Glifosato e Câncer: O Que a Monsanto Ocultou por Décadas

Glifosato e Câncer: O Que a Monsanto Ocultou por Décadas

O nome de Hugh Grant, ex-presidente e CEO da Monsanto, voltou aos holofotes recentemente. Envolvido em uma batalha judicial polêmica, Grant tenta evitar ser interrogado no caso de Allan Shelton vs. Monsanto, um processo movido por um paciente diagnosticado com linfoma não-Hodgkin. Shelton é apenas uma das mais de 100.000 pessoas nos EUA que alegam ter desenvolvido câncer devido à exposição ao herbicida Roundup, da Monsanto, contendo glifosato.

Os advogados de Shelton defendem que Grant, por ter sido um tomador de decisões importante no desenvolvimento do Roundup, deveria ser convocado a depor. No entanto, o ex-CEO alega que sua presença seria irrelevante, já que ele não é especialista em toxicologia ou regulamentações, um argumento que parece uma cortina de fumaça para evitar ser exposto. Mas como o envolvimento de Grant com o Roundup pode ser "insignificante" se o herbicida foi parte crucial do sucesso financeiro da empresa? A verdade é que a história da Monsanto, agora adquirida pela Bayer, está impregnada de controvérsias que vão além dos tribunais.

Um Império Construído com Químicos

É inegável que o Roundup sempre foi uma peça central no império da Monsanto. Desde 2009, os produtos relacionados a esse herbicida — incluindo sementes geneticamente modificadas para resistir ao glifosato — representavam cerca de metade da margem bruta da empresa. Não é à toa que Grant recebeu US$ 77 milhões após a venda da Monsanto para a Bayer em 2018. Parece até irônico como a fortuna de Grant floresceu à sombra de um produto que hoje é considerado um possível causador de doenças devastadoras.

Mas as ações judiciais nos EUA são apenas o início de uma batalha muito mais ampla. Os danos causados por produtos à base de glifosato têm repercussões que ultrapassam as fronteiras do país, ecoando por todo o planeta.

A Primavera Silenciosa: Um Aviso que Ecoa Até Hoje

Falando em repercussões globais, é impossível não mencionar Rachel Carson e sua obra-prima, "Primavera Silenciosa". Publicado há 60 anos, em junho de 1962, o livro de Carson foi um divisor de águas, ao expor os efeitos devastadores do uso indiscriminado de pesticidas no meio ambiente. Para ela, esses produtos químicos não eram meros pesticidas, mas "biocidas", destruindo muito mais do que as pragas a que se destinavam.

O que muitos não sabem é que Carson enfrentou ferozes ataques pessoais e profissionais por desafiar a poderosa indústria agroquímica. Difamação, acusações sem fundamento e ataques a sua vida pessoal foram apenas algumas das táticas usadas contra ela. Infelizmente, essa é uma estratégia que a indústria mantém até hoje: desacreditar qualquer um que questione seus produtos ou práticas. A Monsanto, por exemplo, reagiu à publicação de "Primavera Silenciosa" com a distribuição de um panfleto chamado "The Desolate Year", que pintava um mundo sombrio sem pesticidas, em uma tentativa de alimentar o medo e justificar seus produtos.

O título do livro de Carson é uma metáfora poderosa, uma previsão de um futuro onde a primavera — estação associada à renovação e vida — se tornaria silenciosa, sem o canto dos pássaros e o zumbido dos insetos. Tragicamente, essa previsão parece estar se concretizando. Em 2017, um estudo na Alemanha revelou uma queda de 75% na população de insetos voadores em apenas 25 anos, um dado assustador que levanta questões sobre o futuro da biodiversidade.

E o Que Isso Significa para Nós?

Se os insetos desaparecem, o que acontece com as cadeias alimentares que dependem deles? Sem polinizadores, como as abelhas, muitas culturas alimentares estão em risco. E os pássaros, que se alimentam desses insetos, também correm perigo. É como um castelo de cartas que começa a desmoronar, com consequências inimagináveis para a humanidade.

Dave Goulson, professor da Universidade de Sussex, aponta que vastas extensões de terra estão se tornando inóspitas para a vida selvagem, e sem os insetos, "tudo desmorona". Isso é um eco direto do alerta de Carson, mas agora estamos vendo esses colapsos diante dos nossos olhos.

A Crise dos Pesticidas e Seus Impactos na Saúde

Os danos causados pelos pesticidas não se limitam à vida selvagem. O uso indiscriminado de agroquímicos tem sido associado a uma série de doenças em humanos, incluindo câncer, Alzheimer e Parkinson. A Dra. Rosemary Mason, uma ativista incansável, tem repetidamente alertado para os perigos do glifosato e dos neonicotinóides, argumentando que esses produtos químicos estão enfraquecendo os sistemas imunológicos das espécies, tornando-as mais vulneráveis a doenças.

De fato, há uma correlação alarmante entre o uso crescente de glifosato em culturas como milho e soja e o aumento de doenças crônicas. Mason acredita que a agricultura moderna, dependente de produtos químicos, está causando danos irreparáveis ao meio ambiente e à saúde humana.

O Papel das Corporações: Poder Acima da Lei?

É aqui que entramos na questão central: as corporações que produzem esses químicos são as mesmas que negam, com veemência, os danos que seus produtos causam. Desde os anos 1970, a Monsanto — agora Bayer — tem sido acusada de manipular dados científicos e enganar reguladores sobre a segurança de seus produtos. Documentos internos revelam que a empresa estava ciente dos riscos do glifosato muito antes de eles se tornarem públicos, mas optou por suprimir essas informações.

Um relatório da ONU já alertou para os "impactos catastróficos" dos pesticidas na saúde humana e no meio ambiente. Apesar disso, essas corporações continuam a exercer uma influência colossal sobre governos e órgãos reguladores, minando a democracia e colocando seus lucros acima da saúde pública.

O Futuro Está em Jogo

Então, onde isso nos deixa? Estamos em um ponto crucial, onde as decisões que tomamos agora podem definir o futuro do nosso planeta. Continuaremos a permitir que corporações como a Monsanto/Bayer definam as regras do jogo, mesmo que isso signifique sacrificar nosso meio ambiente e nossa saúde? Ou finalmente ouviremos o chamado de Rachel Carson e de cientistas como Rosemary Mason, que lutam incansavelmente para proteger nosso futuro?

Essa primavera silenciosa já começou. Resta saber se podemos interromper seu avanço antes que o silêncio se torne ensurdecedor.