"Se você não está pagando pelo produto, então o produto é você": a verdade que ninguém quer ouvir sobre o seu lugar na internet. Imagine só: você acorda, dá uma olhada no celular antes mesmo de sair da cama, rola um pouco no feed do Instagram, curte uma foto antiga do seu ex (sim, essa parte ninguém vai negar), responde a uma mensagem rápida no WhatsApp, assiste uns vídeos no TikTok, checa os emails e talvez até faz uma busca rápida no Google para descobrir se aquela dor de cabeça pode ser algo grave. Nada demais, né? É só rotina.
Só que... cada movimento seu foi registrado . Cada pausa em uma imagem, cada curtida, cada deslize rápido demais pra nem contar como interação, cada segundo que você passou olhando para aquele post do crush antigo — tudo isso virou dado. E dados são o novo petróleo.
“Ah, mas eu não vendi nada, não dei meus documentos, não cliquei em links suspeitos!”
Sim, mas você está lá . E estar lá já é suficiente.
Se você não paga, você é o produto
Essa frase famosa — "se você não está pagando pelo produto, então o produto é você" — parece dramática à primeira vista. Mas não é exagero. É realidade pura e simples. As grandes plataformas digitais não precisam cobrar de você porque você não é o cliente . Você é o conteúdo. O alimento. A matéria-prima. O Facebook, o Instagram, o TikTok, o YouTube, o Google, o Twitter/X... todos eles têm um negócio bilionário baseado num ativo invisível: os seus dados . Eles não os vendem diretamente (isso seria muito óbvio). O que eles fazem é muito mais inteligente: constroem modelos preditivos com base no que você faz online , e esses modelos são valiosíssimos.
Um boneco de vodu digital
Pense nisso como se fosse um avatar seu criado dentro de um supercomputador. Sua versão digital, atualizada em tempo real, alimentada por suas emoções, hábitos, reações, escolhas e até seus erros. Cada vez que você ri, chora, se irrita, se empolga, se sente solitário, esse modelo aprende. Ele entende que às 23h47 você costuma ficar mais emotivo, que quando está triste você tende a assistir vídeos de músicas antigas, que quando está feliz você compra coisas impulsivamente, e que, sim, você sempre volta pra ver aquela foto antiga do seu relacionamento que terminou mal.
E o pior? Você nem percebe que está sendo observado.
O jogo dos algoritmos
As grandes empresas de tecnologia operam com três pilares principais:
Engajamento : manter você conectado, grudado na tela, sem parar.
Crescimento : fazer com que você volte, traga amigos, compartilhe, convide mais gente.
Propaganda : garantir que enquanto você está ali, elas ganhem dinheiro com anúncios ultra direcionados.
Tudo isso é possível graças aos algoritmos . Essas máquinas complexas, quase invisíveis, são programadas para descobrir o que te mostra, o que te segura e o que te faz clicar. Elas sabem mais sobre você do que você mesmo, muitas vezes. Sabem se você é introvertido ou extrovertido, se gosta de séries de terror ou romances clichês, se você tem ansiedade ou se dorme tarde.
Elas usam isso para montar feeds personalizados, sugestões de vídeos, recomendações de amizades, publicações patrocinadas... e o resultado? Você fica mais tempo online, consome mais conteúdo e, claro, expõe-se a mais anúncios.
“Isso é manipulação?”
Depende do ponto de vista. Do deles? Não. É apenas otimização.
Como eles fazem isso?
A resposta curta: Big Data + Inteligência Artificial + Psicologia Comportamental = Controle Total.
Vamos detalhar:
1. Rastreamento constante
Cada ação sua online é rastreada. Isso inclui:
Quanto tempo você fica olhando para uma imagem
Se você para o scroll em determinado vídeo
Em que momento você abandona uma página
Quem você segue, quem você deixa de seguir
Quantas vezes você abre o app por dia
Até mesmo onde você está fisicamente (GPS)
2. Modelos psicológicos avançados
Empresas como Meta, Google e outras gigantes têm equipes inteiras estudando comportamentos humanos. Elas mapeiam traços de personalidade com base nas redes sociais. Usam testes psicológicos adaptados para análise automatizada. Descobrem se você é emocionalmente instável, se é propenso a vícios, se tem fobia social, se é líder ou seguidor...
