Asilos de Madalena

asima1Os asilos de Madalena eram instituições que existiram entre o século XVIII e o final do século XX e eram ostensivamente chamadas de casas de "mulheres perdidas". Estes locais operaram por toda a Europa e América do Norte durante grande parte do século XIX e até o final do século XX e abrigavam mulheres com deficiência física e mental, rebeldes, mães solteiras e suas filhas, vítimas de estupro e aquelas que se acreditava possuir caráter duvidoso como as prostitutas.[1] O primeiro asilo foi fundado em 1765 por Arabella Denny na capital da Irlanda, Dublin, na Leeson Street. A instituição recebeu o nome inspirado em Santa Maria Madalena, que segundo a compreensão católica, se arrependeu de seus pecados e se tornou uma das mais fiéis seguidoras de Jesus Cristo.

Inicialmente, a missão dos asilos era reabilitar as mulheres de volta à sociedade, mas no início do século XX, as casas se tornaram punitivas e parecidas com uma prisão. Na maioria dos asilos, as internas eram obrigadas a realizar intensos trabalhos físicos, incluindo trabalhos na lavanderia e de costura. Elas suportaram um regime diário que incluía longos períodos de oração e silêncio forçado.

Na Irlanda, tais asilos eram conhecidos como lavanderias de Madalena. Estima-se que 30 mil mulheres passaram por essas instituições apenas naquele país.[3] O último asilo de Madalena, em Waterford, encerrou suas atividades em 25 de setembro de 1996.

Em 2011, a comissão da ONU contra tortura solicitou ao governo irlandês que instaurasse inquérito para investigar as denuncias de maus-tratos. Em fevereiro de 2013, o primeiro-ministro Enda Kenny apresentou desculpas, em nome do governo irlandês, às milhares de mulheres que foram internadas e forçadas a trabalhar nestas instituições. O relatório confirma que o governo irlandês foi conivente com o trabalho escravo e foi responsável pelo envio de ao menos 1/4 das mulheres às lavanderias. O filme The Magdalene Sisters de 2002 é inspirado na rotina das mulheres que viviam nestas instituições.

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Irlanda regasta a história da vergonha das lavanderias católicas

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2013 - O governo da Irlanda trouxe à tona de novo o que os jornais do país chamam de “vergonha nacional”: as lavandeiras administradas por ordens de freiras católicas que exploravam o trabalho das “caídas” (mães solteiras e suas filhas, vítimas de abuso sexual, prostitutas e portadoras de deficiência física ou mental). As mulheres trabalhavam duro sem nada ganhar, como se fossem escravas. Algumas sofriam abuso sexual de padres e outras morreram em circunstâncias desconhecidas.

As roupas eram de empresas, órgãos públicos e Forças Armadas — um negócio altamente lucrativos para as freiras. O governo divulgou um relatório com a informação de 1922 a 1996 mais de 10.000 jovens tidas como fardo pela família, escola ou Estado trabalhavam nas chamadas Lavandeiras Madalena. Para serem “purificadas”, elas ficavam trancadas de seis meses a um ano nesses locais lavando e passando roupas, além de trabalho de costura.

No relatório, o governo reconheceu que o Estado irlandês encaminhou para essas lavandeiras 2.124 mulheres, 26,5% do total. Também informou ter descoberto que cerca de 900 mulheres morreram nesses locais de trabalho forçado — a mais nova delas tinha 15 anos. O historiador Diarmaid Ferriter disse que as lavanderias faziam parte dos mecanismos que a sociedade, Estado e ordens religiosas usavam para tentar enquadrar as pessoas tidas como párias no modelo de pureza mítica cultural da identidade irlandesa.

A imprensa tem publicado o testemunho de algumas sobreviventes das lavandeiras. Uma delas, por exemplo, contou que sofre até hoje de depressão por causa dos maus-tratos. “Eu me sinto em pedaços”, disse. “Já tentei o suicídio várias vezes.” Como representante do Estado irlandês, o primeiro ministro Enda Kenny pediu desculpas pelo sofrimento das mulheres internadas nas lavanderias Madalena, por endossar o estigma de “caídas” e por ter demorado para assumir parte da responsabilidade pelas mazelas.

