5.2 Riscos de doenças - Além do aumento de peso e obesidade, o que por si só já provoca vários problemas de saúde, a TV aumenta o risco de se ter várias doenças, como foi comprovado por inúmeras pesquisas. Por exemplo, N. Wong e colaboradores (1992) verificaram que crianças e jovens que assistem muita TV tem muito maior chance de ter colesterol aumentado, e que o consumo de TV é o fator, dentre os estudados, que tinha maior valor de previsão para o nível de colesterol. Hancox, Milne e Poulton (2004), já citados acima, também detectaram uma correlação entre consumo de TV e aumento do colesterol. Eles verificaram ainda que, quanto maior o consumo de TV em criança, menor a resistência na idade adulta a testes ergométricos.
Um dos seus resultados é que o consumo de TV quando criança aumenta em 17% a chance de fumar aos 26 anos; esse resultado é particularmente interessante pois o estudo foi feito na Nova Zelândia, onde há proibição de propaganda de cigarros na TV desde 1963 (ano de início do estudo); isto é, o aumento do fumo foi devido à propaganda subreptícia em programas (product placement ou merchandising, isto é, representação de pessoas-chave fumando, como personalidades públicas, personagens de filmes e telenovelas, etc.). Nos EUA morrem anualmente 435.000 pessoas como conseqüência do fumo, um fator ainda maior do que o excesso de peso. Usando os 17% de Hancox, isso significaria 74.000 mortes a mais devido ao aumento do consumo de fumo produzido pela TV vista por crianças e adolescentes. Janz et al. (2001) demonstraram que a BMD (bone mineral density, densidade mineral dos ossos) é inversamente associada ao tempo que meninas veem TV. Sorof e Daniels (2002) constataram que o excesso de peso em crianças aumenta em 3 vezes a probabilidade de elas adoecerem por hipertensão. Spitzer (2005) cita um trabalho de Hauner (2004) mostrando que hipertensão em crianças leva frequentemente à hipertensão nos adultos.
O fato de o telespectador ficar fisicamente estático, e portanto fazer menos exercícios físicos, pode causar várias doenças não ligadas diretamente à obesidade. Por exemplo, em 3/3/09 o jornal The Guardian trouxe uma notícia relatando que Andrea Sherriff e colaboradores fizeram uma pesquisa na Universidade de Glasgow, com dados de 14.000 crianças; o artigo sobre a pesquisa estava para ser publicado naquela data na revista de medicina Thorax. Eles usaram o número de horas que elas passavam vendo TV como um indicador de sedentarismo. "6% das crianças que eram saudáveis aos 39 meses de idade foram diagnosticadas como tendo asma na idade de 11½ anos. Mas as crianças que viram mais de 2½ horas de TV por dia aos 39 meses de idade tinham uma chance duas vezes maior de desenvolver a doença. ... O pouco exercício físico causou um aumento igual de asma em meninos e meninas, e não estava relacionado com o peso." Há ainda uma citação, aparentemente da autora do estudo: "Temos um das maiores taxas de asma no mundo, de modo que é especialmente importante que os pais na Inglaterra tentem mover [prise] suas crianças para longe da TV, encorajando-os a levar um estilo de vida ativo."
