Você já viu aquela cena em um supermercado: uma criança deitada no chão, gritando como se fosse o fim do mundo, enquanto os pais tentam acalmá-la? Ou talvez tenha sido testemunha de algo mais sutil, como uma criança jogando comida na parede ou batendo no braço da mãe porque não ganhou o brinquedo prometido. Parece dramático, mas essa realidade tem se tornado cada vez mais comum – e preocupante. O que está acontecendo com as crianças hoje em dia? Será que elas nasceram assim ou nós, adultos, estamos criando pequenos “monstros” sem perceber?
A resposta é complexa, mas envolve fatores sociais, econômicos e psicológicos. Para a psicóloga Laurema Suckow de Castro, uma geração de “crianças mimadas” está emergindo como reflexo direto de mudanças profundas na dinâmica familiar e na maneira como educamos nossos filhos. A ausência dos pais, o uso excessivo de tecnologia e a culpa parental são alguns dos ingredientes dessa receita problemática. Vamos mergulhar nesse tema espinhoso para entender melhor o que está acontecendo – e, claro, o que podemos fazer para reverter esse cenário.
Onde tudo começa: por que as crianças ficam mimadas?
Imagine a seguinte situação: você sai cedo para trabalhar e só volta para casa à noite, quando seu filho já está quase dormindo. Nos fins de semana, mal dá tempo de aproveitar momentos juntos porque há mil compromissos e afazeres acumulados. Como resultado, sentir-se culpado é inevitável. E, muitas vezes, essa culpa é traduzida em compensações: presentes caros, concessões desnecessárias ou até mesmo deixar de impor limites claros.
“Os pais modernos estão muito mais ausentes fisicamente, seja por conta do trabalho ou de outras responsabilidades”, explica Laurema. “Eles tentam compensar essa falta de tempo presenteando ou cedendo aos caprichos das crianças, o que acaba criando um ciclo vicioso.”
Esse ciclo funciona assim: os pais, sentindo-se culpados, abrem mão de estabelecer regras claras; as crianças percebem essa brecha e começam a explorá-la, testando os limites dos adultos; e, ao invés de corrigir o comportamento, os pais acabam reforçando-o, seja por medo de confrontar o filho ou por não querer ser visto como “mão pesada”.
Mas aí vem a pergunta que não quer calar: será que estamos confundindo amor com permissividade?
Limites: a palavra mágica que muitos pais esquecem
Se você perguntar para qualquer especialista em educação infantil qual é a chave para criar crianças emocionalmente saudáveis, a resposta será sempre a mesma: limites. Simples assim. Mas colocar limites não é tão simples quanto parece, especialmente quando estamos falando de crianças pequenas que sabem exatamente como pressionar os botões emocionais dos pais.
Laurema ressalta que uma criança mimada é, antes de tudo, alguém com baixa tolerância à frustração. “Ela não sabe lidar com um ‘não’ e, por isso, reage de forma desproporcional quando algo não sai do jeito que ela quer”, diz a psicóloga. Essa dificuldade de lidar com a frustração pode ter consequências sérias no futuro, desde problemas de relacionamento até dificuldades no ambiente escolar e profissional.
Mas por que muitos pais têm tanto medo de dizer “não”? Além da questão da culpa, há também o receio de constranger a família em público. Imagine estar em um restaurante e seu filho começar a berrar porque não pode comer sobremesa antes do almoço. É compreensível que os pais sintam vergonha, mas ceder só vai piorar as coisas. “A criança precisa aprender desde cedo que existem regras e que elas devem ser seguidas, independentemente do lugar onde está”, enfatiza Laurema.
O papel dos pais: não terceirize sua responsabilidade
Outro ponto importante destacado pela psicóloga é a tendência de muitos pais terceirizarem a educação dos filhos. Isso significa delegar a escola, babás ou especialistas a tarefa de ensinar valores e comportamentos básicos que deveriam vir de casa.
Um exemplo clássico disso é quando os pais rotulam seus filhos como “hiperativos” ou “desobedientes” sem antes investigar se o problema não está na própria dinâmica familiar. Claro, existem casos em que a criança realmente precisa de acompanhamento médico ou psicológico, mas muitas vezes o comportamento inadequado é apenas reflexo da falta de limites e estrutura.
“É importante diferenciar uma criança com necessidades especiais de uma criança sem educação”, alerta Laurema. “Na dúvida, busque orientação profissional, mas não use diagnósticos como desculpa para evitar conversas difíceis.”
Dicas práticas para lidar com birras e manhas
Chega de teoria! Vamos ao que interessa: o que você pode fazer AGORA para lidar com essas situações desafiadoras? Aqui vão algumas dicas práticas da psicóloga Laurema Suckow de Castro:
- Tenha controle da situação
Lembre-se: VOCÊ é o adulto aqui, e cabe a você decidir o que é melhor para a criança. Não entre em debates ou negociações intermináveis. - Seja firme (e consistente!)
Uma vez que você estabeleceu uma regra ou decisão, não volte atrás. Crianças precisam de previsibilidade para se sentirem seguras. - Não caia na armadilha do consumismo
Presentear demais é uma forma de compensação que, no longo prazo, faz mais mal do que bem. Invista em experiências e qualidade de tempo juntos, em vez de brinquedos e gadgets. - Estimule a independência
Dê tarefas adequadas à idade da criança, como arrumar os brinquedos ou ajudar a colocar a mesa. Isso ajuda a desenvolver responsabilidade e autoestima. - Faça combinados claros
Antes de sair de casa, explique as regras do passeio: nada de birra, nada de pedir doces ou brinquedos. Se as regras forem quebradas, haverá consequências – e você deve cumprir o que prometeu. - Fuja do drama público
Se a criança fizer birra em um lugar público, mantenha a calma. Ignore o olhar julgador dos outros e foque no que realmente importa: ensinar a criança sobre limites.
Reflexão final: amor não é bajulação
No fundo, todos nós queremos o melhor para nossos filhos. Queremos que eles cresçam felizes, confiantes e realizados. Mas será que estamos confundindo felicidade com conforto imediato? Será que estamos preparando nossos filhos para enfrentar o mundo lá fora ou apenas protegendo-os de qualquer desconforto momentâneo?
Criar limites não significa ser duro ou frio. Pelo contrário, é uma forma de demonstrar amor verdadeiro. Quando ensinamos nossos filhos a lidar com frustrações e a respeitar regras, estamos lhes dando ferramentas para viverem vidas plenas e equilibradas.
Então, da próxima vez que seu filho começar a fazer birra porque não conseguiu o que queria, respire fundo e lembre-se: você não está punindo seu filho ao dizer “não”. Está moldando o futuro dele. E isso, sim, é um ato de amor incondicional.