Para mulheres sobreviventes das lavanderias, só o pedido de desculpas não basta. Elas querem ser indenizadas. O filme de 2001 The Magdalene Sisters ("Em Nome de Deus", na versão para o português) conta a história de quatro jovens que foram mandadas por seus familiares para uma dessas lavanderias ou, como eram chamadas, asilos católicos. As jovens são chamadas de “irmãs Madalena”. Três delas eram mães solteiras e uma tinha sido estuprada. O cineasta Peter Mullan se baseou em histórias reais para mostrar a rotina de castigos (alguns físicos) e de humilhações que as freiras imponham às “decaídas”.

 

Sob o estigma de Maria Madalena

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05/11/2014 - Desde junho, quando foi revelada a descoberta de 800 esqueletos de bebês numa fossa séptica de um ex-convento católico, a Irlanda desenterrou um passado que não gosta de lembrar. Foram longos e sombrios 74 anos. Entre 1922 e 1996, em nome de um ideal católico-nacionalista de família “apropriada”, mais de 10 mil mulheres irlandesas, cujo comportamento era considerado imoral pelos padrões da sociedade à época, foram internadas à força e trabalharam gratuitamente nas “Lavanderias de Maria Madalena”, controladas e exploradas comercialmente por conventos católicos.

Enviadas pelas famílias ou por orfanatos, as moças não tinham autorização para sair do convento e eram obrigadas a trabalhar, sem qualquer tipo de remuneração, para expiar os pecados de ser mãe solteira, ser muito bonita, muito feia ou ter sofrido violação. Algumas eram detidas e enviadas para as lavanderias pelos Tribunais de Pequenos Delitos, como uma alternativa à pena de prisão, porém sem data de término. Por vezes, passavam fome e eram vítimas de castigos físicos, humilhações e violência física e mental.

As grávidas solteiras eram encaminhadas às chamadas Casas de Mãe e Bebê, sob a administração igualmente dura das ordens religiosas. Diferentemente das lavanderias, que eram um negócio lucrativo para os conventos, essas instituições eram reguladas e fi nanciadas pelo Estado irlandês. Lá, pelas mãos das freiras, as moças davam à luz fi lhos de parto natural, sem alternativas em caso de complicações. Muitas morriam no parto, com os seus bebês.

As sobreviventes eram obrigadas a assinar um termo no qual concordavam em colocar os filhos para adoção quando completassem 2 anos de idade. Muitas mulheres que perderam os filhos nas Casas de Mãe e Bebê foram posteriormente enviadas às lavanderias para prosseguir em penitência, especialmente se suas famílias, motivadas pela vergonha, não as quisessem de volta, ou se fossem consideradas “reincidentes”.

O livro The Lost Child of Philomena Lee, de Martin Sixsmith (2009), relata o drama real de uma dessas mães solteiras que perdeu o filho para um casal norte-americano e sua busca, anos depois. O livro foi posteriormente transformado no filme Philomena (2013), com a atriz Judi Dench no papel principal. Assim como o filho de Philomena, muitas crianças foram enviadas para os EUA, cerca de 2 mil, entre as décadas de 1940 e 1970. Esse êxodo infantil foi sancionado pelo Estado, mas as adoções foram deliberadamente omitidas do Registro das Crianças Adotadas e isentas de supervisão. “O Estado usou a Igreja para prestar um serviço social em seu nome”, resume o jornalista Conall Ó Fátharta, do jornal Irish Examiner, que investigou o assunto.

