Pinceladas de Alma: Poemas de um Artista em Palavras (Robson Alves Soares)

Pinceladas de Alma: Poemas de um Artista em Palavras (Robson Alves Soares)

NAMORADA

Lembro da tua geografia,

cuja chave para abrir

é um beijo sem pudores.

Lembro dos cômoros,

das reentrâncias mais sutis.

No entanto, a lembrança mais viva

é a do suspiro dos teus olhos.

 

COPO DE ESTRELAS

Guardei todos os recados que recebi

das curvas do caminho,

do acasalamento das folhas com o vento.

Arborizei minhas mãos

com as sementes do olhar,

distribuí os gomos das metáforas que enxertei.

Criei um relógio da lua,

onde os minutos escorrem

uma claridade suave e enamorada.

E, sempre que posso, tomo um copo

de estrelas cadentes diluídas no horizonte.

 

ÚLTIMO REFÚGIO

O corpo era seu último refúgio.

Cada parte dele onde cabia a angústia,

onde cabia lutar, onde achava

o lugar para fazer-se.

Nas entranhas e panturrilhas,

no cordão umbilical do abraço.

No estômago que enfrentava

o punho da fome.

No braço de erguer uma bandeira,

na voz que a sustentava.

Na raiva engolida, veneno

ou remédio do próprio corpo.

Nas palmas das mãos que aveludavam

as pétalas insinuadas.

No olhar olfativo que

reconhecia ervas ruins.

No cantinho das imaginações.

Nos pés que duvidavam do ir e vir,

na sofreguidão de voltar.

Nos joelhos às vezes tão enfraquecidos

e de dobradiças tão fáceis.

Na vigília sonolenta, no maquinário

de cerrar as pálpebras.

Na oficina de fazer o amanhecer.

Na morada ampla do amor.

Na memória que comparava,

previa ou tinha esquecido.

Era seu corpo, desmedido,

último refúgio, intransponível.

 

Poesia magica arvore

 

REINICIAR O MUNDO

Não planto amor-perfeito,

cuidando as fases da lua,

esperançoso e paciente

no "quem planta colhe".

Quero mesmo é teus seios

pedindo minha boca,

tua cavalgada de dona,

colher tua cintura,

reiniciar o mundo contigo.

 

SOMOS SETE

Somos sete irmãos

e temos uma pequena casa

de janelas abertas na residência do peito.

Nossas telhas vão

se enfeitando de algodão,

nosso endereço mútuo

vai sendo demarcado

pelo exercício dos abraços.

Somos sete cultivadores

de portas e nunca deixamos

de colher o sumo do sol nascente.

 

INFÂNCIA

A bola procurando a esquina do gol,

a gravidade abacateando a calçada,

o carpim grávido de bolitas.

Os vaga-lumes com meio watt

de quase impotência,

um quarto de lua, meio quilo de pão,

um cruzeiro (seria do sul?)

para as guloseimas do armazém.

Um rex para espantar o escuro,

uma Kombi devorando caminhos.

 

LICENÇA

Não se entra em uma

mulher pela porta.

É necessário abrir

as janelas dos olhos dela,

folhear sua inteligência,

deixar de lado os instrumentos

de abrir caminhos antigos.

Não se entra em uma

mulher pela chaminé,

em manobras natalinas.

É necessário abrir o carinho dela

com o vidro do nosso telhado,

compor a quatro mãos,

desnudar-se de norte.

 

Poesia magica campo

 

A RODA DO MUNDO

Eu girava a roda do meu mundo

em acelerada ladeira de mim mesmo.

A infância não tinha gravidade,

apesar de o chão puxar a gente

para o tombo que requeria mertiolate.

Tudo era presente, que desembrulhado,

virou este amanhã em que agora escrevo.

 

PASSEIO

Encontrou o braço,

subiu a colina do seio, afagou.

Deslizou o pai-de-todos,

descobridor de grutas,

pelo ombro dela.

Chegou na boca como quem,

perdido na noite, reencontra a casa.

Em uma assembleia improvisada

decidiram-se os dedos, após uma

argumentação do anelar,

que não fugia do compromisso,

ir até a região do colo,

entrocamento para toda a geografia.

