Medo do além: assim sepultavam os “vampiros” no século XVII

Medo do além: assim sepultavam os “vampiros” no século XVII

A "Vampira" do Século XVII: O Esqueleto Que Revela os Medos e Superstições de Uma Era Obscura. Era uma vez, ou melhor, há séculos atrás, em um vilarejo polonês chamado Pień , perto de Bydgoszcz, um segredo sepultado na terra resolveu vir à tona. Um esqueleto que, ao ser descoberto pelos arqueólogos da Universidade Nicolaus Copernicus, em 2022, deixou até os mais céticos com os cabelos em pé. Por quê? Bem... porque ele não era qualquer esqueleto.

O corpo em questão pertencia a uma mulher — talvez jovem, talvez velha, ainda não se sabe ao certo — cuja morte, lá pelo século XVII, foi cercada por algo muito além do luto. Foi envolta em medo, superstição e rituais macabros , como se o mundo não quisesse arriscar vê-la levantar-se de novo. Ela foi encontrada com uma foice presa ao pescoço . Isso mesmo! Uma foice, aquela arma de ponta curva tão típica das mãos da própria Morte, ali, cravada no pescoço do cadáver. Como se alguém, antes de fechar o caixão, dissesse: “Se essa moça resolver voltar, ela vai levar um belo susto e perder a cabeça de vez.”

E não para por aí.

No dedão do pé esquerdo da tal mulher, os pesquisadores encontraram um cadeado , simbolicamente fechado, como se fosse um selo final, um “não volta nunca mais” escrito em metal enferrujado. Algo que, hoje em dia, soa até dramático demais para ser verdade. Mas é.

A descoberta que assustou até os especialistas

Esqueleto vampira

“Este é um achado único. Nunca houve nada parecido antes”, afirmou Magdalena Zagrodzka , uma das integrantes da equipe que desenterrou esse passado sombrio. E não é pra menos. Na Polônia, onde o medo dos mortos-vivos já era coisa antiga, nunca antes havia sido encontrado um enterro assim: com foice no pescoço e cadeado no dedão .

Afinal, o que isso tudo significa?

Bem, segundo o professor Dariusz Poliński , líder do estudo, essas práticas eram comuns entre comunidades que temiam que certos indivíduos — muitas vezes rotulados como bruxas, hereges ou vampiros — pudessem retornar do outro mundo para assombrar os vivos. Só que, geralmente, os métodos usados eram brutais e diretos: cortar a cabeça, enterrar o corpo virado para baixo (para que mordesse o chão), queimar o cadáver ou esmagá-lo com pedras. Neste caso, porém, o ritual foi mais simbólico e elaborado.

“A foice não foi colocada na horizontal, mas posicionada no pescoço de tal forma que, se o falecido tentasse se levantar, provavelmente a cabeça teria sido cortada ou ferida”, explicou Poliński. Ou seja, o plano era simples: se ela ressuscitasse, ia morrer de novo — e dessa vez pra valer.

Um túmulo carregado de mistério

Mas o mais intrigante nisso tudo é que, apesar de todos esses sinais de proteção contra o sobrenatural, o corpo da “vampira” foi enterrado com cuidado e até luxo . Nada de jogar na cova sem cerimônia. Não. Ela teve direito a um gorro de seda — um tecido extremamente valioso naquela época — cobrindo sua cabeça. Um detalhe que faz pensar: será que ela era alguém importante? Uma figura respeitada, ou talvez temida por seu poder? Poliński comentou que essa combinação de cuidado e ritual anti-mortalha é incomum. “É como se a sociedade da época estivesse dividida: de um lado, queria prestar homenagem a alguém que possivelmente ocupava uma posição social elevada; do outro, tinha medo de que ela voltasse pra assombrar todo mundo.”

Como diz o ditado: “Manda flores, mas coloca uma foice no caixão”.

A Polônia e seus vampiros históricos

Essa não foi a primeira vez que restos humanos foram encontrados em condições suspeitas na Polônia. Pelo contrário. O país é conhecido por abrigar vestígios de um tempo em que o medo dos mortos caminhava lado a lado com a fé e a ignorância científica. Em 2008 , em Cracóvia, foram encontrados esqueletos com as cabeças decepadas. Em 2014 , em Kamień Pomorskie, um homem foi enterrado com um tijolo enfiado na boca com tanta força que arrancou todos os dentes superiores. Sua perna também foi perfurada, como se alguém quisesse garantir que ele não andaria mais — nem na vida eterna. E em 2015 , na aldeia de Drewsko, a cerca de 20 km do local onde a “vampira” foi encontrada, arqueólogos descobriram cinco esqueletos enterrados com foices encostadas na garganta. Entre eles, havia um homem adulto, uma mulher mais nova, outra mais velha, e até uma jovem de 14 a 19 anos. Todos, provavelmente, considerados ameaças pós-mortalhas.

Isso mostra que, embora o caso de Pień seja único pela presença do cadeado, o uso de foices nos enterros não era incomum . Era uma prática simbólica, mas real, que indicava que a pessoa em questão era vista como potencialmente perigosa após a morte.

Quem era essa mulher?

As perguntas continuam: quem era ela? O que fez para ser enterrada dessa forma? Teria sido acusada de bruxaria? De azarar os vizinhos? De curar doenças com ervas proibidas? Talvez tenha sido uma parteira, uma mulher sábia demais para o seu tempo, o que a tornava suspeita? Ou será que ela apenas morreu durante uma época de epidemia, quando o medo de contaminação e de espíritos malignos andavam soltos pelas ruas? Os arqueólogos estão analisando os ossos agora em Toruń, para descobrir mais sobre sua idade, saúde, causa da morte e até traços genéticos. Quem sabe, com exames de DNA, descubram de onde ela veio, se tinha parentes na região ou se sofria de alguma doença que poderia ter causado estranheza na época?

Um retrato cultural do medo

Esqueleto vampira ferro pescoço

Mais do que um achado arqueológico, essa descoberta é um retrato vívido de como o ser humano, em tempos de incerteza e falta de conhecimento científico, criava mecanismos para lidar com o desconhecido. O medo da morte, do sobrenatural e da volta dos mortos não era só uma questão religiosa ou supersticiosa. Era uma forma de tentar controlar o incontrolável . E, às vezes, isso se traduzia em rituais violentos, simbólicos ou até cruéis, como o da foice no pescoço. Afinal, como dizia o poeta: “Quando não se conhece a razão, inventa-se o mito”. E, no século XVII, naquelas terras frias da Polônia, a linha entre a realidade e o medo era tão tênue quanto a luz do sol num inverno longo e gelado.

Conclusão: A história que não quer calar

A “vampira” de Pień pode ter sido enterrada com um cadeado no pé e uma foice no pescoço, mas, ironicamente, ela conseguiu voltar — não fisicamente, mas através da história. Seu esqueleto, suas marcas e o contexto de seu enterro nos convidam a mergulhar numa época em que o medo falava alto, e onde o saber popular misturava-se ao terror noturno. É uma janela para o passado, que nos mostra como a mente humana sempre buscou formas de se proteger, mesmo daquilo que jamais viu.