Alta mortalidade

Em junho de 2014, após uma longa pesquisa nos arquivos da instituição, a historiadora Catherine Corless descobriu 796 bebês mortos no convento em Tuam, das irmãs Bon Secours. A alta taxa de mortalidade era uma constante em todas as Casas de Mãe e Bebê e também na Irlanda. Relatórios do governo mostram que a estatística entre as crianças “ilegítimas” chegou a ser cinco vezes maior do que a taxa de mortalidade de recémnascidos dentro do casamento.

Na Casa de Mãe e Bebê de Pelletstown, em Dublin, dirigida pelas Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, 119 das 240 crianças abrigadas morreram em 1925, oficialmente devido a uma epidemia de sarampo. Dois anos depois, das 263 crianças na instituição, 111 morreram. Nenhuma justifi cativa foi dada para essas mortes. Em dados gerais, entre 1924 e 1930, 662 crianças morreram no abrigo de Pelletstown, uma média de 94 mortes por ano. Esse é, de longe, um dado mais grave do que o das mortes acontecidas em Tuam entre 1925 e 1960 (cuja média anual foi de 22).

Entre 1932 e 1941, também foi registrado um considerável número de mortes de bebês e crianças nas três casas regidas pelas Irmãs do Sagrado Coração de Jesus e Maria. Em Sean Ross Abbey, em Roscrea, foram 419 mortes, na Sacred Heart Home, em Bessborough, foram 238 e na Manor House, em Castlepollard, 69 mortes. Conforme investigação da Comissão de Inquérito sobre Abuso de Criança (Cica), testes de vacinas experimentais podem ter sido uma das causas de tão alta mortalidade.

Aliança indesejável

Numa sociedade conservadora, pobre e fervorosamente católica, onde até recentemente havia escolas separadas para meninos e meninas, é preciso voltar no tempo e aos anos 1920 para entender como uma instituição religiosa foi capaz de ganhar poder a ponto de deliberar sobre a vida das pessoas. A propósito, o filósofo irlandês Edmund Burke disse uma frase famosa: “Quanto maior o poder, mais perigoso é o abuso.”

No final do século XIX, o cenário era de dominação inglesa. O irlandês cumpria o papel de trabalhador do campo mal remunerado e o inglês, o de dono de grandes propriedades rurais, cujo lucro era remetido para a Inglaterra. Restavam aos camponeses pequenas porções de terra para plantio de um produto que garantiria o sustento de toda a família: a batata. Então, entre 1845 e 1849, veio a praga da batata, a Phytophthora infestans, que arrasou plantações em larga escala e forçou 1 milhão de irlandeses a abandonar o país, matando outro milhão de fome. Esse episódio, conhecido como “A Grande Fome”, é um marco na história da Irlanda.

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No livro Ireland’s Magdalen Laundries and the Nation’s Architecture of Containment, o professor James M. Smith contextualizou o episódio. “A crescente força da Igreja Católica alcançou novos níveis de autoridade cultural nas décadas pós-Grande Fome, assim como o pároco assumiu uma infl uência dominante na vida social irlandesa. A Igreja começou a defi nir novos padrões morais e práticas domésticas que, por sua vez, resultaram em uma nova ênfase sobre o valor da modéstia e da respeitabilidade das mulheres.”

Na prática, diz Smith, a Igreja não apenas ganhou o controle das mulheres, mas o isolamento delas dentro da esfera doméstica, especialmente das mães, obrigando- as a se render ao controle do sacerdote e aliar-se à Igreja. Para obter e manter poder moral, as mulheres precisavam reter sua virtude e castidade. “Essa foi a mensagem que as mães começaram a passar para suas filhas. Dentro da diferenciação racional das esferas de responsabilidade moral, a castidade e a modéstia se tornaram objetivos específi cos para as mulheres”, afirma o professor.

