Biological Warfare Testing: O Tenebroso Jogo de Ciência, Medo e Poder Entre 1941 e 1973. Era o início da Segunda Guerra Mundial. O mundo inteiro tremia com as bombas, os campos de concentração, a fome e a morte em escala industrial. Mas, enquanto os soldados lutavam nas trincheiras e os aviões lançavam toneladas de explosivos sobre cidades, um outro tipo de guerra começava a ser planejado nos laboratórios mais secretos dos Estados Unidos — uma guerra silenciosa, invisível, quase fantasmagórica: a guerra biológica.
Não era algo novo, claro. A ideia de usar doenças como armas já tinha sido tentada lá atrás — na Idade Média, por exemplo, cadáveres eram catapultados para dentro de cidades sitiadas para espalhar pestilência. Mas agora, no século XX, isso viraria ciência. E ciência cara, complexa, cheia de dilemas morais e riscos incontroláveis.
Um jogo arriscado: medo, vingança e proteção
Os EUA, desde 1941 até 1973, adotaram uma política clara em relação à guerra biológica (ou BW, do inglês Biological Warfare ): deter seu uso contra eles mesmos e seus aliados , mas, caso esse deterrente falhasse, estar prontos para retaliar com força total. Era uma estratégia de “olho por olho”, mas com bactérias e vírus no lugar das balas. O grande problema? Para construir essa estratégia de dissuasão, era preciso saber exatamente onde estavam os pontos fracos. Como reagir se não soubéssemos onde poderíamos ser atacados? Como retaliar sem entender os agentes patogênicos que poderiam ser usados contra nós?
Foi aí que entrou a chamada vulnerability testing — ou, em bom português, testes de vulnerabilidade . Eles serviram para responder perguntas difíceis e assustadoras:
Que tipos de agentes biológicos seriam mais eficazes?
Como eles se espalhariam pelo ar?
Qual seria o impacto de edifícios, montanhas ou até mesmo o vento na dispersão desses agentes?
Quais cidades ou bases militares seriam mais suscetíveis a um ataque biológico?
Como detectar e identificar rapidamente um agente biológico inimigo?
Tudo isso exigiu anos de pesquisa, testes em campo, simulações e muita, muita matemática.
Os vilões microscópicos: anthrax, tularemia, Q fever...
Ao longo do tempo, os cientistas americanos foram classificando quais agentes biológicos teriam maior potencial como armas. Alguns dos nomes mais conhecidos entre essas criaturas invisíveis eram:
Anthrax (Bacillus anthracis) – mortal, estável no ambiente, fácil de disseminar.
Brucelose – incapacitante, causadora de febre e fadiga intensa.
Tularemia (Francisella tularensis) – extremamente contagiosa, com sintomas graves.
Q Fever (Coxiella burnetii) – altamente resistente, pode sobreviver meses no ambiente.
Psitacose – transmitida por aves, causa pneumonia severa.
Esses micróbios não eram escolhidos aleatoriamente. Cada um tinha características específicas que os tornavam perigosos em diferentes cenários. Uns eram mais úteis em ataques táticos, outros em estratégias maiores, como a infecção em massa de populações urbanas.
Da teoria à prática: desafios logísticos e científicos
Um dos grandes desafios enfrentados pelo Exército Americano foi calcular quanto material seria necessário para alcançar determinado objetivo militar. Chamavam isso de "tabelas de requisitos de munições" — basicamente, quanto de agente biológico seria preciso liberar para infectar uma cidade, paralisar uma base ou derrubar tropas inimigas. E aqui entra a ironia: quanto mais letal o agente, menos quantidade era necessária . Enquanto gases como o fosgênio exigiam centenas de quilos por área pequena, alguns agentes biológicos funcionavam com apenas uns poucos gramas por quilômetro quadrado. Era como comparar um canhão com uma faca afiada: menos barulho, mas muito mais letal.
Mas havia outro problema: como testar essas armas em condições reais ?
O dilema dos testes em campo: realidade x segurança
Testar agentes biológicos em ambientes reais era extremamente complicado. Primeiro, porque é impossível reproduzir uma cidade inteira em um laboratório ou campo de teste. Segundo, porque liberar patógenos em áreas habitadas seria criminoso e suicida.
Então, como resolver isso?