Martinez-Gomez e colaboradores (2009) fizeram uma pesquisa para verificar se havia relação, em crianças de 3 a 8 anos de idade, entre atitude sedentária ("atividades que não aumentam substancialmente o gasto de energia acima do nível de repouso", medida por meio de acelerômetro carregado na coxa por elas) e ver TV (informado pelos pais), com aumento de pressão sanguínea. A importância desta é citada como "Para a prevenção de hipertensão e doença cardiovascular, é importante compreender melhor a influência de atitudes sedentárias na pressão sanguínea." Eles afirmam: "Nossos resultados indicam que uma atitude sedentária medida pelo acelerômetro não foi associada com pressão sanguínea. No entanto, o uso de aparelhos com tela, especialmente ver TV, foi significativamente associado com pressão sanguínea, independentemente da adiposidade [nível de gordura dos sujeitos]. ... observamos que os participantes no tercil [isto é, 1/3 dos sujeitos] com menor uso de TV tinham pressão sanguínea sistólica e diastólica [os dois números que sempre se dá para a pressão] significativamente menores que os participantes dos tercis superiores. ... Participantes no tercil mais baixo passaram menos do que 30 minutos por dia vendo TV e usando outros aparelhos com tela. Portanto, isso sugere que 30 min/d de uso pode ser um limite razoável em crianças pequenas para prevenir níveis altos de pressão sanguínea. ... A conclusão é que os resultados deste estudo mostraram que ver TV e uso de outros aparelhos com tela foram associados com pressão sanguínea independentemente da composição corporal das crianças." Com isso, os autores estão indo contra a recomendação da American Academy of Pediatrics que recomenda um limite de uso de aparelhos com tela a não mais do que 2 horas por dia, como veremos no item 8.1. Eles fazem 4 conjecturas sobre a razão do aumento de pressão devido a crianças verem TV, incluindo "... ver TV pode perturbar [disrupt] o número de horas de sono em crianças." Eles não citam alguns de meus argumentos sobre influência da TV nos telespectadores, e que talvez sejam causas, eventualmente principais, do aumento da pressão sanguínea, entre eles: apelo excessivo às emoções e à violência, o que deve ser particularmente pernicioso para crianças, que deveriam idealmente ter uma vida calma e feliz, sem contato com as misérias do mundo; atitude física absolutamente anormal, pois naquelas idades as crianças deveriam movimentar-se a maior parte do tempo em que estão acordadas; sono irrequieto devido aos sobressaltos provocados pelos programas; gravação no subconsciente de imagens com atitudes agressivas e más, bem como imagens feias e monstruosas.
Vou citar aqui uma conjetura minha, que não trata diretamente de doenças, mas da saúde. Trata-se do caso dos idosos que veem muita televisão. Essas pessoas claramente perdem o interesse pelo mundo real. Ora, sabe-se que se um idoso perde o interesse pela vida, principalmente em ajudar os outros (o que acontecia antigamente quando cuidavam dos netos e bisnetos), ou deixa de ter uma vida ativa, física e mentalmente, mesmo que seja cuidando diariamente de seu jardim ou lendo, esclerosa mais rápido e tende a viver menos tempo. Assim, parece-me que idosos que veem muita TV tendem a ter menor esperança média de vida. Seria muito fácil fazer uma pesquisa nesse sentido, mas provavelmente não existe interesse nesse sentido, pois o resultado será possivelmente catastrófico para a TV.
5.3 Problemas de atenção e hiperatividade
Considerando-se que as imagens transmitidas pela TV mudam com muita rapidez, como já foi notado no capítulo 2, parece óbvio que crianças ou adolescentes acostumados a sofrer a enxurrada de impressões visuais fortes da TV acabam tendo problemas de atenção e de concentração em situações calmas, como as de uma aula, de leitura, de observação da natureza, de atenção quando outra pessoa fala, etc.
Problemas de atenção foram constatados por Christakis et al. (2004): "O fato de crianças verem televisão muito cedo está associado a problemas de atenção aos 7 anos. Esforços para limitar o tempo de ver TV na primeira infância (early childhood) podem ser justificados (warranted)." Os autores ainda afirmam que os pais e pessoas que tomam conta de crianças podem reduzir as chances de uma criança desenvolver Déficit de Atenção e Distúrbio de Hiperatividade (Attention Deficit and Hyperactivity Disorder, ADHD) se limitarem o tempo de ver televisão em crianças pequenas.
A produção de hipertatividade pela TV é fácil de ser compreendida: crianças saudáveis não ficam quietas, estão sempre fazendo algo, pois é assim que aprendem, desenvolvem musculatura, coordenação motora, etc. Uma criança saudável só fica parada se ouvir uma história: aí se pode observar que ela fica como que olhando para o infinito, pois está imaginando toda a história interiormente. No caso da TV, a criança fica fisicamente estática e, como já vimos, em estado de sonolência (ver o cap. 3), não tendo nada a imaginar, pois as imagens já vêm prontas e se sucedem em relativamente alta velocidade. Ao se desligar o aparelho, a criança tem uma explosão de atividade, para compensar o tempo que ficou imóvel e passiva; os pais, incomodados, colocam-na novamente à frente da TV para que a 'babá eletrônica' a acalme...
