Inovações e Descobertas

Compostagem humana: eco-friendly ou polêmica demais?

Compostagem humana: eco-friendly ou polêmica demais?

Quando o Fim da Vida Se Torna o Começo de Tudo: A Revolução do Composto Humano na Califórnia. Imagine que, após a sua morte, você não vá parar num caixão sob metros de terra nem vire cinzas sopradas pelo vento. Em vez disso, você se transforma em terra — literalmente. Terra fértil, cheirosa, pronta pra fazer crescer uma árvore, um jardim ou até ser espalhada onde o mar beija a areia. Parece algo saído de um filme de ficção científica?

Pois é real — e vai virar lei nos EUA a partir de 2027. Mais especificamente, na Califórnia, berço das inovações mais radicais e também das ideias mais polêmicas. O tema? Compostagem humana , também chamada de Redução Orgânica Natural (NOR, na sigla em inglês). E sim, isso tudo tem nome científico, mas soa como poesia para uns e heresia para outros.

O Que É Exatamente Essa Tal “Compostagem Humana”?

Restos humanos

Vamos lá: o processo nada mais é do que deixar o corpo humano se decompor de forma natural e controlada, dentro de um recipiente de aço reutilizável, com materiais orgânicos como lascas de madeira, flores e palha. Nada de químicos agressivos, nem de chamas que consomem litros de gás por hora. Esse "berço metálico" é mantido em temperatura e oxigenação adequadas para que micróbios, fungos e bactérias façamem seu trabalho: devorar o corpo e transformá-lo em composto orgânico puro — ou seja, terra prontinha pra plantar vida. Depois de cerca de trinta dias , não há mais resto humano. Só há nutrientes. E família pode levar esse solo pra casa, plantar uma árvore ou simplesmente espalhar no local querido. É como se a gente voltasse à terra não como peso, mas como presente.

Por Que Isso Virou Lei Agora?

Em setembro de 2022, o governador Gavin Newsom assinou o projeto de lei AB 351, dando início ao que promete ser uma revolução silenciosa no mundo dos funerais. A proposta partiu da deputada Cristina Garcia, democrata, que defende a medida como parte essencial da luta contra as mudanças climáticas.

“Com a mudança climática e o aumento do nível do mar como ameaças muito reais ao nosso meio ambiente, este é um método alternativo de disposição final que não contribuirá com emissões para a nossa atmosfera.”

E ela não está brincando. Só nos EUA, a cremação emite cerca de 360 mil toneladas métricas de dióxido de carbono por ano — mais do que alguns países inteiros. E os enterros tradicionais usam madeira de cedro, metal, concreto e produtos químicos como formol, que contaminam o solo. Já a compostagem? Libera zero emissões e ainda devolve ao planeta o que ele mesmo nos deu.

Como Surgiu Essa Ideia?

Tudo começou em 2017, quando Katrina Spade, arquiteta e fundadora do Urban Death Project, teve a visão de criar um modelo sustentável de despedida. Sua ideia evoluiu para a primeira empresa comercial do segmento: a Recompose , em Seattle. Lá, Micah Truman, CEO da Return Home, outra empresa pioneira nesse ramo, viu aumentar exponencialmente a procura por esse tipo de serviço. Hoje, Washington, Colorado e Oregon já permitem a prática — e a Califórnia entra oficialmente pra lista em 2027.

“Com a cremação, em vez de nos sentarmos com a nossa pessoa e nos despedirmos, estamos muito afastados do processo”, disse Truman ao The Guardian . “A compostagem permite um ritual mais humano, mais próximo.”

O Que Pode Ser Feito com o Solo Resultante?

Restos humanos sala

Aqui vem a parte mais interessante: o produto final — o composto — pode ser usado livremente pelas famílias. Alguns escolhem plantar árvores ou flores em memória do ente querido. Outros preferem espalhar o material em locais significativos, como praias, montanhas ou até no quintal de casa. Mas atenção: apesar de legal, não há restrição quanto ao uso comercial do composto . Ou seja, tecnicamente, alguém poderia vender o solo ou usá-lo para cultivar alimentos... desde que não haja mistura entre restos de pessoas diferentes (exceto familiares diretos). Isso levantou críticas, claro.

Polêmicas, Religião e Resistências

Se pra muitos é inovação, pra outros é sacrilégio. A Igreja Católica, por exemplo, é claramente contrária. Kathleen Domingo, diretora executiva da Conferência Católica da Califórnia, declarou:

“Esses métodos de descarte foram usados para diminuir a possibilidade de transmissão de doenças pela carcaça morta. Usar esses mesmos métodos para a ‘transformação’ de restos humanos pode criar um infeliz distanciamento espiritual, emocional e psicológico do falecido.” Para a religião, o corpo humano merece respeito e reverência. E reduzi-lo a adubo seria uma forma de desumanizar a morte. Um ponto de vista compreensível, mas que colide com uma nova visão de mundo: aquela que enxerga a natureza não como algo externo, mas como parte integrante da existência humana.

E Como Ficam as Empresas Funerárias?

Enquanto algumas resistem, outras estão se adaptando. Randy McCullough, vice-presidente da Associação de Diretores Funerários de Nova York, afirmou que não são contra a compostagem em si — apenas contra a limitação de quem pode oferecer o serviço. Na nova proposta de lei estadual, só cemitérios teriam permissão para realizar compostagens humanas. Para McCullough, isso exclui empresas privadas do mercado, prejudicando a concorrência.

“Os diretores funerários sempre se orgulharam de serem totalmente receptivos ao que uma pessoa merece para seu próprio funeral e enterro — como eles gostariam. E ainda queremos fazer isso com este processo.”

Um Novo Olhar sobre a Morte

Mais do que uma questão ambiental ou legal, a compostagem humana representa uma mudança cultural profunda. Ela questiona o que significa “descansar em paz” e redefine o conceito de legado. Você já imaginou deixar como herança não uma fortuna ou uma mansão, mas uma árvore que nasceu a partir de você? Ou talvez um campo florido onde crianças correm e pássaros cantam? Essa é a beleza dessa ideia: tornar a morte não um fim, mas um recomeço . Uma última dádiva à natureza que nos criou, nos alimentou e, agora, nos acolhe de volta.

E No Brasil? Tem Chance Disso Chegar Aqui?

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Apesar de ainda parecer distante, o Brasil tem movimentos semelhantes crescendo. Cemitérios verdes, enterros naturais e até opções de urnas biodegradáveis já começam a aparecer em grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, a legislação brasileira ainda é conservadora nesse aspecto. A compostagem humana, especialmente, enfrentaria barreiras culturais e religiosas bem maiores do que nos EUA. Mesmo assim, com a pressão crescente por soluções sustentáveis e a conscientização sobre o impacto ambiental dos rituais de morte, não seria surpresa ver algo semelhante surgindo por aqui nas próximas décadas.

Conclusão: A Terra nos Chama de Volta

A vida é cíclica. Nasce, cresce, morre, renasce. E talvez seja isso o que a compostagem humana tenta recuperar: a conexão com o ciclo da natureza. Não somos donos da Terra. Somos dela. E quando morremos, faz sentido que voltemos a ela — não como peso, mas como alimento. A Califórnia está abrindo essa porta. E o mundo, aos poucos, começa a olhar pra dentro, perguntando: o que eu quero deixar pra trás?