Se você já se sentiu exausto, desmotivado ou até mesmo "preso" ao seu trabalho, saiba que não está sozinho. Mas e se eu te disser que essa sensação de cansaço constante pode ser mais do que apenas um sintoma temporário? E se o trabalho estiver, literalmente, te matando? Sim, isso mesmo. Não é uma metáfora. Um dos maiores especialistas em gestão de pessoas no mundo, Jeffrey Pfeffer, professor da Universidade de Stanford, afirma categoricamente: “O trabalho está matando as pessoas... e ninguém realmente se importa.”
Parece alarmante? É porque é. Vamos explorar juntos como chegamos a esse ponto – e por que precisamos urgentemente repensar nossa relação com o trabalho.
A Realidade Cruel: Quando o Trabalho Torna-se um Assassinato Silencioso
Imagine trabalhar 75 horas por semana, com jornadas diárias de até 14 horas, enfrentando dois longos trajetos diários para chegar ao escritório. Agora imagine fazer isso sem folgas por 40 dias seguidos. Parece algo saído de um filme distópico, certo? Infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu com Kenji Hamada, um homem de 42 anos que morreu de ataque cardíaco enquanto estava em seu escritório em Tóquio. Seu caso é apenas um dos muitos exemplos coletados por Pfeffer em seu livro "Dying for a Paycheck" ("Morrendo por um Salário", em tradução livre).
Hamada era o reflexo de um sistema que valoriza produtividade acima de tudo – inclusive da vida humana. Segundo estudos citados por Pfeffer, cerca de 120 mil trabalhadores americanos morrem anualmente por causas relacionadas ao estresse no trabalho. Isso faz do ambiente corporativo a quinta principal causa de mortes nos Estados Unidos – talvez até maior, conforme especula o próprio autor.
Mas por que isso acontece? Para entender, precisamos olhar além das planilhas e gráficos. Estamos falando de vidas humanas sendo sugadas por um ciclo implacável de pressão, insegurança financeira e falta de controle sobre suas rotinas. Sabe aquela sensação de estar preso em um furacão onde tudo gira rápido demais e você não consegue acompanhar? Pois é. Para milhões de pessoas, esse furacão tem nome: trabalho moderno .
O Custo Oculto do Estresse Corporativo
Você provavelmente já ouviu falar de burnout – aquele estado de exaustão física e emocional provocado pela sobrecarga laboral. Mas sabia que ele tem um impacto muito maior do que simplesmente deixar alguém cansado? De acordo com dados compilados por Pfeffer:
- 61% dos trabalhadores americanos relatam que o estresse causou problemas de saúde;
- Cerca de 7% afirmam ter sido hospitalizados por causas diretamente ligadas ao trabalho;
- As empresas gastam aproximadamente US$ 300 bilhões por ano lidando com os efeitos colaterais dessa cultura tóxica.
E aqui no Brasil? A situação não é diferente. Nos primeiros nove meses de 2018, o INSS concedeu 8.015 licenças médicas relacionadas a transtornos mentais e comportamentais adquiridos no serviço – um aumento de 12% em relação ao mesmo período do ano anterior. Em números absolutos, isso significa que doenças como depressão e ansiedade estão crescendo rapidamente , impulsionadas por longas jornadas, baixos salários e a dificuldade de equilibrar vida pessoal e profissional.
Ah, e tem mais: esses custos não param nas fronteiras das empresas. Eles transbordam para toda a sociedade. Entre 2012 e 2016, os gastos públicos brasileiros com transtornos psicológicos e comportamentais somaram R$ 784,3 milhões – equivalente a 7% das despesas médicas do país. Ou seja, estamos falando de um problema que vai muito além do escritório.
Quem São os Responsáveis por Esse Caos?
Aqui vem a parte incômoda: quem deveria cuidar das pessoas – os empregadores e governos – frequentemente lava as mãos quando o assunto é saúde mental no ambiente de trabalho. Durante uma entrevista à BBC, Pfeffer foi categórico ao afirmar que "os empregadores são os responsáveis". Ele também aponta que os governos falham ao não regulamentar práticas abusivas.
Mas há outro culpado nessa história: nós mesmos. Ao longo das últimas décadas, internalizamos a ideia de que somos únicos responsáveis pelo nosso sucesso (ou fracasso). Termos como "empregabilidade" surgiram para culpar os indivíduos por qualquer revés em sua carreira. No entanto, como lembra Pfeffer, essa visão ignora um fato crucial: nem sempre é fácil simplesmente “trocar” de emprego , especialmente quando você está esgotado, doente ou estressado.
Outro fator importante é a mudança nas prioridades empresariais. Nos anos 1950 e 1960, líderes corporativos buscavam equilibrar os interesses de funcionários, clientes e acionistas. Hoje, porém, tudo gira em torno de um único objetivo: maximizar lucros para os acionistas . Resultado? Uma cultura de exploração extrema, onde trabalhadores são tratados como meros números em uma planilha.
Soluções Possíveis: O Que Podemos Fazer?
Se o cenário parece sombrio, a boa notícia é que existem caminhos para reverter essa tendência. Algumas empresas já começaram a implementar mudanças significativas. Por exemplo:
- Grupo Algar : A empresa adotou o programa Talento Flex, permitindo que seus 19 mil funcionários ajustem horários e locais de trabalho conforme necessário. Mulheres que antes abandonavam suas carreiras após a maternidade agora podem continuar trabalhando com flexibilidade.
- Hospital Alemão Oswaldo Cruz : Desde 2010, a instituição mantém um programa de bem-estar premiado internacionalmente. Com base em autoavaliações feitas pelos colaboradores, eles oferecem aulas de ioga, canto e até coaching de saúde. O resultado? Redução de 37% na média de pressão arterial e queda de 46% no tabagismo entre os funcionários.
Esses exemplos mostram que é possível criar ambientes de trabalho mais humanos e sustentáveis. Mas, para que isso aconteça em escala global, será preciso pressionar governos e empresas a adotarem políticas mais justas – incluindo limites claros para jornadas excessivas e incentivos para promover qualidade de vida.
Reflexão Final: É Hora de Repensar o Trabalho
Agora me diga: vale a pena trocar nossa saúde, felicidade e até vida por um salário? Claro que precisamos trabalhar para viver, mas até que ponto devemos sacrificar nosso bem-estar em nome de uma suposta "produtividade"?
Se quisermos construir um futuro melhor, precisamos começar a tratar pessoas como seres humanos, não como máquinas descartáveis. Como disse Pfeffer: "Só se cria valor oferecendo o melhor serviço por meio de melhores funcionários." E melhores funcionários só existem quando cuidamos deles – de verdade.
Então, da próxima vez que sentir o peso do trabalho sufocando você, pare por um momento e reflita: o que realmente importa? Talvez seja hora de exigir mudanças – tanto dentro quanto fora do escritório. Afinal, ninguém merece morrer por um salário.