5.4 Agressividade e comportamento antissocial
Já vimos no capítulo 4 que a quantidade de violência transmitida pela TV é enorme e que o ser humano grava todas suas vivências. Parece então óbvio que isso deve ter algum efeito na agressividade de crianças e adolescentes, pois eles estão formando seu caráter, o que mais tarde também vai redundar em agressividade na idade adulta. É importante considerar que essa agressividade pode manifestar-se de maneiras e intensidades diversas, desde agressão verbal até agressão física com danos para a vítima.
Uma forma relativamente leve de agressão é desrespeitar outra pessoa. Em crianças, isso já se manifesta, por exemplo, na desobediência, em 'responder' às pessoas de mais idade, etc. Ora, programas de TV estão repletos de desrespeito e ridicularização de pessoas. Isso é típico em desenhos animados que, independente da ação representada, implicam em um desrespeito pois são sempre caricaturas da realidade, como aliás é o caso de todas histórias em quadrinhos.
Um extenso e detalhado estudo longitudinal, isto é, da infância à idade adulta, foi feito por Huesmann et al. (2003). Analisando ainda 32 trabalhos científicos, eles afirmam: "Como a resenha acima indica, nas várias décadas passadas a correlação entre violência na TV e agressão infantil ou em adolescentes foi demonstrada de maneira não-ambígua." Eles dizem que isso vale tanto para curto como longo prazo (de 15 anos). Além disso, "... a violência na mídia pode afetar qualquer criança de qualquer família. ... Assim como cada cigarro que é fumado aumenta um pouquinho a probabilidade de se ter um tumor no pulmão algum dia, a teoria apoiada por esta pesquisa sugere que cada programa violento aumenta um pouquinho a probabilidade de uma criança crescer comportando-se mais agressivamente em alguma situação." Esse argumento deveria ser bem refletido pelos pais que afirmam "só uma meia horinha de TV por dia não faz mal...".
Como o telespectador está normalmente em um estado de sonolência, as imagens de violência são gravadas no subconsciente ou no inconsciente, é nos momentos de consciência diminuída, tais como stress, exaustão, emergência, excesso de medo, perigo, raiva, estado alcoólico ou drogado, que as imagens gravadas profundamente vêm à tona e a pessoa reage de maneira agressiva segundo esse condicionamento. Várias pesquisas com questionário não mostraram efeitos da TV sobre a agressividade; parece-me que a causa é o fato de questionários serem respondidos sempre conscientemente. É necessário provocar o estado de semiconsciência ou inconsciência para se detectar o efeito da violência assistida na TV.
As emissoras de TV estão, obviamente, identificadas com o capitalismo e, portanto, com o egoísmo (que está na raiz do capitalismo, desde Adam Smith) e a competição – vejam-se a quantidade de transmissões de esportes competitivos. Ora, a competição é antisocial por natureza, pois quando ela existe, sempre alguém ganha e alguém perde. Quem ganha fica contente, mas às custas da frustração de quem perdeu, o que é uma atitude antissocial. Pelo contrario, a cooperação sem competição é altamente social. As crianças e jovens deveriam se educadas para cooperar, e não para competir. Quem sabe assim conseguiríamos reverter a degradação social que estamos presenciando em todo lugar. Uma criança ou adolescente educados para cooperar enfrentarão sem problemas a competição quando forem adultos; isso aconteceu com meus 4 filhos. No entanto, terão desenvolvido sensibilidade social e compaixão, que são destruídos pela competição.
5.5 Medo e depressão
O medo induzido pela TV deve ser devido ao fato de esta transmitir prioritariamente tudo o que é negativo e violento. Como vimos no capítulo 4, fatos bons, calmos e agradáveis não são bem transmitidos, pois não incentivam emoções fortes como acidentes (principalmente os transmitidos durante o seu acontecimento), sofrimentos, tensões, brigas, guerras, etc.
Em relação às crianças, as transmissões pela TV de figuras grotescas (muito comuns em programas ditos 'infantis') e monstruosas, incluindo as dos bestiais desenhos animados, obviamente suscitam medo. Um exemplo típico é o dos dinossauros, especialmente os gigantescos. Nunca consegui compreender como pessoas, principalmente pais e mães, acham que esses dinossauros são apropriados para crianças. Eles são monstruosos, agressivos, enormes, verdadeiras realizações, na realidade passada anterior ao aparecimento físico da humanidade, daquilo que esta considerava antigamente como a imagem de apavorantes dragões. Se eles não mais induzem medo em uma criança, é por esta ter-se tornado inadequadamente insensível ao que é feio, monstruoso e apavorante, e isso vai influenciá-la pelo resto da vida.
