O pesquisador dos fenômenos que a ciência ignorou

O pesquisador dos fenômenos que a ciência ignorou

Charles Fort: O Explorador do Inexplicável e o Pai do Realismo Fantástico. Há pessoas que passam a vida inteira sem nunca olhar para o céu com curiosidade. Outras encaram o mundo com os olhos fixos no chão, como se tudo já estivesse explicado, mapeado e dominado pela razão. Mas há aquelas raras almas que ousam duvidar — que sentem um frio na barriga ao ouvir relatos de chuvas de sanguessugas, de redes desenroladas do alto das nuvens ou de pedras esverdeadas caindo com trovões.

Charles Hoy Fort foi uma dessas figuras corajosas e teimosas que resolveram mergulhar no caos do desconhecido. E não apenas isso: ele catalogou, fotografou, investigou pessoalmente e transformou tudo isso em ciência... ou algo muito próximo disso.

Quem era Charles Fort?

Charles Fort

Charles Hoy Fort nasceu em 1874, em Albany, Nova York, dentro de uma família próspera e tradicional. Mas logo cedo, o jovem Fort demonstrou que não era feito para a rotina pacata da classe média americana. Aos 18 anos, largou tudo e partiu em busca de experiências reais, longe dos livros e das convenções sociais. Viajou pelos Estados Unidos, cruzou a Europa e pisou em terras africanas. Trabalhou como marinheiro, vendedor ambulante, jornalista free-lancer e até como correspondente internacional — mas seu verdadeiro ofício, aquele que o tornaria imortal, era colecionar mistérios.

Durante suas andanças, Fort anotava tudo — folclore local, superstições antigas, histórias de aparições, objetos caídos do céu, criaturas estranhas avistadas nos bosques mais densos. Quando retornou aos EUA, já com quase 30 anos, casou-se com Anna Filling e começou a escrever romances de ficção científica. Mas sua obsessão pelo estranho crescia a cada dia. Ele passou a reunir notícias de todo o mundo sobre fenômenos inexplicáveis, acumulando um acervo impressionante de mais de 60 mil registros , incluindo:

Chuvas de animais (sapos, peixes, morcegos);
Desaparecimentos inexplicáveis;
Aparecimentos de seres luminosos;
Objetos voadores não identificados;
Civilizações perdidas;
Pedras de raio;
Redes gigantes descendo do céu;
Teletransporte de pessoas;
Contatos alienígenas.

Essas informações foram publicadas em seu fanzine caseiro chamado Science and the Unknown ("Ciência e o Desconhecido") e depois compiladas em livros que fizeram história.

O Livro dos Danados – Uma Revolução Silenciosa

Em 1919, Fort lançou seu primeiro grande livro: The Book of the Damned (O Livro dos Danados ). Um título provocativo, que fazia referência aos "fatos danados" — aqueles rejeitados pela comunidade científica por não se encaixarem em teorias aceitas. Nesse livro, Fort não só apresentava casos intrigantes como também desafiava cientistas a oferecer explicações plausíveis para eles. E ninguém aceitou o desafio.

Entre os muitos mistérios abordados, Fort falava de pedras que caíam do céu durante tempestades — as famosas “pedras de raio”. Enquanto a ciência oficial ignorava esses fenômenos como invenções camponesas, Fort via neles sinais de comunicação cósmica. Segundo ele, poderiam ser mensagens de civilizações extraterrestres ou mesmo fragmentos de realidades paralelas. Em uma fazenda em Minas Gerais, uma dessas pedras foi encontrada enterrada no pé de uma árvore — exatamente como os camponeses relatavam. No Paraná, um açougueiro usava uma delas como peso para segurar papéis no balcão.

“Creio que nos pescam, mas apenas menciono de passagem.”
— Charles Fort, O Livro dos Danados

Era essa a marca registrada de Fort: dizer coisas absurdas com a tranquilidade de quem está falando do tempo. Em outra passagem, ele especula que enormes redes invisíveis desceriam dos céus à noite, capturando humanos ou observando-nos como insetos em uma redoma. Coincidência ou não, há relatos reais de três rapazes que, dirigindo por uma estrada deserta no interior, viram uma rede imensa baixando do céu, tão baixa que tiveram que abaixar a cabeça dentro do carro para evitar que ela batesse no vidro. Pouco depois, desapareceu no ar como se tivesse sido recolhida por mãos invisíveis.

