Redesignação Sexual em Crianças: Debate Ético e Jurídico

Redesignação Sexual em Crianças: Debate Ético e Jurídico

O tema da redesignação sexual em crianças e adolescentes tem gerado debates acalorados e dividido opiniões em diversas esferas da sociedade. Recentemente, uma notícia surpreendente veio à tona: o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) estaria oferecendo tratamentos de transição de gênero, incluindo bloqueio da puberdade, hormonioterapia e até cirurgias para redesignação sexual. Entre os pacientes, estariam crianças de apenas quatro anos e adolescentes com até 17 anos. Mas será que esses procedimentos, especialmente em menores de idade, são adequados ou mesmo legais?

O Óbvio Precisa Ser Dito

Nelson Rodrigues dizia que "só os gênios enxergam o óbvio", e talvez esta seja uma das grandes ironias dos tempos atuais. Discutir o óbvio – que crianças não possuem maturidade para decidir sobre mudanças permanentes em seus corpos – parece uma necessidade premente diante de práticas que desafiam limites éticos e jurídicos. Como chegamos a esse ponto? É a pergunta que ecoa.

A sociedade moderna está mergulhada em uma "espiral do silêncio", onde questionar práticas controversas frequentemente resulta em hostilidade. A intolerância às ideias divergentes não apenas sufoca o diálogo, mas muitas vezes transforma críticas legítimas em alvo de ataques pessoais. A reação é tão intensa que, como o jurista Owen Fiss destaca, pode destruir a autoestima e calar vozes que desejam participar do debate.

Mas é precisamente por isso que este assunto precisa ser tratado com clareza, embasamento técnico e coragem. A saúde física e emocional de nossas crianças não pode ser sacrificada no altar do "politicamente correto".

O Direito dos Adultos Versus a Vulnerabilidade das Crianças

Antes de mais nada, é importante separar dois cenários: procedimentos de redesignação sexual em adultos e em menores de idade. No Brasil, adultos têm plena liberdade para decidir sobre seu corpo, incluindo intervenções de redesignação sexual. O ponto de vista jurídico não coloca objeções, desde que a decisão seja consciente e informada. Afinal, o princípio do "animus curandi" – a intenção de cuidar e aliviar o sofrimento – norteia essas práticas.

Por outro lado, quando falamos de crianças e adolescentes, o contexto muda completamente. O consentimento, tanto da criança quanto de seus responsáveis, não pode legitimar procedimentos que têm impactos irreversíveis e, em muitos casos, podem ser classificados como lesões corporais gravíssimas.

A Ciência Fala: Desenvolvimento Infantil e Capacidade de Decisão

Freud, Piaget, Erik Erikson e tantos outros estudiosos já mostraram que a infância é uma fase de descobertas graduais, onde a cognição e a compreensão do mundo se desenvolvem lentamente. Uma criança de quatro anos mal começa a entender as regras sociais e não tem qualquer condição de tomar decisões complexas sobre sua identidade de gênero.

Além disso, a própria ciência médica adverte que qualquer intervenção precoce, seja hormonal ou cirúrgica, pode trazer consequências físicas e psicológicas irreversíveis. Do bloqueio da puberdade ao uso de hormônios, os riscos incluem infertilidade, deformidades e danos psicológicos permanentes.

Aspectos Legais: Quando a Lei É Clara

Sob a ótica jurídica, o cenário é ainda mais contundente. A legislação brasileira e as normas éticas médicas são claras: procedimentos de redesignação sexual em menores de 18 anos são proibidos. A Resolução nº 2.265/19 do Conselho Federal de Medicina proíbe cirurgias em menores de idade e restringe tratamentos hormonais a adolescentes a partir dos 16 anos – e apenas em casos muito específicos.

A permissão para intervenções cirúrgicas, por exemplo, só é dada a maiores de 21 anos no Brasil, com base em critérios rigorosos. Essa cautela reflete o entendimento de que decisões irreversíveis só podem ser tomadas por indivíduos com plena capacidade cognitiva e emocional.

Exemplos Absurdos que Nos Fazem Refletir

Imagine uma situação em que uma criança de cinco anos peça para tatuar o corpo. A lei não apenas proíbe, como a própria ideia parece absurda. Se uma intervenção estética temporária é amplamente desencorajada, por que mudanças irreversíveis em relação à identidade de gênero seriam tratadas com menos cuidado? Essa comparação escancara a fragilidade do argumento que defende tais práticas em crianças pequenas.

E há mais. Histórias como a de John Money, médico americano que realizou experimentos desastrosos de redesignação em crianças, culminando em tragédias pessoais, mostram os perigos de se ignorar a ciência, a ética e os limites legais.

Uma Reflexão Final: É Hora de Agir

Ao longo deste texto, ficou evidente que práticas de redesignação sexual em crianças menores de idade, especialmente as de tenra idade, são não apenas eticamente condenáveis, mas juridicamente inaceitáveis. Permitir que essas intervenções ocorram é ignorar evidências científicas, desconsiderar os direitos fundamentais das crianças e rasgar o tecido legal que protege nossa juventude.

Enquanto sociedade, temos a responsabilidade de proteger nossas crianças – e isso inclui dizer "não" a decisões apressadas e perigosas. Se negligenciarmos esse dever, permitiremos que ideologias e interesses escusos se sobreponham ao que deveria ser inviolável: a saúde e o bem-estar de nossos pequenos.

Que esta reflexão sirva como um chamado à ação e ao debate responsável. Afinal, quando se trata de proteger os mais vulneráveis, o silêncio não é uma opção.