De manhã, os aliados procuravam distinguir as silhuetas dos alemães contra o céu matinal e à tarde cabia aos alemães a vantagem da claridade, com suas trincheiras já escurecidas enquanto os aliados tinham o crepúsculo às suas costas. Durante o dia, franco-atiradores com fuzis de mira telescópica e observadores de artilharia em balões transformavam movimentações em algo perigoso, por isso havia pouca atividade nas trincheiras. O trabalho pesado acontecia quando anoitecia, aproveitando a dificuldade de observação por parte do inimigo causada pela escuridão.
Os períodos de lua cheia eram menos utilizados para trabalhos noturnos fora das trincheiras, pois a visibilidade ficava aumentada e era maior o número de mortos e feridos. Sentinelas em postos de escuta na Terra de Ninguém tentavam detectar patrulhas inimigas e grupos de trabalho inimigos enquanto os soldados cavavam galerias que se aprofundavam em direção à Terra de Ninguém ou rastejavam para fora de suas trincheiras a fim de consertar ou melhorar as cercas de arame farpado que faziam parte de suas defesas, além de tentar resgatar feridos de um ataque recente. No período noturno eram transportadas entre as trincheiras grandes quantidades de sacos de areia, esteiras de ripas, troncos de árvore, ferros, lonas e munição. Por isso, os homens aproveitavam o tempo ocioso durante o dia para dormir.
Os oficiais franceses tentaram manter alguns hábitos, como toalhas nas mesas e vinho durante as refeições. Os soldados alimentavam-se segurando marmitas nas mãos, sentados em degraus cavados na terra. Fornos ao ar livre na retaguarda assavam pães.
O tempo de permanência de um soldado nas trincheiras da linha de frente geralmente era breve, variando de um dia até duas semanas, até ser substituído por alguém das tropas de reserva. O 31º Batalhão australiano uma vez passou 53 dias na linha em Villers-Bretonneux (norte da França), mas durações prolongadas eram exceções. As unidades que permaneceram nas trincheiras da linha de frente por mais tempo foram as do Corpo Expedicionário Português, no norte da França. As tropas portuguesas receberam a responsabilidade de defender uma área grande em comparação ao seu efetivo de 45 mil homens e não havia militares em quantidade suficiente para fazer um revezamento entre tropas do mesmo país. Os navios ingleses que transportariam novas tropas de Portugal para a frente de batalha foram destinados ao transporte de alimentos, material bélico e tropas da Inglaterra para a França. Após prolongados períodos de tempo nas trincheiras, que chegaram a seis meses sem nenhuma licença em algumas unidades, o Comando do 1º Exército Britânico decidiu pela rendição das tropas portuguesas por tropas inglesas, mas no dia previsto para a troca, os alemães iniciam a grande ofensiva da primavera e atacam a região na Batalha de La Lys, entre 9 e 29 de abril de 1918, matando ou capturando os esgotados e desmoralizados militares portugueses.
O ano típico de um soldado britânico pode ser dividido da seguinte forma:
• 15% do tempo na linha de frente
• 10% do tempo na linha de apoio
• 30% do tempo na linha reserva
• 20% do tempo em trabalhos diversos
• 25% outros (hospital, dispensas, cursos de formação ou aperfeiçoamento, etc.)
Alguns setores da frente ocidental viram pouca atividade durante toda a guerra, tornando a vida nas trincheiras relativamente fácil. Outros setores estavam em um contínuo estado de combate. A região de Ypres era invariavelmente infernal, especialmente para os britânicos. No entanto, os setores tranquilos ainda acumulavam baixas diárias através dos atiradores de elite, fogo de artilharia, doenças e gás venenoso. Nos primeiros seis meses de 1916, antes do lançamento da ofensiva em Somme, os ingleses não se envolveram em qualquer batalha significativa neste setor e mesmo assim sofreram 107.776 baixas, entre mortos e feridos. Apenas 1 a cada 2 homens voltaria sem ferimentos das trincheiras.