Viagem ao Centro do Estranho

Nos anos seguintes, Fort continuou a expandir seus estudos. Publicou outros livros importantes, como New Lands (“Terras Novas”, 1923), onde explorava lendas de cidades perdidas — inclusive algumas no Brasil, que ele imaginava ocultas no coração da selva amazônica. Em Lo! (1931), ele tratava de fenômenos como teletransporte, telepatia e contatos extraterrestres. Já em Wild Talents (“Talentos Selvagens”), ele mergulhava fundo no campo da parapsicologia, estudando médiuns, possessões e manifestações poltergeist. Fort era um cético convicto, mas não dogmático. Dizia-se disposto a mudar de opinião se provas concretas fossem apresentadas. Sua mente era aberta, mas seu olhar era afiado. Ele sabia diferenciar um embuste de uma anomalia genuína. Por isso, seus textos eram ricos em detalhes, fotos, mapas e testemunhos diretos. Ele ia aos locais, entrevistava as pessoas e, às vezes, recriava os eventos para entender melhor o que teria acontecido.

O Legado de um Homem Antecipado

Charles Fort morreu em 1932, vítima de uma doença misteriosa — hoje acredita-se que tenha sido leucemia. Mas sua morte não silenciou sua voz. Pelo contrário: seus escritos começaram a circular entre grupos de pensadores, pesquisadores e artistas. Surgiu então a Sociedade dos Amigos de Charles Fort , ou Sociedade Forteana , um grupo informal de estudiosos e curiosos dedicados a investigar o desconhecido com método científico e espírito aberto. A Sociedade Forteana ainda existe hoje e é mais ativa do que nunca. Seus membros estão espalhados pelo mundo, frequentam fóruns online, participam de conferências e mantêm blogs especializados. Muitos dos temas que Fort tocou — como vida extraterrestre, conspirações governamentais, civilizações pré-históricas e fenômenos paranormais — são hoje objeto de séria investigação, tanto por ufólogos quanto por historiadores alternativos.

Charles Fort no Mundo dos Mitos

Alguns chegam até a sugerir que Fort inspirou personagens famosos de literatura fantástica, como Jackson Elias, o investigador do Mythos de Cthulhu criado por Sandy Petersen para a aclamada campanha "Masks of Nyarlathotep" . Há quem diga que Fort teria encontrado pistas do Mythos em suas viagens como marinheiro — lendas de Profundos, cultos antigos, rituais sangrentos e até vislumbres de entidades cósmicas como Cthulhu.Durante sua estadia em Londres, próxima ao Museu Britânico, Fort teria acesso a manuscritos raros e possivelmente até a versões do Necronomicon , o infame livro proibido de Abdul Alhazred. Embora isso soe como pura ficção, é interessante imaginar que alguém com a genialidade e a audácia de Fort poderia ter realmente se deparado com conhecimentos ancestrais e perigosos. Se ele soube ou não do Mythos, isso depende do olhar de cada um. Para alguns, Fort era apenas um excêntrico colecionador de bizarrices. Para outros, ele era um pioneiro que ousou abrir portas que a ciência convencional nem sequer reconhecia existirem.

O Realismo Fantástico de Charles Fort

Fort definia seu estilo como realismo fantástico — uma forma de narrar o mundo real, mas onde o extraordinário convive com o cotidiano. Ele escrevia como um repórter de outro universo, onde meteoritos carregam mensagens codificadas, onde redes descem do céu durante a madrugada e onde a vida talvez seja apenas parte de um cardápio intergaláctico.

Ele costumava dizer:

“Caem pedras com o raio. Os camponeses do mundo inteiro acreditaram nos meteoritos, a ciência excluiu-os. Os camponeses acreditam nas pedras de raio, a ciência exclui. É inútil sublinhar que os camponeses percorrem os campos, enquanto os cientistas se encerram nos seus laboratórios e nas salas de conferências.”

Frase que resume toda a filosofia de Fort: a ciência tem limites; o mundo, não.

Conclusão: O Homem que Procurou o Impossível

Charles Fort não foi louco. Nem visionário. Nem charlatão. Ele foi simplesmente alguém que resolveu olhar para o mundo com os próprios olhos, sem medo de duvidar, sem vergonha de questionar e sem preguiça de buscar respostas. Ele acreditava que a humanidade só seria verdadeiramente livre quando compreendesse todos os mistérios do universo — inclusive aqueles que parecem ridículos ou impossíveis. Hoje, centenas de livros, filmes, documentários e teorias são herdeiros diretos do trabalho de Fort. E mesmo que você nunca tenha ouvido falar dele, pode ter certeza: suas ideias estão por aí, espreitando entre as páginas de revistas sensacionalistas, nos comentários de vídeos no YouTube, nos roteiros de séries de TV e até nos discursos de cientistas que ousam pensar fora da caixa. Charles Fort nos deixou um legado precioso: a coragem de duvidar, a humildade de admitir que não sabemos tudo e a infinita capacidade de se maravilhar diante do desconhecido.