Outro autor que escreveu sobre o assunto, e um dos sobreviventes do drama, é John Pascal Rodgers, autor do livro For the Love of My Mother. Sua mãe, Bridget Rodgers, foi presa por mendicância na capital irlandesa, Dublin, em 1924, com apenas 2 anos. Passou 30 anos em orfanatos, escolas industriais (onde foi violentada) e conventos. John nasceu em Tuam, em 1947, fruto de uma relação ilegítima, e foi separado da mãe quando ainda tinha 1 ano. Em 1948, Bridget fugiu do convento para a Inglaterra, onde acabaria se casando de novo e, mais tarde, reencontrando o fi lho. Morreu em 2002, com 73 anos. “Minha mãe sempre dizia que sua vida daria um grande livro, mas me fez prometer que não escreveria nada enquanto vivesse”, conta o escritor. “Ela tinha muita vergonha do seu passado.”

Hoje, as sobreviventes das Lavanderias de Maria Madalena e seus descendentes lutam por retratação e por algum tipo de compensação dos maiores responsáveis, o Estado e a Igreja Católica. Um regime de compensação está sendo desenvolvido, mas, apesar de três pedidos formais do governo irlandês, as quatro ordens religiosas envolvidas até agora se recusaram tanto a retratar-se como a participar da compensação proposta pelo governo.

“Fiquei muito chocado ao saber do número de crianças enterradas no cemitério em Tuam”, disse o arcebispo da cidade, Michael Neary. “Mas posso assegurar que as irmãs Bon Secours sempre agiram no interesse do bem comum.” “Desculpas pelo quê?”, perguntou uma freira anônima e emocionada ao jornal WeNews. “Muitas dessas mulheres passavam por necessidades terríveis. Elas estavam na rua, sem assistência social e morrendo de fome. Olhamos com os olhos de hoje uma época totalmente diferente, a do Estado de Não Providência. As ordens religiosas envolvidas tentaram responder a uma necessidade social. Nós prestamos um serviço ao país!”

Por sua vez, as mães procedentes das Casas de Mãe e Bebê buscam cada vez mais trazer à luz o que se passava nos conventos. Em jogo, estão as mortes de recémnascidos, os testes médicos com vacinas em crianças e as adoções forçadas e ilegais. Em julho passado, após o escândalo de Tuam, o recém-nomeado ministro da Infância, Charlie Flanagan, falou com entusiasmo sobre a necessidade de um inquérito amplo, com um plano de ação a ser anunciado imediatamente.

Entretanto, Flanagan foi transferido para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e houve um atraso no anúncio do plano, coincidindo com o relatório interdepartamental das Casas de Mãe e Bebê. Ativistas apontam para a fraqueza do relatório, juntamente com o atraso no plano de ação, como um sinal de que o governo irlandês pretende limitar o âmbito do inquérito. Essa é uma história que está só começando a vir à tona.

Mãe e filha

mary Steed nasceu na casa de mãe e Bebê em Bessborough, cork, regida pelas irmãs do Sagrado coração de Jesus e maria. Ela conta a história da mãe, Josephine, que, nascida fora do casamento, foi enviada a uma escola industrial, também dirigida por freiras. aos 14 anos, assim como outras meninas da mesma idade e situação, ela foi transferida para a lavanderia em Bessborough e lá permaneceu por dez anos. Então, obteve a permissão das freiras para trabalhar num hospital em dublin, administrado por outra congregação, as irmãs Bon Secours. no hospital, Josephine conheceu o pai de mary, se apaixonou, fi cou grávida e foi devolvida a cork, onde deu à luz mary, em 1960. dois anos depois, no momento em que mary era adotada por um casal de americanos, a mãe se viu obrigada a voltar à avanderia. Só se reencontraram em 2002.