Alemão morto numa trincheira - Passchendaele ( Bélgica )
O mal cheiro era intenso! As trincheiras eram impregnadas pelo odor dos corpos em decomposição de homens, cavalos e alguns animais domésticos como cães e gatos. Em períodos que batalhas se prolongavam por semanas ou meses, era impossível enterrar os mortos e os corpos permaneciam na Terra de Ninguém até o ponto de não serem mais identificáveis. Vez por outra uma turma de soldados saía rastejando de suas trincheiras à noite para jogar cal nos locais mais críticos. Nas épocas de calor moscas também eram atraídas pelos corpos em decomposição e tornavam-se novo fator de desconforto e transmissão de doenças nas trincheiras.
Os homens se esforçavam para criar atividades que mantivessem o moral elevado e diminuíssem a tensão. Escreviam cartas para familiares e amigos que, antes de serem enviadas, eram lidas pelos oficiais e parcialmente censuradas ou totalmente vetadas, dependendo do tom derrotista ou de informações que poderiam ser perigosas, caso repassadas ou interceptadas por algum espião.
Editavam e distribuíam pequenos jornais nas trincheiras e realizavam eventos desportivos como partidas de futebol, corridas de cavalos, torneios de boxe e competições de natação. Constituíam grupos teatrais que se apresentavam na retaguarda próxima das trincheiras, nas vilas, em celeiros ou barracas, com os mais jovens desempenhando os papéis femininos. Também eram apresentados espetáculos de danças típicas das regiões de origem de algumas tropas. Nas cidades e vilas próximas às linhas de trincheiras, eram comuns os bordéis, iluminados com luz azul para os oficiais e com luz vermelha para os destinados aos sargentos e soldados, usados nos períodos de folga durante a ausência de combates.
Time britânico de futebol com máscaras para gás ( 1916 )
Os sapadores e a guerra subterrânea
Os sapadores eram oficiais engenheiros militares, sargentos e soldados – geralmente mineiros – treinados para construção e reforço de trincheiras em locais mais complicados, com incidência de grandes pedras, terreno muito macio ou com lençóis de água.
Os sapadores se tornaram uma possibilidade de ataque no impasse causado pela grande força defensiva das trincheiras. Era deles a função de construir túneis que chegassem próximos às trincheiras inimigas para, preenchendo galerias próximas a elas com explosivos, destruir as trincheiras por baixo. Os sapadores acrescentaram mais uma tensão aos vigias. Além da morte vida por cima através dos fogos de artilharia, e pela frente em forma de gás venenoso, havia agora a possibilidade de morte vinda por baixo através de túneis com explosivos. Por conta da ação dos sapadores, os turnos de vigilância passaram a ser realizados obrigatoriamente em silêncio, para ouvir qualquer som – como vozes ou escavações – vindos abaixo dos pés ou próximos às trincheiras.
Na possibilidade da construção de um túnel inimigo próximo às suas trincheiras, cabia aos sapadores a construção de defesas com pedras, aço e concreto, além da possibilidade de pequenos túneis de defesa com explosivos para causar desmoronamento ou mortes na equipe inimiga. Aos oficiais sapadores cabia também o cálculo e orientação de ataques da artilharia a determinados locais no terreno, entre as trincheiras adversárias, visando causar o desmoronamento de possíveis túneis inimigos. A maior explosão de mina da guerra aconteceu na serra de Messines, ao sul da cidade francesa de Ypres. Sapadores britânicos, canadenses e australianos levaram seis meses para cavar 7 Km de túneis sob as trincheiras alemãs. 19 minas (pequenos túneis repletos de explosivos) haviam sido plantadas, com um total de quase 500 toneladas de explosivos.
Às 3:10 horas do dia 7 de junho de 1917, 17 das minas explodiram a um só tempo. “Parecia que a serra de Messines se erguera e se sacudia”, escreveu um capitão do real regimento de engenharia inglês. “Desde o começo o flanco da serra expeliu grande massa de escombros, lançada bem para o alto em forma de cogumelo. Pouco a pouco a massa foi se desintegrando, à medida que os gases liberados começavam a sair, em colunas de chamas. Então, ao longo da linha inimiga, surgiram rolos de fumaça com estranhas formas, expandindo-se como um monte de guarda-chuvas e cobrindo com um manto negro as crateras abertas no solo.”
