Entre 1962 e 1973, sob a administração de John F. Kennedy e com autorização do então Secretário de Defesa, Robert McNamara, os Estados Unidos conduziram um projeto ultra-secreto de experimentação biológica e química chamado Projeto 112. Parte de uma revisão total das forças de defesa norte-americanas, essa iniciativa envolveu testes com substâncias potencialmente prejudiciais, não apenas em ambientes controlados, mas também na própria população dos EUA e em regiões aliadas. O programa foi mantido em sigilo até ser revelado ao público décadas depois, gerando um grande debate sobre ética, segurança nacional e os limites da experimentação militar.
O Contexto da Guerra Fria e a Justificativa para o Projeto
Nos anos 1960, os EUA estavam profundamente envolvidos na Guerra Fria, um conflito ideológico e militar com a União Soviética. O medo de ataques biológicos e químicos impulsionou os militares a desenvolverem estratégias de defesa e ofensiva nesse campo. Como parte dessa revisão, Robert McNamara autorizou mais de 150 projetos experimentais, incluindo o Projeto 112, que tinha como objetivo avaliar a vulnerabilidade das tropas dos EUA e de seus aliados a ataques biológicos e químicos, além de testar a eficácia de armas químicas para uso ofensivo.
A Estrutura do Projeto 112
O Projeto 112 foi conduzido principalmente pelo Departamento de Defesa dos EUA em conjunto com a Deseret Test Center, uma instalação militar localizada em Utah, responsável por testes químicos e biológicos. Dentro desse programa, foi criada uma subiniciativa chamada Shipboard Hazard and Defense (SHAD), focada em testes navais para avaliar a disseminação de agentes biológicos e químicos em embarcações militares.
Os testes foram conduzidos em diferentes locais, incluindo:
Oceano Pacífico (em navios da Marinha dos EUA)
Ilhas do Pacífico e Sudeste Asiático
Regiões remotas dos EUA e Canadá
Possível liberação em cidades norte-americanas
Os Agentes Químicos e Biológicos Utilizados
Entre os agentes testados estavam:
Sarin e VX (gases nervosos extremamente letais)
Bacillus globigii (um substituto inofensivo para o antraz, mas potencialmente perigoso para imunossuprimidos)
Escherichia coli (usado para estudar a dispersão de bactérias)
Agentes simulados de febre tifoide e peste bubônica
Compostos químicos desconhecidos que não foram divulgados nos registros oficiais
Em muitos casos, esses agentes foram pulverizados em tropas militares sem que os soldados soubessem que estavam sendo expostos a tais substâncias. Outros experimentos envolviam a dispersão em cidades ou áreas povoadas, para observar como os agentes se espalhavam no ambiente.
A Exposição da População Civil
Uma das maiores polêmicas em torno do Projeto 112 foi a suspeita de que algumas substâncias foram testadas diretamente na população norte-americana sem consentimento. Documentos desclassificados sugerem que agentes biológicos e químicos foram dispersos em diversas regiões dos EUA para estudar a eficácia dessas armas em um cenário realista. Algumas das cidades possivelmente afetadas incluíam São Francisco, Nova York e St. Louis, onde houve liberação de materiais simulados que poderiam ter causado efeitos adversos em grupos vulneráveis.
As Consequências e o Sigilo do Programa
O Projeto 112 permaneceu secreto por décadas. Muitos soldados expostos aos experimentos relataram problemas de saúde anos depois, incluindo distúrbios neurológicos, doenças respiratórias e câncer. No entanto, o governo norte-americano negou durante muito tempo qualquer ligação entre essas doenças e os testes realizados.
Somente nos anos 2000, após a pressão de veteranos e jornalistas investigativos, o Departamento de Defesa reconheceu oficialmente a existência do Projeto 112 e do SHAD, mas negou que houvesse intenção de prejudicar a própria população ou os soldados envolvidos.
Impacto e Debate Ético
O Projeto 112 levanta questões éticas importantes sobre a experimentação militar e os limites do sigilo governamental em tempos de guerra. Embora tenha sido justificado como um programa necessário para a segurança nacional, o uso de soldados e civis como cobaias sem consentimento é amplamente condenado por especialistas em bioética.
Esse episódio também evidencia os riscos das armas biológicas e químicas e a importância da transparência nas pesquisas militares. Se por um lado o programa ajudou os EUA a entender melhor os efeitos de armas não convencionais, por outro, colocou em risco milhares de pessoas sem o devido consentimento, algo que fere princípios básicos dos direitos humanos.
Conclusão
O Projeto 112 é um dos capitólos mais obscuros da história militar dos EUA. Embora tenha sido conduzido sob a justificativa da defesa nacional, seus métodos controversos e os efeitos colaterais sobre militares e civis permanecem motivo de debate. As consequências dessas experimentações continuam a ser estudadas, enquanto vítimas e seus familiares buscam reconhecimento e compensação pelos danos sofridos. O caso serve como um lembrete da necessidade de regulamentos mais rigorosos para impedir que experimentos semelhantes sejam conduzidos sem transparência e responsabilidade.