Era 2019. Enquanto o mundo seguia seu curso normal, em laboratórios secretos da China, cientistas militares trabalhavam em algo que, anos depois, se tornaria um dos maiores mistérios da história moderna: ratos geneticamente modificados para ter pulmões semelhantes aos de humanos. O motivo? Testar a suscetibilidade desses pequenos roedores ao SARS-CoV-2, o vírus que viria a causar a pandemia de COVID-19.
A reveladora investigação da Vanity Fair trouxe à tona detalhes inquietantes sobre o projeto, apontando que 11 dos 23 coautores do estudo pertenciam à Academia de Ciências Médicas Militares da China. E, mais surpreendente ainda: os tais ratos humanizados foram criados no verão de 2019, poucos meses antes da explosão da pandemia. Coincidência? Muitos especialistas acreditam que não.
Ciência ou conspiração?
O Conselho de Segurança Nacional dos EUA investigou a origem do COVID-19 e encontrou indícios que reforçam a teoria do vazamento de laboratório. Mas ao levar as descobertas para outras agências governamentais, encontraram resistência. "Fomos dispensados. A resposta foi muito negativa", revelou Anthony Ruggiero, diretor sênior do Conselho.
E quem está no epicentro dessa polêmica? Shi Zhengli, virologista do Instituto de Virologia de Wuhan, apelidada de "Mulher Morcego" por sua expertise em vírus originários desses animais. Segundo a Vanity Fair, Shi testou ao menos dois novos coronavírus em camundongos humanizados nos últimos três anos. Ela nega qualquer envolvimento em pesquisas militares e insiste que o vírus não vazou de seu laboratório.
Mas um detalhe chama a atenção: em março de 2020, ela admitiu ter revistado freneticamente os registros do seu laboratório para procurar qualquer erro que pudesse ter contribuído para o surto global. E ao não encontrar ligação direta, suspirou aliviada: "Isso realmente tirou um peso da minha mente. Eu não tinha pregado o olho por dias."
Um jogo de sombras entre a China e os EUA
O Departamento de Estado dos EUA não deixou barato. Em janeiro de 2021, publicou um informativo acusando o Partido Comunista Chinês de obstruir "sistematicamente" uma investigação transparente sobre a origem da pandemia. No boletim, admitiram que o vírus poderia ter surgido naturalmente do contato humano com animais infectados, mas não descartaram a possibilidade de um acidente de laboratório. Afinal, o Instituto de Virologia de Wuhan tem colaborações e projetos secretos com os militares chineses desde pelo menos 2017.
A China, por sua vez, repudiou as acusações e chamou as declarações do então secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, de "cheias de falácias" e "a última loucura" do político.
O vírus veio mesmo de um laboratório?
Ainda não há uma resposta definitiva. Durante os primeiros meses da pandemia, pesquisadores de Harvard e Cambridge alertaram que a hipótese do vazamento não poderia ser descartada sem provas concretas. No entanto, 27 cientistas publicaram uma carta na revista The Lancet, condenando veementemente as "teorias da conspiração" que sugeriam que o vírus não tinha origem natural.
Mas será mesmo uma conspiração? Gilles Demaneuf, cientista de dados na Nova Zelândia, identificou quatro vazamentos laboratoriais relacionados à SARS desde 2004, sendo dois deles em um laboratório de Pequim. É um histórico preocupante.
Rodolphe de Maistre, especialista em laboratórios, apontou outro problema: apenas um dos laboratórios de virologia em Wuhan seguia protocolos de segurança rigorosos, exigindo trajes pressurizados. Os outros operavam em um nível de segurança equiparável ao de um consultório odontológico nos EUA, segundo a Vanity Fair. Um ambiente longe do ideal para manipular vírus potencialmente letais.
O que Fauci sabia?
O Dr. Anthony Fauci, principal assessor dos EUA durante a pandemia, também entrou nesse tabuleiro de xadrez. Vazamentos de seus e-mails mostraram que ele foi alertado, ainda no início da pandemia, de que o vírus poderia ter sido projetado em um laboratório. Publicamente, porém, minimizou a teoria.
O senador Rand Paul foi um dos mais críticos e acusou Fauci de omitir que o Instituto Nacional de Saúde dos EUA financiou pesquisas de "ganho de função" em Wuhan. Essa pesquisa altera geneticamente vírus para torná-los mais contagiosos e letais, o que poderia ser a chave para entender a evolução do SARS-CoV-2. Fauci, no entanto, negou envolvimento direto e afirmou que os EUA investiram apenas US$ 600.000 no projeto ao longo de cinco anos, um valor que, segundo ele, mal cobriria as despesas básicas do laboratório chinês.
Conclusão: mistério sem fim?
Ainda não temos a peça final desse quebra-cabeça. O que sabemos é que cientistas chineses, incluindo militares, modificaram geneticamente ratos com pulmões semelhantes aos humanos pouco antes da pandemia. Que houve resistência para investigar a fundo as origens do vírus. E que evidências apontam tanto para um salto natural do vírus para humanos quanto para um possível vazamento laboratorial.
A história ainda está sendo escrita. Mas uma coisa é certa: quando um mistério envolve laboratórios secretos, política internacional e um vírus que parou o mundo, a verdade pode ser mais estranha do que a ficção.