Para os alemães que estavam na serra de Messines, o efeito foi de um cataclismo. Cerca de 10 mil morreram nas explosões ou soterrados, e mais 7 mil foram aprisionados. Para se ter ideia da intensidade das detonações, uma das explosões abriu uma cratera de 130 metros de diâmetro. Na manhã seguinte, o general-de-divisão inglês Charles Harrington entrou num abrigo próximo a esta cratera e encontrou “quatro oficiais alemães sentados em torno de uma mesa – todos mortos pelo choque. Talvez estivessem jogando bridge.”
Duas minas não explodiram. Uma detonou em 1955 durante uma tempestade – provavelmente atingida por um raio – e a outra permanece debaixo da terra até os dias de hoje, sem ter sido encontrada.
Uma estação de salvamento nas minas em Flandres, com um sapador pronto para o trabalho
Havia três maneiras de se construir trincheiras: entrincheirando, minando, e tunelamento.
• Entrincheirar era o processo onde um homem estaria na superfície cavando para baixo. Era o método mais rápido e fácil, permitindo a abertura de grandes áreas de trincheiras por muitas pessoas simultaneamente, no entanto deixava os escavadores expostos acima do solo e só podia ser realizado quando livre de observação, durante a noite ou numa área distante do inimigo. Não necessitava de qualificação técnica por parte dos executantes, bastando a orientação de alguns oficiais.
• Minar era uma atividade desenvolvida pelos soldados sem qualificação, com ajuda de sapadores em regiões de terreno alagado ou rochoso. Envolvia cavar galerias em direção ao inimigo, a partir da parede de uma trincheira já construída. Ao chegar a uma determinada distância estas galerias direcionavam-se para os lados. Os escavadores permaneciam protegidos dos tiros diretos durante a construção, portanto os trabalhos podiam ser realizados durante o dia e à noite, mas eram percebidos pelos vigias aéreos desde o início dos trabalhos, sendo vulneráveis aos ataques aéreos e de artilharia. A construção desse tipo de trincheira era mais demorada por conta da limitação do pessoal trabalhando por vez numa área (geralmente duas pessoas cavando uma ao lado da outra) e pelo trabalho de remoção da terra para a parte traseira das escavações.
• Tunelar era uma atividade desenvolvida exclusivamente pelos sapadores, que consistia na escavação de túneis subterrâneos pouco profundos, que subiam lentamente em direção ao inimigo até um determinado ponto previamente calculado, onde se detinham e começavam a se estender para os lados. Somente depois de atingida a extensão desejada, retirava-se a terra da parte de cima até a superfície na área para as novas trincheiras. Era, portanto, uma trincheira cavada de baixo para cima. Geralmente a terra que constituía o teto era retirada no início da noite, permitindo aproximadamente doze horas de intenso e silencioso trabalho para consolidar a posição antes que observadores inimigos em balões ou aviões avistassem a nova trincheira durante o início do dia e ataques de artilharia e aviação inimigas fossem realizados no local para dificultar ou impedir a consolidação do novo terreno.
Esta atividade era demorada devido à necessidade de reforçar o túnel de acesso para evitar desmoronamentos ao longo de sua construção e pelo trabalho de remoção da terra para a parte traseira das escavações, requerendo pessoal especializado. Tal técnica era usada para conquistar terreno em regiões próximas das trincheiras inimigas e dentro do alcance dos fogos de metralhadora.
O campo de batalha de Flandres, na Bélgica, apresentou inúmeros problemas para a prática da guerra de trincheira, especialmente para os britânicos e canadenses, que muitas vezes eram obrigados a ocupar um terreno baixo. O bombardeio pesado rapidamente destruiu a rede de valas e canais de água que tinha drenado anteriormente esta área de baixa altitude. Na maioria dos lugares, o lençol freático (água subterrânea proveniente de chuvas, rios, lagos e derretimento da neve) estava apenas a um metro ou mais abaixo da superfície, o que significa que qualquer trincheira cavada rapidamente inundava.
Consequentemente, o piso de muitas trincheiras em Flandres era constituído por diversas camadas de sacos com barro e por fim terra, dispostos acima do solo, com as paredes instáveis maciçamente reforçadas com sacos de areia escoradas por madeira ou trilhos. O lado de trás da trincheira era pouco escavado para evitar grande acúmulo de água, expondo assim a parte traseira da vala aos estilhaços da artilharia e ao fogo a partir da linha de reserva, no caso da trincheira ser tomada pelo inimigo.