O alarme global soou forte com a divulgação do mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2021. As manchetes gritavam: "Código vermelho para a humanidade", dizia a BBC, enquanto o New York Times reforçava que "um futuro mais quente é certo". A reação imediata do público? Medo, ansiedade e a sensação de impotência. A verdade é que as mudanças climáticas não são mais um temor distante – elas já estão acontecendo e alterando a maneira como vivemos e pensamos no futuro. Prova disso é o número crescente de jovens que hesitam em ter filhos, receosos de trazer vidas a um mundo em crise.
Com esse cenário caótico como pano de fundo, eis que surgem os "salvadores": corporações multinacionais, investidores bilionários e a ONU, prometendo soluções milagrosas. Mas, como diz o ditado, "quando a esmola é demais, o santo desconfia". É aqui que começa a trama mais intricada dessa história.
Em setembro de 2021, a Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) anunciou a criação de uma nova classe de ativos focada em "preservar e restaurar os ativos naturais que, em última análise, sustentam a vida na Terra". Parece uma boa ideia, certo? Só que esses ativos não são apenas um compromisso com o meio ambiente. Eles se tornaram produtos para serem comprados, vendidos e monetizados – o que levanta questões incômodas sobre as reais intenções por trás desse projeto. É como se, em vez de proteger a Terra, estivessem transformando o ar que respiramos e a água que bebemos em fichas de cassino.
Essas "empresas de ativos naturais", chamadas NACs (Natural Asset Companies), foram desenhadas para lucrar com serviços ecológicos como o sequestro de carbono e a purificação da água. Na prática, significa que corporações terão o direito de controlar pedaços de terra e seus recursos naturais, gerando lucros a partir do que deveria ser, em tese, um bem comum. O paradoxo aqui é evidente: ao "salvar" o planeta, essas empresas o possuem. É como se estivessem vendendo o futuro, um pedacinho de cada vez.
Curioso é que essa iniciativa encontrou uma recepção calorosa entre grandes players do mercado financeiro. Nomes como Larry Fink, CEO da BlackRock, estão de olho nas promissoras "oportunidades sustentáveis" que os NACs oferecem. Afinal, quem não gostaria de lucrar com a fotossíntese?
Entretanto, o que parece ser uma inovação verde é, na realidade, uma repetição de uma velha história: a apropriação de terras. Desde os primórdios, territórios foram tomados de populações vulneráveis sob o pretexto de desenvolvimento ou preservação. Agora, em pleno século XXI, vemos esse mesmo padrão ressurgir, mas com um verniz de sustentabilidade. Países em desenvolvimento, como a Costa Rica, já estão se tornando palco de "programas pilotos", nos quais terras são reconfiguradas para atender a essa nova onda de investimentos "verdes". No entanto, o custo real desse movimento muitas vezes recai sobre as populações locais, que perdem o controle sobre seus próprios recursos.
Nos Estados Unidos, a apropriação de terras para esses projetos não é novidade. A Summit Carbon Solutions, por exemplo, está em meio a um processo polêmico de aquisição de terrenos em Iowa para construir o gasoduto Midwest Carbon Express, destinado a capturar milhões de toneladas de CO2. Proprietários de terras expressaram preocupação com o uso de domínio eminente, uma ferramenta que permite ao governo ou a empresas tomar terras privadas sem consentimento, desde que paguem uma compensação. Esse é um lembrete claro de que, no jogo do poder, o meio ambiente pode ser usado como uma desculpa para interesses que nem sempre são altruístas.
Por trás dessa corrida "verde", há uma rede intricada de interesses financeiros. Corporações como a BlackRock e instituições multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, estão profundamente envolvidas nesses projetos. O foco, claro, está em territórios com grande potencial de lucro – seja por suas riquezas naturais ou pelo acesso a metais e minerais preciosos, fundamentais para a transição energética.
Um exemplo claro é a disputa pelo controle do níquel na Tanzânia. Recentemente, empresas como a Kabanga Nickel Limited se beneficiaram de mudanças políticas após a morte do presidente John Magufuli, que, enquanto vivo, resistiu à exploração desenfreada de recursos. Com ele fora do cenário, o caminho foi aberto para novos acordos. Não é coincidência que a extração de recursos e a luta pelo controle de terras estejam no centro de muitos conflitos globais.
Esses movimentos mostram como, sob a bandeira da sustentabilidade, a ganância e a exploração continuam moldando as relações globais. Enquanto muitos falam em "salvar o planeta", a realidade é que esse resgate vem com um preço – e quem paga a conta são, muitas vezes, aqueles com menos voz e poder. Como disse recentemente o enviado climático dos EUA, John Kerry, "os maiores players financeiros do mundo reconhecem que a transição energética é uma vasta oportunidade comercial". E essa transição, ao que tudo indica, está sendo feita às custas dos mais vulneráveis.
Esse novo capitalismo verde promete resolver a crise climática, mas será que não estamos apenas trocando um problema por outro? À medida que corporações e investidores controlam cada vez mais os recursos naturais, o futuro parece menos sobre salvar o planeta e mais sobre quem vai lucrar com ele.