Ao notarem o arrepio seguiram

até a gruta pré-histórica para colher mel.

 

ÚLTIMO TREM

Quando um dos nossos embarca

no trem sem levar bagagens,

somente com a passagem de ida,

atira um dormente de breu no peito da gente.

 

UM POEMA DE AMOR

Após eu colher teus seios

fizeste pra mim um poema

de amor entreaberto:

um pedaço de seda do teu colo,

da coxa, uma chuva que se anuncia.

Tens dedos geográficos,

pequenos animais de arrepio.

O amor está dito, as bocas confirmam.

Ávido, colho agora todas as tuas metáforas.

 

CRÔNICA DE OUTONO

Não sei distribuir pedras em alicerce,

sequer consigo desenvolver saberes

anteriores ao ferro, tais como fazer fogo,

pescar, engravidar a terra.

Consigo compor mosaicos de vento

e arborizar a infância.

Gosto de regressar, tecer pequenas razões,

carregar ternura na algibeira do corriqueiro.

Nasci numa rua larga, calçada de crianças.

 

POMAR

Meus amigos e amigas,

sei que a estrada é longa

e que por vezes o sol nos castiga,

mas na bica do horizonte se percebe

água em abundância e sombra.

Lembro quando tudo

era alegria despreocupada

na nossa urbanidade

com fortes traços rurais.

Nos divertíamos plantando

pandorgas para colher ventos,

atirávamos pedra dura na água mole,

enchíamos o papo das galinhas

de grão em grão e era lindo

ver a lua mergulhada numa poça

de água das chuvas passageiras.

Nos bergamoteávamos no inverno

e cada manhã de sol era primavera.

Um muro baixo, um bilhete,

uma janela curiosa, as comadres.

Minhas amigas e amigos,

ainda tenho os bolsos repletos

do pomar que repartíamos.

 

Poesia magica cidade

 

UM CHAMADO DO TEMPO

O dia já almoçou,

sesteia seus ímpetos agora.

O portão anuncia uma visita,

gente antiga pela demora

em percorrer o corredor.

O musgo do tempo

esverdeou a curiosidade.

Que lentidão, quem chega?

É a tua vó quem chega,

diz o relógio tic-tac-ando

novamente a infância.

 

A VIDA É A MINHA CASA

Dobrei muitas esquinas nessa vida,

tenho os bolsos abarrotados

destes encontros de ruas.

Agora, quando dobro a esquina da infância

sinto um abraço coletivo do mundo.

Não há dia em que o guri que fui

não esteja me esperando sentado

à beira de uma calçada com o Rex ao lado.

Rindo, um pouco tímido, o guri me pede:

"nunca esqueça de mim!"

 

INSTANTE ETERNO

Quero tua boca emprestada,

o lume do teu carinho

anoitecendo com luz suave

o instante que será só nosso.

Quero teus olhos, de mel puro,

desabotoando o meu querer,

tuas mãos fazendo mundos.

Quero ainda, numa ambição desmedida,

que nunca esqueças de mim.

 

O GURI E O CACHORRO

(para Robinho e Rex)

O guri e o cachorro eram

da mesma espécie: curiosos.

Abraçados ou rolando no chão,

eram bons amigos e bastava o silêncio

para se compreenderem mutuamente.

Mais evoluído, o cachorro sempre

perdoava primeiro alguma ofensa.

Mais afeito aos números,

era o guri que contava nas brincadeiras

de esconde-esconde.

Haviam sido quadrúpedes juntos,

mas por curiosidade em saber

o que tinha em cima da mesa

o guri tornara-se bípede.

À noite, ao ouvir o choro do novo bípede,

o cachorro, atento, ralhava com a escuridão.

 

NAMORADA

O beijo iniciava ao observar

o caminhar dela, seus trejeitos,

sustos, quando tocava no seu ombro.

Era um beijo que já havia sido falado,

doce, delicado, lua e flor.

Olhar no olhar, porta entreaberta.

Rufar de tambores no peito, pernas,

tato, olfato, na imaginação, no afeto.

Posse que não aconteceria,

por se tratar de entrega mútua.

 

Poesia magica juntos