Gerbner e Signorelli (1990) pesquisaram durante mais de 20 anos violência na TV em horários nobres e em desenhos animados, mostrando que "O consumo constante de programas de TV violentos faz com que tanto crianças como adultos encarem o mundo e outras pessoas como mais perigosos do que são na realidade." Eles denominam esse efeito de 'síndrome do mundo vil' (the mean world syndrome). Segundo eles, "Pessoas que veem 5 ou mais horas de TV diariamente são mais medrosas que as que veem 3 horas ou menos. Os que assistem muito a TV avaliam exageradamente mais facilmente a chance de que se tornem vítimas de crimes (com chance maior da que consta em relatório do FBI para crimes em seu próprio bairro). Essas pessoas tomam mais medidas de segurança que outras, como por exemplo viajar mais raramente de noite, ou aumentar os dispositivos de segurança em sua casa. Elas tomam mais cuidado, e veem o mundo nitidamente diferentemente de outras pessoas que não pensam que vão ser vítimas em cada esquina. A pesquisa mostra que a violência na TV deforma a maneira de se encarar a realidade e portanto a atitude e os valores das pessoas." Patzlaff (2000) chama a atenção para o fato de que, para pessoas que veem muita TV, os horrores, a violência e o desrespeito mostrados com grande frequência acabam por induzir uma mentalidade de que o mundo todo é daquele jeito, induzindo ao medo.
Conceitualmente, não é difícil entender por que a TV produz depressão: com seu uso, aumenta a chance de se ter excesso de peso e várias doenças, e de fumar (ver o item 5.2), bem como ter atitudes antisociais (ver 5.4). Certamente, todos esses fatores devem levar a aumento de depressão, devido à frustração que todos eles trazem. Em particular, um fator importante nesse âmbito é o isolamento social, que será abordado no item 5.13. Além disso, deve haver um efeito mais profundo: o telespectador está fazendo um lazer absolutamente improdutivo, sem substância humana, totalmente inútil; uma hora vendo TV é praticamente um buraco de uma hora na vida de uma pessoa – fora os prejuízos que ela causa. É muito provável que esses fatores provoquem, consciente ou inconscientemente, uma revolta contra essa atividade, o que pode levar à depressão. Esse fator pode ainda ser incrementado pela frustração de a pessoa não conseguir controlar-se, parar de assistir, ou ainda não conseguir deixar de ligar os aparelhos. Vou relatar aqui um caso pessoal. Um aluno, no começo de uma aula, disse-me: "Professor, fiquei tão impressionado com seus argumentos contra a TV na última aula, que resolvi não ligar o aparelho ao chegar em casa. Pois sabe o que aconteceu? Acabei ligando-o!" O ser humano é tanto mais humano quanto mais consegue controlar seus atos conscientemente; os animais são incapazes de fazer isso, pois controlam seus atos por instinto ou condicionamento, já que não podem pensar conceitualmente na consequência de seus atos. Essa verdadeira degradação da vontade pode ser mais uma causa de depressão. Finalmente, muitas pessoas que veem TV não tem capacidade econômica de adquirir os produtos que lhe são impingidos pela propaganda ou pelo merchandising, e certamente devem ficar frustradas com isso, o que poderia contribuir para a depressão.
5.6 Intimidação a colegas (bullying)
Uma das manifestações de agressividade induzidas pela violência na TV é a intimidação a colegas (bullying). Zimmerman et al. (2005) fizeram uma pesquisa constatando que "...o estímulo cognitivo, o apoio emocional e a exposição à televisão aos 4 anos de idade cada um independentemente associados com o fato de a criança ser considerada um intimidador (bully) no ensino fundamental, conforme relato das mães. Os dois primeiros fatores foram associados negativamente, e a TV positivamente, com a classificação de intimidador...Um aumento de um desvio padrão no número de horas de televisão vistas na idade de 4 anos é associado com um aumento aproximado de 25% na probabilidade de a criança ser descrita como um intimidador pela mãe nas idades entre 6 e 11 anos." Eles chamam a atenção para o fato de normalmente achar-se que apenas os programas violentos acabam produzindo o efeito de tornar a criança um intimidador. "No entanto, aproximadamente 60% dos programas de televisão contém violência, portanto o número de horas vistas de televisão provavelmente correlaciona com o número total de horas vistas de televisão violenta."
