Testes em Países Pobres: Ciência ou Exploração?

Testes em Países Pobres: Ciência ou Exploração?

A indústria farmacêutica mundial investe cerca de 40 bilhões de dólares anualmente na busca por novos medicamentos. Essa cifra astronômica deveria resultar em uma verdadeira enxurrada de inovações que beneficiariam as comunidades mais afetadas por doenças.

No entanto, a realidade é bem diferente. Somente em 2023, estima-se que a malária afetará 500 milhões de pessoas, levando a cerca de 3 milhões de mortes. E os tratamentos disponíveis? Na maioria das vezes, são remédios que parecem saídos de um museu, como um antigo medicamento chinês de mil anos que acaba de substituir uma droga com mais de 50 anos de história.

A verdade é que a indústria farmacêutica não virou as costas para os países em desenvolvimento; pelo contrário, hoje, muitos laboratórios investem em ensaios clínicos em nações como Brasil, Índia e Zâmbia. Em meio a favelas de Mumbai, brilha a nova sede da Novartis, onde cientistas se dedicam a criar soluções. Já na Cidade do Cabo, os laboratórios da Boehringer Ingelheim testam suas inovações. A GlaxoSmithKline (GSK), a Pfizer e a AstraZeneca têm feito da Índia seu campo de experimentação, com a GSK realizando mais da metade de seus testes fora dos mercados ocidentais.

Mas aqui está o detalhe: a saúde não é um negócio lucrativo para a indústria farmacêutica. Os tratamentos disponíveis frequentemente vêm acompanhados de uma lista interminável de efeitos colaterais, muitas vezes apenas abordando a superfície das doenças. Essa abordagem levanta uma pergunta inquietante: será que essa “cura” não é só uma forma de prolongar o sofrimento e, ao mesmo tempo, gerar lucro?

O olhar para os “voluntários”

O mercado farmacêutico é uma máquina de fazer dinheiro, especialmente nos Estados Unidos, onde o consumidor médio recebe cerca de dez prescrições por ano. Desde 2000, a indústria cresceu a passos largos, com um aumento de 15% ao ano. Mas, à medida que a demanda por medicamentos aumenta, a disposição dos americanos em participar de testes clínicos tem diminuído. Para cada novo medicamento, são necessários cerca de 4 mil voluntários para os testes, o que significa que impressionantes 100 mil pessoas precisam ser atraídas para a fase inicial. Isso ocorre porque desenvolver medicamentos eficazes para doenças como diabetes, hipertensão e problemas cardíacos não é uma tarefa simples.

Embora a indústria se esforce, muitos novos medicamentos para essas condições têm eficácia questionável, assemelhando-se a pílulas de placebo. A dificuldade de provar a eficácia de medicamentos com efeitos discretos é um verdadeiro desafio. A necessidade de voluntários é imensa, mas, ironicamente, menos de 5% dos americanos estão dispostos a se inscrever. Afinal, quem quer se expor a tratamentos experimentais quando já existem opções consolidadas?

A solução encontrada pelas farmacêuticas é comparar novos medicamentos com placebos. A lógica é simples: se o novo remédio se mostrar mais eficaz que nada, está dentro dos padrões da FDA. No entanto, isso requer um número significativo de voluntários dispostos a arriscar.

Um mundo desigual

Nos países em desenvolvimento, as realidades são diferentes. Com 80% dos testes clínicos falhando em cumprir prazos de recrutamento, os laboratórios olham para esses mercados, onde as necessidades de saúde pública são prementes. Embora a malária e a tuberculose ainda sejam problemas, muitos habitantes também enfrentam as doenças crônicas que afligem os ocidentais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que 80% das mortes por doenças crônicas não transmissíveis ocorrem em países em desenvolvimento, com a diabetes se tornando uma epidemia, especialmente na Índia.

Um exemplo claro disso é a África do Sul, que, segundo especialistas, é um “terreno fértil” para testes relacionados à AIDS, devido ao grande número de pacientes não tratados. Os laboratórios se beneficiam da alta taxa de incidência de doenças e, assim, conseguem acelerar seus processos de pesquisa. Isso levanta uma questão moral: seria ético explorar as vulnerabilidades de um povo para garantir lucro?

Apesar das dificuldades em conduzir testes clínicos em países mais pobres, a rapidez no recrutamento é um dos principais atrativos. Nos Estados Unidos, pode levar meses para reunir um número suficiente de voluntários. Já na África do Sul, uma empresa conseguiu alistar 3 mil pacientes para um teste em apenas nove dias. Além disso, a taxa de desistência é baixa, com 99,5% dos inscritos permanecendo nos estudos.

É claro que essa dinâmica gera um ciclo vicioso. Os testes clínicos oferecem uma forma de tratamento que muitas vezes é superior ao que está disponível nas clínicas locais. Contudo, é fundamental lembrar que ser um “voluntário” não garante a segurança ou a eficácia dos tratamentos.

A ética em questão

A participação em testes clínicos deve ser voluntária e informada, mas, em muitos casos, isso é uma ilusão. Estudos indicam que muitos voluntários desconhecem seu direito de desistir. Em um estudo na África do Sul, mais de 80% dos participantes disseram que não sabiam que poderiam sair do teste se quisessem. Isso sugere um cenário de coerção sutil, onde a esperança de acesso a cuidados médicos pode influenciar a decisão de participar.