A sobrevivente

aos 83 anos de idade, mary merritt é uma sobrevivente das casas de mãe e Bebê e das lavanderias. nascida de mãe solteira, acabou em uma lavanderia depois de anos em uma escola industrial, ambas dirigidas por freiras. “Eu estava em um dos orfanatos que eles chamavam de ‘escolas industriais’. Estava com tanta fome que roubei algumas maçãs do pomar. as freiras, então, disseram que tinham uma ‘solução’ para mim e me mandaram para a lavanderia em High Park, em dublin. Eu teria de fi car lá até “aprender a não roubar”. fui mantida como trabalhadora não remunerada por 14 anos, uma pena que hoje não se recebe nem por assassinato.” Segundo mary, o trabalho era difícil e o regime tão cruel que ela acabou quebrando uma janela e fugindo para a cidade, onde pediu ajuda a um padre, que a stuprou. as freiras não acreditaram quando ela foi presa pela polícia e devolvida à lavanderia. colocaram-na numa cela de dois metros quadrados sem janelas. “uma das freiras desceu lá e tosou meu cabelo. depois, fui levada para cima e obrigada a ajoelhar-me diante das mulheres presentes, beijar o chão e dizer que estava arrependida.”

 

As freiras e o Estado pecavam nas lavandarias de Maria Madalena

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Por Ana Gomes Ferreira 10 de Fevereiro de 2013 - É mais uma das histórias de terror que se passaram nas instituições de asilo irlandesas, onde as crianças e os mais pobres deviam ser protegidos. O Estado pediu esta semana perdão, a Igreja não

O Governo da Irlanda pediu desculpa na terça-feira pelos crimes nas lavandarias Irmãs de Maria Madalena. A Igreja Católica não. Desta vez, não negou o trabalho escravo, os abusos sexuais, a violência física e psicológica sobre as adolescentes e jovens mulheres que por lá passaram - 30 mil em mais de 70 anos. Mas ficou em silêncio, enquanto o primeiro-ministro, Enda Kenny, pediu perdão.

"Das que ali residiram, 26% foram enviadas pelo Estado. Lamento, peço desculpa por terem vivido naquele ambiente", disse, citado pelo The Telegraph. Perdão pelo abandono a que o Estado votou estas mulheres, pelo fechar de olhos quando os crimes eram evidentes, quando já todos sabiam e não fizeram nada.

Terá sido sentido, o perdão oficial do Estado. Mas foi tardio. E teve que acontecer - foi uma resposta ao relatório/investigação feito por uma equipa dirigida por Martin MacAleese que concluiu que grande número das raparigas foi mandado pelo Estado para as lavandarias onde as freiras ganhavam dinheiro com elas. A última vez que a Igreja Católica falara das Maggies, como eram conhecidas, fora em 2002. Peter Mullen ganhava a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes (França) com As Irmãs de Maria Madalena e a agência Reuters arrancava uma reacção do Vaticano, através do cardeal Ersilio Tonini: é tudo mentira. O prémio, disse, "descredibiliza o festival".

Raparigas promíscuas

Não era mentira, afinal. Já se sabia. Soube-se nos anos 1920, quando a escravatura começou; soube-se na década de 60, quando houve denúncias; soube-se nos anos 90, quando houve notícias. As últimas lavandarias fecharam em 1996, há 17 anos apenas. Mas, se eram loucas, as Maggies, por que razão alguém lhes deveria dar ouvidos? Estamos mesmo no final do século XVIII e a Irlanda católica ainda não é independente (1922) quando as lavandarias começaram a abrir. Um inferno de boas intenções, para usar um ditado popular - abriram para reeducar as raparigas promíscuas quando alguém se lembrou (o Estado) que a sexualidade tinha que ser posta no seu lugar, que era no seio do casamento abençoado por Deus (o católico ou o anglicano).

A reeducação de prostitutas para se reintegrarem na sociedade acabou depressa como programa das Irmãs de Maria Madalena. Nos anos 1920, raparigas violadas eram mandadas para lá, muitas pelos pais. E as extrovertidas (namoradeiras, portanto). E as órfãs, sem abrigo apanhadas pela polícia e sentenciadas pelos tribunais à reabilitação, as prostitutas, as que tinham filhos fora do casamento. Algumas, porque a mãe, o pai ou alguém (um padre, por exemplo) não gostava delas. Outras porque eram bonitas e apetecíveis - violadas ou não, eram mandadas para longe pelos que caíam em tentação, um pai ou um padre.

