23/02/2017 - Algumas das previsões mais importantes da física teórica, como as ondas gravitacionais de Einstein e o bóson de Higgs, levaram décadas para serem comprovadas em laboratório. Mas, de vez em quando, uma previsão pode se tornar um fato em um tempo incrivelmente pequeno. É o que aconteceu com os “cristais do tempo”, uma nova e estranha forma de matéria que foi teorizada, refutada e finalmente desenvolvida em apenas cinco anos, desde que foi primeiramente prevista em 2012.
Cristais, como o diamante e o quartzo, são compostos por átomos dispostos em um padrão de repetição no espaço. Nestes novos cristais, os átomos também seguem um padrão de repetição, mas no tempo. Por conta desta estranha propriedade, algum dia, cristais do tempo podem encontrar aplicações revolucionárias na tecnologia, assim como a computação quântica.
A história dos cristais do tempo começou em 2012, com o ganhador do prêmio Nobel Frank Wilczek, do MIT. Como físico teórico e matemático, Wilczek desenvolveu um importante passo ao transferir uma propriedade chave dos cristais convencionais — chamada quebra de simetria — para criar a ideia dos cristais do tempo. Para entender o que é essa tal de quebra de simetria, pense na água em estado líquido. Em uma gota, as moléculas são livres para se mover e podem estar em qualquer lugar. O líquido sempre se parece o mesmo em qualquer direção, o que significa que ele tem um alto grau de simetria. Se a água congela até virar gelo, as moléculas são forçadas (pelas forças de atração) a se rearranjarem em cristais, nos quais as moléculas dispostas em intervalos regulares. Essa regularidade significa que os cristais não são tão simétricos quanto os líquidos, por isso dizemos que a simetria do líquido foi quebrada quando virou gelo.
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A quebra de simetria é um dos conceitos mais complexos da física. Ela está por trás da formação dos cristais, mas também aparece em vários outros processos fundamentais. Por exemplo, o famoso mecanismo de Higgs — que explica como partículas subatômicas adquirem massa — é um processo de quebra de simetria. Lá em 2012, Wilczek surgiu com uma ideia tentadora. Ele procurou saber se, da mesma forma que um cristal quebrava a simetria no espaço, seria possível criar um cristal que quebrasse o equivalente da simetria no tempo. Foi a primeira vez que a ideia de um cristal do tempo foi criada teorizada.
Um objeto como este teria uma regularidade de tempo intrínseca, equivalente ao padrão regular de espaço dos cristais. Para um cristal do tempo, o padrão seria uma mudança constante para frente e para trás em uma de suas propriedades físicas, tipo uma batida de coração que se repete para sempre, um pouco como uma máquina de movimento perpétuo.
Máquinas de movimento perpétuo — que são máquinas que podem funcionar indefinidamente sem uma fonte de energia — não são possíveis, segundo as leias da física. Wilczek reconheceu essa parte estranha da teoria dos cristais do tempo e, em 2015, um outro grupo de físicos teóricos mostrou que um cristal de movimento perpétuo, na verdade, poderia ser possível, sim. Mas esse não é o fim da história. Em 2016, uma nova pesquisa mostrou que cristais do tempo poderiam existir na teoria, mas apenas se houvesse uma força motriz externa. A ideia era que a regularidade do tempo estaria de alguma forma dormente, escondida de nossas vistas, e que acrescentar um pouco de energia iria trazê-la à vida. Isso resolveu o paradoxo do movimento perpétuo, e trouxe nova esperança para a existência dos cristais do tempo.
Então, no verão de 2016, as condições para criar e observar os cristais do tempo foram apresentadas em um artigo, no repositório online arXiv, depois publicado no periódico Physical Review Letters. Os pesquisadores estudaram como uma propriedade especial das partículas, conhecida como spin quântico, poderia ser repetidamente invertida por uma força externa em intervalos regulares. Eles previram que se fizessem isso com um conjunto de partículas produziriam suas próprias oscilações nos spins, criando um cristal do tempo conduzido.
Em questão de meses, dois grupos diferentes aceitaram o desafio de criar cristais do tempo no laboratório. Uma das equipes disparou pulsos de laser em um trem de átomos de itérbio, produzindo oscilações nas propriedades dos átomos em intervalos diferentes dos pulsos. Isso significa que o s átomos de itérbio estavam se comportando como cristais do tempo. O outro time focou em um sistema completamente diferente, que consistia na impureza de cristais de diamantes. Eles usaram microondas para perturbar as impurezas em intervalos bem definidos, e assim observaram o mesmo tipo de oscilação de cristais do tempo que o primeiro time. Por fim, as ideias de Wilczek se provaram verdadeiras.
Cristais do futuro
A previsão, realização e descoberta dos cristais do tempo abrem um novo caminho na mecânica quântica, com questões sobre as propriedades deste novo estado da matéria e se os cristais do tempo podem ocorrer na natureza.
As propriedades de quebra de simetria de cristais comuns levaram à criação de metamateriais fonônicos e fotônicos, materiais deliberadamente projetados que controlam seletivamente vibrações acústicas e luzes que podem ser usadas para aumentar o desempenho de próteses, ou para aumentar a eficiência dos lasers e fibras óticas. Assim, as propriedades de quebra de simetria dos cristais do tempo provavelmente vão encontrar novas aplicações, como em cronometamateriais para computação quântica, que usa as propriedades inerentes dos átomos para armazenar e processar dados.
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A história dos cristais do tempo começou com uma bela ideia de um físico teórico, e agora escreveu seu primeiro capítulo com uma evidência conclusiva em apenas cinco anos. Longe de estar chegando a um fim, parece que a física está mais vida do que nunca.
*Rodrigo Ledesma-Aguilar é professor sênior de física, na Universidade Northumbria. Este artigo foi originalmente publicado em inglês pelo The Conversation.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/