Dogmas e Mistérios Espirituais

Remoção de Cruzes na China: A Silenciosa Luta da Fé Cristã

Remoção de Cruzes na China: A Silenciosa Luta da Fé Cristã

O Partido Comunista da China (PCC) tem seguido uma estratégia implacável para remover as cruzes dos telhados de igrejas em todo o país, em uma tentativa de suprimir símbolos cristãos. Essa iniciativa, intensificada após a pandemia de 2020, faz parte de uma campanha governamental que visa "regular locais religiosos excessivos", afetando milhares de igrejas. A meta? Redefinir a paisagem religiosa da China e minimizar a visibilidade do cristianismo.

A batalha das cruzes: símbolos cristãos na mira

Imagine a cruz que coroa uma igreja sendo arrancada como se fosse um capricho passageiro. Pois é exatamente isso que tem acontecido em diversas regiões da China. Relatórios apontam que mais de duas mil cruzes já foram removidas à força, transformando o horizonte dessas comunidades. Embora a pandemia tenha colocado o mundo em pausa, a cruzada do governo chinês contra o cristianismo avançou a passos largos. Desde as grandes cidades até os vilarejos mais distantes, as cruzes foram arrancadas sob a justificativa de que os “locais religiosos” estavam fora de controle.

Mas essa operação não é nova. A remoção das cruzes começou há anos, e a perseguição às igrejas só se intensificou. Em 2020, autoridades chinesas invadiram uma igreja na província de Henan, justamente no domingo de Páscoa, e removeram a cruz que adornava o edifício. Era quase como uma cena simbólica — o maior símbolo da fé cristã, arrancado do coração de uma das maiores celebrações do cristianismo.

O silêncio como preço de um acordo

E o que acontece com a Igreja em meio a tudo isso? Bem, o silêncio parece ser o preço a ser pago por um delicado acordo entre o Vaticano e o Partido Comunista Chinês. Um padre blogueiro, padre Shanren Shenfu, sugeriu que a quietude diante dessa destruição faz parte do custo desse pacto. O acordo Sino-Vaticano, firmado em 2018 e renovado em 2020, permite que o papa tenha algum controle sobre a nomeação de bispos na China. No entanto, o preço desse controle parcial é a aceitação de certas imposições do governo chinês — incluindo, aparentemente, o desmantelamento de símbolos cristãos.

O padre Shanren foi irônico ao dizer que, ao ver uma cruz removida, os cristãos chineses devem “ficar calmos e sorrir”. Talvez essa ironia seja um reflexo da impotência que muitos fiéis sentem diante de uma opressão tão sistemática. Afinal, demonstrar raiva ou resistência pode ser visto como um ato criminoso, uma verdadeira armadilha moral que aprisiona aqueles que, no fundo, só querem proteger sua fé.

Igrejas silenciadas em meio à repressão

A repressão não escolhe lado: tanto igrejas católicas quanto protestantes têm sido alvo. Um dos casos mais emblemáticos foi o da Igreja Nossa Senhora do Rosário, na província de Anhui. Depois de tentarem obter autorização para reparar o edifício da igreja e falharem, os líderes paroquiais viram as autoridades removerem a cruz de seu telhado em abril de 2020. Situações semelhantes aconteceram em várias igrejas da província, e as remoções parecem seguir um padrão: as autoridades chegam antes do amanhecer, isolam o local e, sem testemunhas, a cruz desaparece como se nunca tivesse existido.

A Igreja Cristã de Hefei, uma das maiores e mais antigas igrejas da cidade, também sofreu o mesmo destino. Fundada por missionários americanos em 1896, ela testemunhou sua cruz ser removida em abril de 2020. A repressão à fé cristã, que já é uma questão delicada na China há anos, agora atinge níveis alarmantes, e não há sinais de que esse processo vá desacelerar.

Curiosidade histórica: o símbolo da cruz em terras chinesas

Curiosamente, a cruz tem uma história longa e complexa na China. Desde os primeiros missionários que chegaram ao país no século VII, até o auge das missões cristãs nos séculos XIX e XX, o símbolo da cruz foi, ao mesmo tempo, reverenciado por muitos e visto com desconfiança por outros. Wenzhou, apelidada de “Jerusalém da China” por sua grande concentração de igrejas, já foi um dos epicentros da fé cristã no país. No entanto, até mesmo em Wenzhou, as cruzes têm sido removidas, uma a uma, como se fossem apagar séculos de influência religiosa.

E como uma hipérbole cruel, as cruzes são removidas com o mesmo zelo com que foram erguidas. É quase como se o governo quisesse reescrever a história, apagando os vestígios da presença cristã com cada golpe. Mas, por mais que removam os símbolos físicos, o espírito da fé continua a resistir — ainda que em silêncio.

Resistência: um fio tênue de esperança

"Se as igrejas não se unirem para resistir, muito mais cruzes serão removidas", disse o padre Chen, um sacerdote da província de Anhui. No entanto, a resistência é um fio tênue, constantemente ameaçado pela perda dos próprios edifícios onde os fiéis se reúnem. A mensagem das autoridades é clara: resistir pode custar não apenas a cruz no telhado, mas o direito de ter um lugar de culto.

O que nos resta, então? A metáfora das cruzes sendo arrancadas é um poderoso lembrete da fragilidade da liberdade religiosa na China. Cada cruz removida é um símbolo não apenas da repressão, mas também da resiliência daqueles que, silenciosamente, continuam a acreditar.

Enquanto as autoridades chinesas seguem firmes em sua campanha, o cristianismo na China vive um paradoxo: as cruzes caem, mas a fé persiste. Como um rio que encontra seu caminho entre as pedras, a espiritualidade dos cristãos chineses resiste, mesmo quando os símbolos externos são arrancados de suas paisagens.

Com o futuro ainda incerto, uma coisa é certa: a batalha pelas cruzes na China está longe de terminar.