Na Irlanda do Norte, houve uma lavandaria, Donegall Pass, fundada em 1839 para ajudar mulheres pobres e órfãs. Na que seria a República da Irlanda houve dez, exploradas por quatro ordens religiosas femininas. As Irmãs da Nossa Senhora da Caridade tomavam conta de lavandarias em Dublin, as Irmãs da Misericórdia das lavandarias em Galway e Dun Laoghaire, as Irmãs da Caridade das de Donnybrook, Dublin e Cork e as Irmãs do Deus Pastor de Limerick, Cork, Waterford e New Ross.

O tratamento das internas, quando o propósito da reabilitação acabou e a punição passou a ser o objectivo, era igual em todas. A abertura do filme de Peter Mullen resume-o e justifica o nome que deram às lavandarias: "Maria Madalena era uma pecadora da pior espécie (...). Só alcançou a salvação quando renegou todos os prazeres da carne, incluindo o comer e o dormir, e trabalhou para além da força humana."

O relatório MacAleese só conseguiu identificar 100 "sobreviventes". O filme fala de quatro (são histórias verdadeiras): Bernardette, a extrovertida; Rose, a mãe solteira que conseguiu conhecer o filho passados 33 anos; Crispina, outra mãe solteira; Margaret, violada por um primo.

Penitência e sofrimento

Steven O"Riordan, para o documentário The Forgotten Maggies, falou com algumas. Maureen O"Sullivan: "A minha mãe teve a ideia de me mandar para lá porque achava que eu era uma rapariga triste em casa. Ela tinha casado outra vez... Levei os meus livros da escola e tudo, tinha 12 anos. Nunca mais vi os livros da escola. Achei estranho que me tivessem feito uma visita guiada à lavandaria e me tivessem mandado subir para cima de uma caixa, para verem quanto eu media. No dia seguinte, levaram-me para a lavandaria. Eu não lavava, era muito nova, pendurava os lençóis, que saíam a ferver e queimavamos os dedos. Mas não podíamos queixar-nos, tínhamos que aguentar a dor nas mãos e nos braços, que estavam sempre para cima, a estender, dez horas por dia". Maureen saiu da lavandaria quando começaram a fechar, nos anos 1990.

Maureen tinha 12 anos, era muito nova para ter "pecado" e precisar de "penitência" através do "sofrimento". "Um dia, estava a esfregar um chão e uma das raparigas mais velhas veio dizer-me que não percebiam a razão de eu estar ali. Eu era muito jovem, elas estavam ali porque tinham tido bebés."

Regras da casa: as raparigas, mais ou menos jovens, eram tratadas pelo nome que as freiras escolhiam. Maureen, por exemplo, passou a Frances. Harriet passou a Crispina. Rose passou a Patricia. "Era proibido falar, era proibido comunicar. Só tínhamos autorização para trabalhar, trabalhar, trabalhar. E rezar".

Muitas morreram, muitas entraram nas lavandarias aos 15 ou 16 anos e morreram lá, muitas décadas depois. Aprisionadas contra vontade, trabalhando em escravatura, proibidas de falar, sem acesso a educação, sem contacto com a família - "não podes sair", diziam as freiras, "és muito burra para o mundo lá fora"; "não podes sair, a tua família não te quer" -, espancadas quando falhavam, humilhadas todos os dias, sexualmente abusadas quando a algum padre lhe apetecia.

Mary Currington, que contou a sua história à Reuters, disse que foi mandada para uma lavandaria porque era órfã e estava a estudar numa escola industrial (também estas investigadas em 2009 e consideradas lugares sinistros, onde o medo e o abandono eram as premissas, não a educação, além de o abuso sexual de crianças e adolescentes ser "endémico"). A mãe de Currington não era casada e a criança foi-lhe retirada.

