de estratégias ilegais e abuso de poder de mercado para maximizar lucros.
Afirmações Enganosas e Estratégias de Marketing Duvidosas
A L'Oréal é amplamente conhecida por seu marketing agressivo, mas muitas de suas campanhas foram alvo de críticas e processos por falsas alegações e promessas exageradas.
Produtos Antienvelhecimento e "Ciência Falsa"
A L'Oréal frequentemente usa linguagem científica sofisticada para promover seus produtos, fazendo parecer que há comprovação robusta por trás de seus claims.
Em 2014, a Federal Trade Commission (FTC) processou a empresa nos Estados Unidos por prometer que suas linhas Lancôme Génifique e L’Oréal Paris Youth Code podiam "reativar genes" para rejuvenescer a pele. O caso resultou em um acordo judicial, e a empresa foi proibida de usar essas alegações sem provas científicas. Diversos dermatologistas já criticaram a L'Oréal por sugerir que seus cremes conseguem substituir procedimentos dermatológicos, o que não é verdade.
Propagandas Enganosas com Cílios Postiços e Edição de Imagem
A empresa tem um histórico de editar digitalmente suas propagandas para enganar os consumidores sobre os efeitos reais de seus produtos.
Em 2011, a L'Oréal foi forçada a retirar do ar anúncios do rímel Lancôme Définicils e Maybelline Illegal Length no Reino Unido, pois utilizavam modelos com cílios postiços para simular um efeito impossível de ser alcançado com o produto. Em 2013, a Advertising Standards Authority (ASA) baniu um anúncio de Julia Roberts para Lancôme por edição excessiva da pele da atriz.
Produtos Clareadores e o Debate sobre Racismo
A L'Oréal já vendeu diversos produtos clareadores de pele, promovendo padrões de beleza que favorecem tons de pele mais claros. Em 2020, após a ascensão do movimento Black Lives Matter, a empresa anunciou que removeria expressões como "branqueador" e "clareador" de seus produtos, mas muitos consumidores apontaram a hipocrisia, já que a marca lucrou por décadas vendendo esses produtos, especialmente na Ásia e África.
Reações Alérgicas e Segurança dos Produtos
A L'Oréal é frequentemente alvo de processos e reclamações devido a reações adversas graves causadas por seus cosméticos e tinturas de cabelo.
Tinturas de Cabelo e Reações Alérgicas Graves
Os produtos de coloração capilar da L'Oréal contêm ingredientes potencialmente perigosos, como parafenilenodiamina (PPD), um composto químico que pode causar reações alérgicas severas.
Há relatos de pessoas que tiveram inchaço no rosto, erupções cutâneas e até reações anafiláticas após o uso de tinturas da L'Oréal. Em 2016, uma jovem britânica de 16 anos quase morreu após uma reação extrema à tintura de cabelo da L’Oréal, apesar de seguir as instruções de teste alérgico.
Produtos com Ingredientes Controversos
A empresa já enfrentou críticas por usar compostos químicos questionáveis, como parabenos, ftalatos e formaldeído, substâncias associadas a distúrbios hormonais e riscos à saúde a longo prazo.
A linha Garnier Fructis já foi criticada por alegações de ser "natural", apesar de conter ingredientes sintéticos. Produtos da L'Oréal nos Estados Unidos foram alvo de processos por falsa rotulagem de segurança.
Acusações de Trabalho Infantil e Práticas Laborais
A L'Oréal enfrenta graves acusações sobre suas práticas trabalhistas, especialmente no que se refere ao uso de matéria-prima obtida por meio de trabalho infantil.
O Escândalo da Mica: Crianças Exploradas na Índia
A L'Oréal utiliza mica, um mineral que confere brilho a sombras, iluminadores e batons. No entanto, grande parte da mica usada globalmente é extraída em condições precárias na Índia, onde crianças trabalham em minas ilegais.
Investigações jornalísticas revelaram que crianças de até 6 anos trabalham na extração da mica, correndo risco de desabamentos e exposição a poeira tóxica. Em 2016, uma denúncia internacional expôs que a L'Oréal não conseguia garantir que sua cadeia de suprimentos estava livre de trabalho infantil.
A empresa afirmou que "está comprometida com práticas responsáveis", mas grupos de direitos humanos continuam pressionando por mais transparência e fiscalização.
Condições de Trabalho Precárias em Fábricas Terceirizadas
Além da mica, a L'Oréal também já foi acusada de:
Baixos salários e exploração de trabalhadores em fábricas terceirizadas no Bangladesh e na China. Falta de segurança no ambiente de trabalho, com relatos de trabalhadores adoecendo devido à inalação de produtos químicos.
Conclusão
A L’Oréal construiu um império global, mas sua trajetória está repleta de práticas duvidosas, fraudes fiscais, exploração de mão de obra e publicidade enganosa. Apesar de seu tamanho e influência, a empresa continua sendo alvo frequente de processos e investigações que expõem o lado obscuro da indústria da beleza. Enquanto continua dominando o mercado, consumidores e ativistas continuam exigindo mais transparência, responsabilidade e respeito pelos direitos humanos.