Certamente, o desrespeito assistido na TV, citado nos íntens 5.4 e 5.5, deve contribuir para a indução de desrespeito e portanto intimidação aos colegas. Esta deveria ser evitada pela compaixão em infringir um sofrimento a uma pessoa, mas como uma criança pode ter compaixão se se acostumou à violência transmitida pela TV? Em boa parte como vimos no capítulo 4, a TV Transmite a imagem de que violência não é punida.
5.7 Indução de atitude machista
Como foi descrito no capítulo 4, a TV dirige-se essencialmente para as emoções. Além da violência, o outro fator que mexe diretamente com os sentimentos é o erotismo. No entanto, observando-se os programas, vê-se que eles são dirigidos muito mais para a excitação erótica masculina do que a feminina. Basta observar a exploração que é feita, para homens, da imagem sensual da mulher. Quando aparece algum personagem masculino em atitude sensual, trata-se em geral de um modelo para os rapazes e homnes, como por exemplo na propaganda: bebendo-se isso ou comedo-se aquilo acaba-se tão bonito e sensual quanto o personagem. Tudo isso induz uma atitude machista, principalmente em crianças e adolescentes.
5.8 Dessensibilização dos sentimentos
Parece óbvio que o costume de ver muita violência na TV deixa a pessoa insensível à primeira. O mesmo se passa com osofrimento alheio. De tanto presenciá-los, tornam-se coisas banais.
Myrtek e Scharff (2000) fizeram uma pesquisa medindo a pulsação, constatando que o aumento da frequência cardíaca com as emoções era muito menor em pessoas que assitiam muita televisão. Com isso, eles concluiram que o consumo de TV produz uma diminuição nas reações emocionais, isto é, há um efeito de dessensibilização. Numa pesquisa de Molitor e Hirsh (1994), mostrou-se ou um vídeo com violência ou um sem violência a jovens, que depois presenciaram uma briga entre duas crianças. Os que viram antes o filme violento, mostraram mais tolerância frente a violência real. Anderson et al. (2003) trazem um ítem sobre dessensibilização e habituação, com várias outras referências.
Dessensibilização significa em boa medida uma insensibilidade para com osofrimento alheio, isto é, perda da capacidade de ter compaixão. Pode-se notar como criminosos tem agido com cada vez menos compaixão, talvez devida à influência dos meios eletrônicos, em especial a TV. O ja citado Centerwall (1992) fez uma comparação entre o aumento do número de aparelhos de TV instalados em uma região e o aumento do número de homicídios, tendo constatado que as curvas de ambos sobem em paralelo (obviamente, com escalas diferentes) com uma defasagem de 15 anos. Talvez a influência da TV em crianças redunde em um aumento de homicídios na idade adulta. Tenho certeza de que a eliminação de cenas violentas na TV, inclusive nos desenhos animados, iria diminuir drasticamente ja criminalidade.
Apesar de não ser o tema deste artigo, preciso aqui chamar atenção de que video games violentos (de longe os mais preferidos por ciranças e adolescentes) são muito piores do que a TV, pois neles o condicionamento não se dá somente pela imagem, mas também pela ação (em geral, matar) Aliás, a origem desse tipo de jogo eletrônico foi a dessensibilização de soldados do exército americano.
5.9 Indução de mentalidade de que o mundo é violento e violência não gera castigo
O estudo National Television Violence Study (Seawall 1997) concluiu que em 73% dos casos estudados de violência na TV os causadores sairam-se sem castigos. 58% de todos os atos de violência foram representados sem nenhuma consequência negativa em termos de danos ou dores. Somente em 4% dos casos foram apresentadas alternativas não-violentas para a solução de problemas. Comentando esses dados, Spitzer (2005) diz: "Crianças gravam o seguinte: Há muita violência no mundo, ela resolve problemas e não há nenhuma outra alternativa, ela não produz dor e nem consequências. Não acredito ser um acaso que a nação na qual suas crianças há muito tempo são sujeitas a maior violência na mídia, comporta-se politicamente como esta comportando-se atualmente." Ele cita um livro de R.H. Weiss (2000), onde se constatou que quase metade dos escolares (provavelmente na Alemanha) viu seu primeiro filme de horror ou de violência antes do décimo ano de vida (é possível que isso se refira a cinema; presumo que na TV isso passa-se muitíssimo antes - pelo menos no Brasil e nos EUA. No item 5,12 veremos que crianças só começam a realmente a distinguir fantasia de realidade aos 8 anos de idade, isto é, até la o mundo violento sem castigo apresentado pela TV é tomado como representando o mundo real.