E adivinha? Elas ajustam o conteúdo que você vê de acordo com isso.
3. Previsão de comportamento
Uma das coisas mais assustadoras é que os algoritmos não apenas analisam o que você fez, mas preveem o que você vai fazer . Com base nos dados coletados, eles podem prever:
Que tipo de conteúdo vai te deixar viciado
Quando você está prestes a comprar algo
Quando você está deprimido ou vulnerável
Qual caminho você vai seguir entre as páginas
Qual tipo de propaganda vai realmente funcionar com você
É como se alguém lesse seus pensamentos antes que você mesmo pense.
A ironia disso tudo?
A maioria das pessoas acha que os dados estão sendo "vendidos". Na verdade, ninguém precisa comprar os dados brutos . O que vale é o modelo construído com base neles. E aí entra a grande jogada: quem tem o melhor modelo, vence. É como ter um mapa perfeito de como você age, o que você sente, o que te excita, o que te assusta, o que te faz gastar. E isso é infinitamente mais poderoso do que ter acesso direto ao seu CPF ou endereço.
Curiosidades que dão arrepios
Estudos mostraram que algoritmos conseguem identificar a orientação sexual de uma pessoa com até 90% de precisão , apenas analisando curtidas e fotos. Uma pesquisa da Universidade de Cambridge revelou que com apenas 10 curtidas , era possível prever melhor que um colega de trabalho; com 150 curtidas , melhor que o cônjuge. Apps de namoro monitoram até o tempo que você passa olhando para perfis específicos. Algoritmos do Facebook já foram treinados para detectar quando jovens estão se sentindo “inseguros” ou “tristes”, para mostrar anúncios de produtos relacionados a autoestima. Em 2021, o TikTok foi acusado de usar IA para identificar usuários obesos e mostrar conteúdos relacionados a dietas e exercícios.
O lado humano dessa história
O problema aqui não é só técnico. É humano. São pessoas reais que estão sendo transformadas em números, padrões e variáveis. São emoções reais sendo convertidas em lucro. São momentos íntimos virando dados. E o pior? Muitas vezes nem percebemos. Vivemos num mundo onde o smartphone é uma extensão do corpo, onde estamos conectados o tempo todo, e onde o preço da conexão é a nossa privacidade, nossa liberdade e, às vezes, nossa saúde mental.
“Mas eu não tenho nada a esconder.”
Pode ser. Mas o ponto não é o que você tem a esconder. O ponto é até onde você permite que outros saibam sobre você , sem que você sequer perceba.
O que podemos fazer?
A resposta não é simples, mas existem caminhos:
1. Educação digital
Entender como funciona o sistema é o primeiro passo. Conhecer os mecanismos por trás do que vemos na tela.
2. Privacidade consciente
Usar configurações de privacidade, limitar permissões, evitar apps desnecessários, desativar cookies invasivos.
3. Consumo crítico
Pensar duas vezes antes de curtir, comentar ou compartilhar. Tudo isso é dado. Tudo isso é valor.
4. Alternativas descentralizadas
Buscar redes sociais alternativas, como Mastodon, Matrix, Signal, Fediverse, onde o controle é do usuário, não da empresa.
Conclusão: vivemos num mundo de espelhos e sombras
No fim das contas, a internet hoje é como um espelho distorcido. Reflete nossos desejos, nossas fraquezas, nossas paixões e medos, mas também os amplifica. E por trás desse reflexo, há olhos invisíveis que nunca piscam, mãos frias que nunca tocam, e um coração artificial que bate apenas por um motivo: crescimento. E nós? Somos os personagens, os protagonistas e, ao mesmo tempo, os peões dessa história. Mas não estamos totalmente sem poder. Podemos escolher. Podemos refletir. Podemos desconectar. Porque liberdade digital não é um luxo. É um direito . E talvez, no meio de tantos likes e notificações, seja hora de lembrarmos disso.