Os pesquisadores consideraram três abordagens principais:
Modelos em túneis de vento : estudar miniaturas de cidades em laboratórios, simulando ventos e dispersão de agentes. Foi uma técnica usada pelos britânicos, mas tinha limitações óbvias — como reproduzir exatamente as condições climáticas reais de uma metrópole lotada?
Construir uma cidade modelo : criar uma réplica em tamanho real de uma cidade típica em uma área isolada. Parecia promissor, mas era caríssimo e ainda assim não garantia precisão total.
Usar simulantes : substituir os agentes biológicos reais por organismos inofensivos que se comportavam de forma similar. Essa foi a opção escolhida — mais segura, mais viável e mais econômica.
Assim, surgiu a ideia de usar simulantes como o Bacillus globigii (um parente benigno do anthrax) ou partículas inertes que imitavam a dispersão de patógenos. Dessa forma, os cientistas podiam estudar como os agentes se espalhariam por uma cidade, sem colocar ninguém em risco real.
Escolher a cidade certa: onde testar?
Depois de decidir usar simulantes, vinha a próxima pergunta: onde fazer os testes ?
Era necessário encontrar cidades ou áreas com características similares às prováveis alvos soviéticos — relevo, densidade populacional, padrões de vento e temperatura. Algumas das cidades americanas escolhidas para esses testes incluíram lugares como Key West, Florida , Dayton, Ohio e até mesmo Washington, D.C. , onde agentes simulantes foram liberados discretamente em sistemas de transporte público e estações de metrô.
Isso tudo soa como ficção científica, mas aconteceu de verdade. Em 1965, durante o experimento conhecido como Operation LAC (Large Area Coverage) , o Exército americano liberou partículas de zinco cadmio sulfeto sobre partes do estado do Utah para estudar a dispersão atmosférica. Ninguém sabia. Ninguém autorizou. E ninguém foi avisado.
O fim da era ofensiva: Nixon e a decisão histórica
Em 1969, tudo mudou. O presidente Richard Nixon decidiu que os EUA deveriam abandonar qualquer programa ofensivo de guerra biológica. Em um discurso histórico, ele declarou que os estoques americanos de agentes biológicos seriam destruídos e que os EUA focariam apenas em defesa e tratamento. A partir daí, o arsenal ofensivo foi eliminado. Laboratórios foram fechados. Pesquisas foram reorientadas. O programa de guerra biológica, ao menos oficialmente, chegava ao fim. Mas o legado dessas décadas permanece. Muitos dos conhecimentos desenvolvidos nesse período deram origem a técnicas modernas de biossegurança, sistemas de alerta precoce de epidemias e até mesmo protocolos médicos usados hoje contra pandemias.
Curiosidades e dados que você precisa conhecer
Durante os testes, agentes simulantes eram frequentemente liberados em ônibus públicos, metrôs e navios para ver como se espalhariam em ambientes fechados.
Em 1950, o Exército realizou o Operação Sea-Spray , onde liberou bactérias não patogênicas sobre São Francisco. Dias depois, houve aumento de casos de pneumonia na região.
O famoso centro de pesquisa Fort Detrick , em Maryland, foi o coração do programa de guerra biológica americano.
Até hoje há debates éticos sobre quantas pessoas podem ter sido afetadas acidentalmente por esses testes secretos.
Apesar do fim do programa, documentos desclassificados revelam que os EUA continuaram a estudar armas biológicas sob o pretexto de defesa até o final da Guerra Fria.
Conclusão: entre o terror e a ciência
A história da guerra biológica nos EUA é um capítulo obscuro, cheio de paradoxos. Por um lado, ela representou um avanço científico impressionante — tecnologias de dispersão de partículas, modelos matemáticos de propagação de doenças e sistemas de detecção precoce que hoje são usados para combater pandemias. Por outro, foi também um período sombrio, onde o medo do inimigo levou a experimentos duvidosos, em segredo, sem consentimento da população civil. Hoje, com o mundo vivendo uma nova era de ameaças biológicas — vírus mutantes, bioterrorismo, desinformação médica — talvez valha a pena olhar para esse passado não só com horror, mas também com reflexão. Afinal, a linha entre ciência e guerra sempre foi tênue ... e, às vezes, invisível como o próprio agente biológico.