5.10 Prejuizo para a leitura
Um observador culto e agudo como Neil Postman diz (1987): "A televisão não estende ou amplifica a cultura literária. Ela a ataca." Lembro-me de ter lido na Alemanha um comentário de jornal dizendo que a TV não tinha diminuido a procura dos livros, que se mantinha nos mesmos patamares. Mas o que o artigo não dizia era que o nível educacional médio da população alemã tem aumentado constantemente, de modo que a procura por livros deveria também ter aumentado. Mas passemos aos resultados das pesquisas objetivas, para voltarmos postariormente a considerações conceituais.
Um estudo muito elaborado de Koolstra, van der Voort e van der Kamp (1997) foi feito na Holanda, verificando que "ver TV exerce um efeito inibidor no desenvolvimento de compreensão de leitura em crianças...Os dados sugerem que o efeito inibidor da TV resulta parcialmente de uma redução no tempo de leitura (a hipótese do deslocamento), e parcialmente de um efeito negativo da TV nas atitudes das crianças para com a leitura (a hipótese da depreciação do valor da leitura." Comentando esse trabalho, Spitzer (2005) diz: "Quem vê muita TVk, não lê bem, não lê muito e, novamente, assiste mais TV." Ele cita um estudo muito rigoroso de M.Ennmoser (2003), no qual, com os dados de consumo de TV, as crianças foram divididas em 3 grupos: as que viam pouco (15 a 20 minutos diários), as que viam normalmente, (aproximadamente 1 hora por dia) e as que viam muito (mais de 2 horas diárias). Em termos de velocidade de leitura, o estudo mostrou que as crianças da primeira "a terceira séries que viam muita TV tinham bem menos capacidade.
Detectou ainda que o tempo de ver TV no jardim de infância prediz com confiança o temo de ver TV nas primeira a terceira séries. Além disso, o tempo de assistir TV no jardim de infância e na primeira série predizia negativamente a capacidade de leitura na primeira e nas terceira séries, respectivamente. Finalmente, as crianças que tem mais dificuldade na primeira série, também o tem na terceira. Salienta-se que nesse estudo comprovou-se que o nível social e o QI não influenciaram os resultados negativos da TV sobre a capacidade de leitura. Pelo contrário, crianças de níveis sociais mais privilegiados sofriam mais com o tempo de assistir TV na idade do jardim de infância. (Óbvio ululante: os pais desses níveis tendem a incentivar muito mais seus filhos e se estes vem muita TV, não há tanto tempo para esse incentivo ou outras atividades). Por outro lado, TV durante a idade do jardim de infância afetava mais negativamente as crianças com QI menor. Spitzer afirma a respeito desse trabalho: "Em termos claros, isso significa: TV tem efeitos indesejáveis sobre o aprendizado de leitura. Esse efeito depende da dose e não se apresenta somente a partir de 3 ou 4 horas diárias, mas com toda a clareza já com 2 horas. Não dá portanto na mesma, se no jardim de infância ou na escola elementar são assistidos 15 ou 120 minutos de TV."
Quem lê exercita seu pensamento lógico (lendo filosofia ou ciência) ou imaginativo (lendo romance ou poesia - esta, a arte mais "elevada"!).Quem vê TV não consegue fazer nada disso, e portanto esta cada vez mais prejudicando sua capacidade de pensar. Isso é ruim para adultos, mas é trágico no caso de crianças e jovens, que justamente deveriam estar desenvolvendo aqueles tipos depensamento.