A questão ética é complexa. Enquanto as empresas argumentam que essas pesquisas trazem benefícios aos participantes, a realidade muitas vezes é bem diferente. Os interesses de lucro podem facilmente ofuscar os direitos e a saúde das populações vulneráveis.

Em suma, o dilema da indústria farmacêutica revela um abismo entre os ideais de cura e a busca incessante por lucro. À medida que continuamos a explorar essas questões, é crucial que a ética e a dignidade humana não sejam deixadas de lado em nome do progresso científico. Afinal, cada “voluntário” é um ser humano, não um mero número em uma planilha de resultados.

Agências de Supervisão: Um Olhar Desatento sobre Testes em Países em Desenvolvimento

Quando falamos sobre testes clínicos, a primeira imagem que vem à mente é a de rigorosas supervisões na Europa e nos EUA. Mas a realidade é bem diferente. As agências reguladoras dessas regiões mantêm um olhar complacente sobre as pesquisas realizadas em países mais pobres. Sabe como é, né? O que importa é o lucro, e quando um fabricante de medicamentos decide fazer um teste clínico, ele precisa apenas seguir algumas regras superficiais.

O Que Está em Jogo?

Quando uma nova droga está prestes a ser lançada, as empresas devem enviar todos os dados pré-clínicos às autoridades reguladoras. Isso inclui resultados de laboratórios e testes com animais. Mas, para testes realizados fora dos Estados Unidos e Europa, a história muda de figura. Essas autoridades aceitam dados de outros países, mas não exigem que as empresas as informem antes de começarem seus experimentos. Basicamente, a única exigência é seguir a Declaração de Helsinki ou as regras locais que, na melhor das hipóteses, oferecem proteção básica.

E se esses testes falharem? Ah, amigo, a situação é ainda mais preocupante. Cerca de 90% das drogas que entram em testes clínicos não conseguem a aprovação regulatória. E o que acontece com elas? Simplesmente desaparecem, sem deixar rastro. É como se nunca tivessem existido.

A Realidade da Declaração de Helsinki

Agora, você pode estar pensando: "A Declaração de Helsinki não é uma garantia de proteção?" Em teoria, sim. A ideia é que comitês independentes de ética aprovem e supervisionem esses testes para garantir os direitos dos voluntários. Mas, em muitos países, como a Índia, essa estrutura não é tão robusta quanto deveria ser.

Lá, a expansão dos testes clínicos é vista como uma mina de ouro. Funcionários do governo sonham em aumentar o investimento de 70 milhões para 1 bilhão de dólares por ano. Para isso, as regras foram afrouxadas: as drogas não precisam mais mostrar "valor especial" para o mercado indiano e as empresas que investem em pesquisa têm isenções fiscais por até 10 anos. A indústria de testes clínicos é tratada como um negócio promissor, e o povo? Ah, esse é apenas um detalhe.

Falta de Ética e Regulação

O que dizer da prática médica na Índia? É um verdadeiro faroeste! Não há um código de ética em vigor, e a educação médica é um campo minado. Escolas de Medicina já foram flagradas com professores fantasmas e diplomas sendo vendidos como pão quente. E uma vez que se formam, os médicos não precisam comprovar suas habilidades. Isso leva a uma prática clínica onde até três quartos dos médicos abandonam suas postas durante surtos de doenças. Sim, você leu certo!

Com 70 mil marcas de medicamentos e apenas 600 inspetores, a situação é alarmante. Um estudo revelou que 70 combinações de remédios eram ineficazes ou perigosas, ainda assim, continuavam à venda. Sem contar que 25% dos medicamentos disponíveis eram falsificados ou abaixo do padrão. Você consegue imaginar?

A Ética é Apenas uma Palavra

Embora haja comitês de ética, eles muitas vezes não protegem os voluntários, mas sim servem para validar a pesquisa. Escândalos como a distribuição de quinacrina para esterilizar mulheres sem informação ou o teste de anticoncepcionais injetáveis em aldeias onde as participantes nem sabiam que estavam em um experimento são apenas a ponta do iceberg.

Enquanto isso, os escândalos em países ocidentais, como o estudo de sífilis de Tuskegee, levaram a algumas proteções legais. Mas, na Índia, os voluntários continuam desprotegidos, e a confiança na medicina ocidental vai ladeira abaixo.

Um Chamado à Ação

É hora de repensar essa situação. Testes não éticos não só violam direitos humanos, mas também destroem a credibilidade da medicina ocidental. É fundamental que exijamos que os voluntários tenham acesso aos métodos comprovados durante os testes, e não apenas um "talvez" no futuro.

Precisamos garantir que o consentimento seja realmente informado e voluntário. Algumas dessas mudanças podem significar o fim de muitos testes, mas, como bem disse o bioético Jonathan Moreno, isso é o mínimo que devemos fazer para garantir a dignidade humana.

Estratégias da Indústria Farmacêutica

E não para por aí. A indústria farmacêutica tem uma tendência inquietante de transformar situações cotidianas em "síndromes" que precisam de tratamento. Henry Gadsden, um ex-dirigente da Merck, sonhava em vender medicamentos para pessoas saudáveis, e esse sonho se concretizou. Hoje, queixas comuns estão sendo transformadas em doenças, criando uma cultura de consumo que prioriza lucros em detrimento da saúde.

REFERÊNCIAS: youtube, wikipedia, saude e companha, verdades cruas, saúde em risco