13/04/2011, Por Sam Dolnick - Às 14h em um sábado, no Bronx, a pista de dança estava cheia, as bebidas estavam circulando e um grupo de mulheres jovens com cortes de cabelo modernos e sapatos de salto tinha acabado de chegar à porta, pronto para entrar na festa. Poderia ter sido qualquer clube ou salão de festas – exceto pelas camisetas, pôsteres e CDs com a foto de uma mulher elegante e mais velha. A festa barulhenta era na verdade o funeral de Gertrude Manye Ikol, uma enfermeira de 65 anos de idade, de Gana, que havia morrido dois meses antes. A poucos quarteirões de distância, os convidados de outro memorial eram ainda mais barulhentos.
Os irlandeses podem ser conhecidos por seus funerais animados, mas os ganeses têm aperfeiçoado o funeral estilo festa. E em Nova York essas festas marcam o calendário social desta comunidade de imigrantes em rápido crescimento. Elas acontecem quase todo fim de semana em auditórios e salões sociais de igrejas em toda a cidade, duram a noite toda com open bar e música alta. Enquanto as famílias estão arrecadando dinheiro para cobrir as despesas de funeral, equipes de novos empresários – DJs, fotógrafos, cinegrafistas, garçons e seguranças – mantêm tudo em funcionamento em busca de seu próprio lucro.
Pode ou não haver um corpo presente ou um clérigo. A opinião expressa pode ser evangélica, católica ou secular. O falecido pode ter morrido em Nova York ou na África, alguns dias ou meses antes. Mas os funerais servem todos para o mesmo fim: festas para arrecadar dinheiro para as famílias em luto e reuniões noturnas para os enfermeiros, estudantes e taxistas de Gana que querem dançar e esquecer por um momento a vida de imigrante em Nova York.
"Para nós é uma celebração, mas para os americanos é um momento de tristeza", disse Manny Tamakloe, 27 anos, um mecânico de aeronaves, enquanto bebericava uma cerveja guinness no funeral de Ikol. "Se você é de Gana e chega aqui, vai ver 10 ou 12 pessoas que conhece e que vão apresentá-las a alguém. E antes que você perceba, você conhece todo mundo", disse. "Por que ir ao bar, quando você pode vir aqui e se divertir gratuitamente?”
Programa
Casamentos, batizados e aniversários são comemorados entusiasticamente entre aqueles nascidos em Gana, mas o funeral é mais. Quando Kojo Ampah, 34 anos, encontra-se sem planos para o fim de semana, ele liga seu vasto círculo de expatriados colegas a perguntar: "Ei, tem algum funeral?" Geralmente abertos a todos, os funerais tornaram-se maiores e mais frequentes nos últimos anos conforme a população de Gana aumentou na cidade de Nova York e se tornou mais entrosada, afirmam os líderes da comunidade. As últimas estimativas do censo mostram que existem cerca de 21 mil ganenses na cidade, principalmente no Bronx. Em 2005 haviam 14 mil.
As festas são ansiosamente aguardadas, promovidas com semanas de antecedência com as propagandas online – "Anote esta data. Neste dia celebrarei a vida da minha mãe", dizia um delas – ou panfletos que se acumulam nos restaurantes e lojas de mantimentos africanos. Os panfletos muitas vezes lembram cartazes de teatro, com fotos da família e amigos em luto, bem como créditos para o apresentador e a equipe técnica. Um funeral frequentado carrega grande prestígio social – e a maior e melhor festa. Em uma noite de sexta-feira quando Tamakloe já tinha estado em dois, ele descreveu o seu próximo funeral, de um estranho no Bronx. "Todo mundo está dizendo que esse vai ser o melhor funeral do ano", disse ele.
O engenheiro Henry Boateng passou meses planejando para o sábado o funeral de seu pai, Albert Ernest Boateng, que morreu em julho, em Gana. Ao menos 300 pessoas foram convidadas. As festas são uma importação direta de Gana, onde os funerais são conhecidos mundialmente pela sua dimensão e extravagância. Caixões lá muitas vezes lembram carros alegóricos de carnaval – o de um atleta pode ser moldado como uma bola de futebol, o de um pescador como uma canoa.
Em Gana, "o gasto mais importante que você vai ter na sua vida não vai ser o seu casamento, mas sim o seu funeral", disse Brian Larkin, um professor de antropologia da Faculdade Barnard que estuda a cultura do oeste africano. "As pessoas competem pela melhor festa ", continuou ele.
Desconhecido
Tal como em Gana, os convidados aos funerais em Nova York não precisam conhecer o falecido ou mesmo sua família. Mas eles devem prestar condolecências aos enlutados, dançar na pista de dança e doar de US$50 a US$100 – embora muitos não contribuam- para ajudar a levar o corpo de volta para a África ou cobrir outros custos. Uma grande festa pode arrecadar milhares de dólares. a verdade, os funerais são o centro de uma economia vibrante. Henry Ayensu, dono da gráfica Cre8ive House, no Bronx, disse ter feito folhetos impressos para 12 funerais ganenses nos últimos dois meses, muito mais do que o habitual.
Fotógrafos são cruciais. Seis trabalharam no funeral de Ikol no dia 4 de março e cada um trouxe um laptop, uma impressora colorida e um assistente. Eles tiravam fotos dos presentes e as imprimiam in loco para vendê-las por US$ 10 a US$ 20 cada.
Os funerais tornaram-se tamanha fonte de dinheiro que os pretextos para que aconteçam às vezes são outros, disse Ampah. Um nova-iorquino, por exemplo, pode realizar uma festa para o marido da sobrinha de um primo que morreu em Gana, mesmo se os dois nunca se encontraram e parte do lucro for destinada para a família. Ampah disse que um taxista que conhece fez US$ 6 mil em um evento como esse. "As pessoas não ficam com raiva porque elas estão felizes de vir mostrar apoio e se divertir", disse ele.
Os funerais geralmente começam por volta das 22h, com as bênçãos religiosas, cerimônias e palestras em inglês e twi, uma língua de Gana. À meia-noite, tem início a dança. Até às 2h várias pessoas chegam, e o funeral está em pleno andamento. "Quando eles vão embora já são 5h – sempre", disse Carlos Rozano, um vigia que trabalhou em mais de uma dúzia de funerais de Gana.
Francis Insaidoo, um bioquímico que se mudou recentemente para New York, disse que os funerais o lembram que ele pertence a uma comunidade. "Parece que você não está sozinho", disse ele. Ele não conhecia Ikol, mas seu colega sim. O colega, com uma lata de cerveja na mão, reconheceu com um dar de ombros que ele também não a conhecia. "Você vem pela festa", disse Insaidoo.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/