5.11 Diminuição do rendimento escolar e prejuízo para a cognição
Spitzer (2005) traz um capitulo inteiro sobre a influência do tempo de ver TV no rendimento escolar, citando pesquisas que comprovam a correlação negativa entre os dois, isto é, quanto mais crianças e jovens veem TV, pior o seu rendimento escolar. Poarte dessas citações ja vimos no item anterior, sobre o prejuízo para a leitura. O estudo mencionado jo ja citado livro de Myrtek e Scharff (2000) comprovou que, quanto mais viam TV, pior eram as notas em alemão tiradas pelas crianças alemãs investigadas, entre 11 e 15 anos. Nesse estudo, foram eliminadas as influências de QI, leitura fora da escola, tempo de fazer deveres escolares em casa, e costume de leitura dos pais, Spitzer conclui: " A má influência da TV sobre as notas escolares não são explicadas pelo fato de que aquele que vê muita TV faz menos lições de casa e, portanto, vai pior na escola. Ao contrário, é a própria TV que tem efeitos negativos." Existem várias possíveis cuasa ara isso. Penso que uma das mais importantes é o costume imposto pela TV de se achar que o que náo é apresentado em forma de show agitado e excitante não é interessante (ver capítulos 2 e 4). Assim, as aulas parecer muito monótonas às crianças e jovens que assistem muita TV. De fato, no citado estudo de Myrtek e Scharff foi medida a pulsação cardíaca.
Esta, quando a pessoa não esta se movendo, mostra e demanda emocional. Eles comprovam que, durante as horas escolares, os alunos tinham aumentos menores de frequências cardíacas (quase a metade) do que vendo TV. O interessante é que os alunos diziam que a escola era estressante; no entanto, o estudo mostrou exatamente o contrário: a TV é que é estressante; a avaliação subjetiva foi nesse caso contrária à da objetiva.
Hancox, Milne e Poulton (2004) descrevem uma pesquisa lingitudinal na Nova Zelândia. Foram feitos levantamentos quanto ao tempo dedicado a ver TV dos 3 aos, 26 anos, a cada 2 anos até 15 e depois de cada 3 anos até 21, e o levantamento final aos 26. Inicialmente, os pais respondiam as perguntas, e depois dos 13 anos os próprios jovens respondiam. Foi feito o cálculo do tempo médio semanal de ver TV dos 5 aos 11 anos (infância) e, dos 13 aos 15 anos (adolescência). No fim do estudo, levandou-se o grau de escolaridade atingido aos 26 anos, numa escala de falta total de qualificação profissional, qualquer formação concluída no ensino fundamental (usando os padrões neozelandeses), formação a nível colegial e formação universitária.
Além disso, foram levantados em cada etapa dados socioeconômicos dos pais, o QI e problemas comportamentais das crianças e jovens. O resultado foi o seguinte: "... ver TV em excesso tem um provável impacto negativo no sucesso (achievement) educacional... as associações entre o tempo de ver TV e resultados educacionais foram fortes e independentes de influências conhecidas de inteligência, status socioeconômico e problemas de comportamento na infância." Isto é, os que viram muita TV entre 5 e 15 anos atingiram aos 26 anos em grau de formação significativamente menor do que os outros, independemente do QI e do rendimento familiar, que foram mantidos constantes na análise multivariada. Foi achada uma correlação positiva entre o consumo de TV aos 13 e 15 anos e o abandono da escola sem obtenção de qualquer diploma. Por outro lado, quanto meor o consumo de TV, maior foi a chance de obter um diploma universitário.
Interessante é que o consumo de TV influencia negativa e significativamente o grau de escolaridade atingido pelos que tem QI médio. Os de QI baixo não são influenciados significativamente pela TV (não obtendo, em geral, diploma universitário), e os mais dotados acabam terminando a universidade independentemente do tempo de ter visto TV. Assim, justamente os alunos de nível médio de QI, os que teriam alguma chance de completar os estudos se corretamente incentivados, são os mais prejudicados.
G.J Johnson e colaboradores (2007), em um trabalho mais recente, fizeram uma análise estatística em que jovens foram agrupados em 3 categorias: os que viam até 1 hora de TV por dia, 1 a 3 horas e 3 horas ou mais. Foram computados os níveis socioecnomicos dos pais, para se estudar se esse nivel tinha influência sobre a quantidade vista de TV. Foram ainda considerados os fatores de negligência dos pais (a partir de registros oficiais), problemas de atenção, se o jovem fazia ou não os deveres escolares e atitudes negativas deles em relação à escola. Seguem alguns trechos do artigo, pois as conclusões são extremamente relevantes. "Assistir TV em idade média de 14 anos foi associado com um risco elevado de ter dificuldades de atenção frequêntes, falha frequênte em completar tarefas escolares passadas para casa, achar com frequência que a escola é monótona, fracasso em completar o ensino médio, atitudes negativas em relação à escola (isto pe, ódio à escola), e fracasso na obtenção de formação posterior (p ex. escola técnica superior ou faculdade.)
