2017 - Imagine entrar em uma sala cheia de pessoas. Algumas delas estão conversando animadamente, enquanto outras observam de canto. Você percebe que, conforme uma opinião se torna mais popular, outros começam a concordar sem questionar. Isso não é apenas uma cena cotidiana; é uma janela para como perfis falsos têm manipulado opiniões nas redes sociais em todo o mundo. Essa estratégia, que se apoia no chamado "comportamento de manada", está moldando a forma como as pessoas interagem e tomam decisões online.
O termo "comportamento de manada" não é à toa. Ele remete àquele instinto primitivo de se unir ao grupo para sobreviver — como animais fugindo de um predador. Nos humanos, funciona de forma similar: quando vemos um restaurante lotado, escolhemos ele, acreditando que tantos outros não poderiam estar errados. O professor Fabrício Benevenuto, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que essa tendência não é apenas inofensiva; ela está sendo explorada para moldar opiniões e comportamentos.
Como isso funciona na prática?
Benevenuto conduziu um experimento curioso. Manipulando os comentários visíveis em um vídeo do YouTube, ele percebeu que, quanto mais negativos os comentários mostrados, mais negativa era a opinião dos espectadores sobre o vídeo. E o oposto também era verdade. Esse "efeito contágio" se intensificava entre pessoas com menor escolaridade, mostrando como algumas audiências são mais vulneráveis.
Mas não é só isso. Investigações como a realizada pela BBC Brasil, na série "Democracia Ciborgue", revelaram um "exército de fakes" operando no Brasil. Perfis falsos foram usados em massa para influenciar eleições, promovendo hashtags, retuitando políticos e atacando adversários. Esses perfis não eram apenas nomes e fotos genéricos; eles vinham com "personas" completas, com histórias, hobbies e profissões criadas para parecerem autênticos.
Manipulação disfarçada de verdade
Imagine um perfil no Facebook com mais de 2 mil amigos, publicando mensagens que parecem genuínas, mas que fazem parte de uma campanha orquestrada. Muitas dessas mensagens não só espalham propaganda, mas também alimentam debates falsos para simular discussões reais. Ex-funcionários de uma empresa especializada em criação de fakes revelaram à BBC como essas técnicas visavam criar uma "noção de maioria" e influenciar militantes reais a aderirem à causa.
Essa manipulação é ainda mais preocupante porque explora nossa tendência natural de confiar em "pares". Como Yasodara Córdova, pesquisadora da Universidade de Harvard, explica: “Se três amigos seus dizem que um carro não presta, você provavelmente vai acreditar”. Nas redes sociais, esse fenômeno é amplificado — mas agora, os “amigos” podem não ser reais.
O impacto na democracia
A situação não é exclusiva do Brasil. Nas eleições americanas, perfis fakes criados por russos foram usados para semear desconfiança no sistema eleitoral. Lee Foster, especialista em cibersegurança, alerta que, mesmo que esses perfis não mudem diretamente votos, eles podem corroer a confiança nas instituições democráticas.
No Brasil, plataformas como o Facebook e Twitter afirmam estar combatendo perfis falsos. O Facebook, por exemplo, prometeu melhorias para "eliminar contas falsas" antes das eleições de 2018. Mas a questão é: isso é suficiente?
Caminhos para a solução
Especialistas apontam que transparência é a chave. Bots usados em campanhas deveriam ser identificáveis, como sugere Joana Varon, do projeto Coding Rights. Afinal, o anonimato é para proteger pessoas, não para encobrir manipulações.
Além disso, é essencial educar os usuários sobre o que são robôs e como eles operam. Pablo Ortellado, da USP, defende que plataformas como o Facebook assumam um papel mais ativo na regulação. Mas ele também alerta: o verdadeiro desafio está na despolarização da sociedade. Sem esse clima de confronto, os perfis falsos perdem grande parte de sua eficácia.
O futuro das redes sociais
Estamos em um momento crítico. Com o avanço de tecnologias de manipulação, a internet pode se tornar um campo de batalha onde a verdade é apenas mais uma arma. A boa notícia é que também temos ferramentas para combater isso. Empresas de checagem de fatos, transparência e educação digital podem ajudar a virar o jogo.
Enquanto isso, cabe a cada um de nós adotar uma postura mais crítica. Da próxima vez que você encontrar um comentário polêmico ou um perfil suspeito, lembre-se: nem tudo é o que parece ser. Nas redes sociais, como na vida, às vezes o que brilha demais pode ser apenas fumaça.