Ingénua e cansada de pancada e sevícias, Mary foi à igreja pedir ajuda para sair da escola industrial. "Mandaram-me para as lavandarias. Prenderam-me durante seis anos. Perdi a juventude."

O cemitério secreto

Em 1993, houve notícias sobre as Maggies, porque as freiras de uma das lavandarias venderam parte de um terreno e, mal os novos donos começaram obras, encontraram ossadas humanas. As que morriam eram enterradas num campo ao lado da lavandaria. Não era um cemitério, uma terra sagrada, contaram as sobreviventes. Não havia uma cruz, um nome. Era um terreno, verdinho por cima, cheio de mortas por baixo.

As mulheres caídas em desgraça lavavam roupa de hotéis, de padres que viviam nas paróquias próximas, de quartéis; muitos contratos foram dados às freiras pelo Estado. Lavavam a roupa à mão, em água a ferver - Maureen recordou os dedos feridos dos lençóis quentes que dobrava.

Em Junho de 2011, Mary Raftery escreveu no jornal Irish Times que, no início dos anos 1940, algumas instituições, como o Exército, trocaram as lavandarias "comerciais" pelas "das instituições" (conventos) e houve um debate público devido ao aumento do desemprego no sector. A discussão foi encerrada com a explicação de que os cofres do Estado poupavam, como disse o então ministro da Defesa, Oscar Traynor: o contrato com as freiras tem uma cláusula salarial "muito razoável"; as Maggies não eram pagas.

O relatório diz que muitas das mulheres foram encarceradas contra a sua vontade nestes asilos onde cumpriam penas de prisão perpétua. Algumas tentaram fugir, outras foram resgatadas por familiares.

Em busca de cura para a dor

Finalmente, as lavandarias foram fechando e as mulheres saíram, tentando viver. Algumas conseguiram fazer amigos, encontrar trabalhos, apaixonar-se, ter filhos. Outras ficaram feridas para sempre, incapazes de confiar.

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O relatório MacAleese foi feito depois de uma queixa da comissão de denúncia de torturas das Nações Unidas, que, após o filme de Mullen, do documentário de O"Sullivan, do trabalho do Channel 4 Sex in a Cold Climate (de 1997) e de uma canção de Joni Mitchell, exigiu saber, em 2011, os motivos desta crueldade e violação dos direitos humanos durante tantas décadas.

"A maior parte das mulheres que falaram com a comissão de inquérito expuseram a sua dor devido à falta de liberdade. Não eram informadas sobre o motivo de estarem ali. Não sabiam se poderiam sair, não tinham autorização para contactar o exterior", diz o documento.

Há um grupo, chamado Justiça para as Madalenas, que luta há anos nos tribunais por indemnizações. O argumento de que a maior parte deu entrada voluntariamente - ou assim está nos registos - tem sido a base para os processos não avançarem. O primeiro-ministro disse que isso poderá mudar agora.

"Não podemos imaginar a confusão e o medo destas jovens raparigas, muitas delas pouco mais do que crianças, ao entrarem nas lavandarias - não saber onde estamos, sentindo-nos abandonados", disse o primeiro-ministro.

A Igreja Católica, de reputação manchada devido aos abusos sexuais e crimes de pedofilia dos seus padres em todo o mundo, e na Irlanda também, não se pronunciou.

"Peço perdão. Peço perdão pelo que elas viveram", disse Enda Kenny no Parlamento. Os asilos das Maggies, que foram bem tolerados até bastante tarde pela sociedade católica e conservadora irlandesa - já a segunda metade do século XX ia bem avançada, diz o relatório -, só começaram a fechar por razões práticas. Tornaram-se inúteis quando todos puderam comprar uma coisa mais prática. No final do filme de Peter Mullen, uma das Maggies, já livre, passa por uma montra e vê uma máquina de lavar-roupa. O sorriso que esboça como que diz: é agora, acabou-se.

 

Fonte: https://pt.wikipedia.org
           https://www.paulopes.com.br
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