Essas associações permaneceram significantes depois que os outros fatores foram controlados (isto é, permaneceram constantes)... O tempo de ver TV aos 14 anos (1) prevê (é um estimador, tem grande relação com) o fracasso acadêmico; (2) prevê problemas de atenção, baixo nível de conclusão de trabalhos escolares, e atitudes negativas em relação à escola; e (3) problemas de atenção, baixo nível de conclusão de trabalhos, e atitudes negativas sobre a escola preveem fracasso acadêmico posterior depois que o temo de ver TV aos 14 anos foi controlado estatisticamente." Além disso, "Ver TV na idade média de 14 anos prevê oi tempo de ver TV aos 16 anos e fracasso escolar posterior... Entre os jovens que viram menos que 2 horas de TV por dia na idade média de 14 anos, uma redução de uma ou mais horas por dia na idade média de 16 anos foi associada a uma diminuição de risco de fracasso escolar durante o ensino médio. O aumento aumento do tempo de ver TV foi associado a um risco elevado de fracasso escolar".
Os jovens que dos 14 aos 16 anos aumentaram seu tempo de ver TV por uma ou mais horas diárias tinham um risco maior de fracasso escolar. Os jovens que dos 14 aos 16 anos aumentaram seu tempo de ver TV por uma ou mais horas diárias tinham um risco maior de fracasso escolar. "Os resultados do presente estudo são consistentes com a hipóteses de que assistir TV frequentemente durante a infância e a adolescência pode estar associado com um risco elevado de desenvolvimento de problemas de atenção, níveis reduzidos de leitura e conclusão de trabalhos escolares, desinteresse pela escola, notas ruins, fracasso escolar e em obter uma formação superior... Esses resultados somam-se a um crescente corpo de evidências indicando que ver programas de entreterimento e os para público em geral durante a adolescência, pode estar associado com o risco de desenvolvimewnto de uma ampla gama de deficiência cognitivas e de comportamento que estão associadas com o risco de sucesso acadêmico a longo prazo." Em minha conceituação, os prejuizos de ver TV em idades menores são ainda maiores.
Há dezenas de anos venho afirmando que qualquer benefício dos meios eletrônicos para crianças e adolescentes (e também, em geral, para adultos), é ultrapassado infinitamente pelos prejuízos. Pois bem, os autores escrevem: "è importante notar que, apesar de existir evidência indicando que programas educativos podem ter efeitos positivos para o desenvolvimento congnitivo durante a infância, nossos resultados sugerem que os benefícios desses programas durante a infância podem ter a tendência de serem ultrapassados pela assistência frequente, durante a adolescência, de programas d entreterimento e dos dirigidos para o público em geral. A pesquisa tem mostrado que a maior parte das crianças gastam menos do que 10% de seu tempo de assistir TV vendo a TV educativa, e que assistir programas educativos diminui com a idade."
É interessante que os autores testaram estatisticamente os efeitos inversos: jovens com problemas de atenção e de comportamento, bme como rendimento escolar ruim, verem mais TV. "Os resultados sugerem que, apesar de jovens com problemas de atençao ou de aprendizagem poderem gastar mais tempo vendo TV que os jovens sem essas dificuldades, essa tendência pode provavelmente não explicar a preponderância da associação entre ver TV e dificuldades de aprendizagem durante a adolescência."
Parece-me que o prejuízo que a TV faz para o rendimento escolar e a cognição tem uma causa profunda: o abafamento que ela causa no pensar (ver o cap.3), e com isso vai prejudicando essa capacidade. Neil Postman afirmou (1999): "Ver televisão n~´ao só n~´ao requer habilidade alguma como também não aprimora habilidade alguma."
Quem sabe os que me ouvem ou leem desde há décadas e não deram importância as minhas advertências, especialmente em relação a seus filhos, passem a encarar o problema com maior seridade, agora que minhas conclusões conceituais estão sendo comprovadas cientificamente. Qeum sabe poderão agora interferir na educação de seus netos, evitando que eles também sejam bestificados pela TV.