Geraldine Cummins: Entre o Visível e o Invisível, a Vida de uma Médium que Intrigou o Mundo. E se você acordasse um dia com a cabeça cheia de vozes? Não aquelas do dia a dia — as de cobranças, lembranças ou até mesmo os sussurros da ansiedade. Não. Estamos falando de vozes que não são suas, que vêm de outro tempo, outra dimensão... talvez até de outro mundo. E o pior (ou melhor): elas querem escrever. Através de você. Com pressa.
Pois é exatamente isso que aconteceu com Geraldine Cummins, uma jovem irlandesa cuja vida simples no início do século XX virou de cabeça para baixo quando ela começou a ouvir “o outro lado” — e, mais do que isso, a escrever o que eles ditavam.
De Cark à Imortalidade: Uma Jornada que Começou Sem Querer
Nascida em 24 de janeiro de 1890, em Cark, Irlanda, Geraldine era filha de um médico e professor renomado, Ashley Cummins. Sua educação foi modesta, mas seu espírito aventureiro a levou a viajar bastante, algo incomum para uma mulher daquela época. Ela era escritora elegante, jogava tênis como ninguém e parecia equilibrar corpo e mente com uma graça quase zen. Mas quem diria que essa moça culta e esportiva carregava dentro de si um canal direto com o Além? Sua mediunidade só despontou em dezembro de 1923, durante sessões com sua amiga Miss E. B. Gibbes. No começo, tudo era lento, suave, quase tímido. Mas logo... a escrita automática começou. E com ela, veio a velocidade impressionante das palavras. Em março de 1926, por exemplo, Geraldine psicografou 1.750 palavras em pouco mais de uma hora. Era como se alguém estivesse ditando sem parar, num ritmo alucinante, e ela apenas seguisse o compasso.
Os Escritos de Cléofas: Um Romance Histórico ou uma Mensagem Sagrada?
Foi em 1925 que tudo mudou. Uma entidade chamada “O Mensageiro” começou a ditar textos sobre os primórdios da Igreja cristã. Geraldine entrava em transe leve, o lápis corria sozinho pelo papel, e em questão de horas surgiam centenas de páginas com detalhes históricos, geográficos e teológicos surpreendentes. Os textos ficaram conhecidos como “Os Escritos de Cléofas” , supostamente uma crônica complementar aos Atos dos Apóstolos. Segundo a mensagem, Cléofas teria sido um discípulo de Jesus, aquele que caminhou com ele em Emaús após a ressurreição. O conteúdo era tão rico que chegou a ser comparado a documentos bíblicos antigos — com menções precisas a cidades, costumes, termos aramaicos e até mesmo eventos obscuros da história judaica.
A primeira edição do livro esgotou em cinco meses na Inglaterra. Revistas esotéricas, jornais religiosos e até periódicos científicos começaram a discutir a origem dessas mensagens. Seria inspiração? Fantasia? Ou realmente comunicação com o outro lado?
O Ceticismo Virou Testemunho
Muitos foram ao encontro de Geraldine com intenções duvidosas — alguns, para desmascarar; outros, para entender. Mas o que encontraram foi uma mulher sincera, humilde e nada interessada em fama. Alguns dos visitantes eram teólogos, historiadores, padres, pastores e até membros das Sociedades de Pesquisas Psíquicas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Um deles, o reverendo Jon Lamond, deixou registrado em Psychic Science (1929):
“Quem quer que seja o autor destas ‘crônicas sacras’, elas não são, certamente, o produto da mentalidade subconsciente da Srta. Cummins.”
Já o Cônego H. Bickerstett Ottley, inicialmente cético, terminou suas análises reconhecendo o valor inestimável dos escritos para a apologética cristã:
“Tive o ensejo de assistir pessoalmente à produção da mensagem confiada à Srta. Cummins... Hoje reconheço que ‘Os Escritos de Cléofas’ trazem uma contribuição de importância suprema.”
Até mesmo Miss Gibbes, confidente e companheira de sessões, testemunhou:
“Esses escritos contêm numerosos incidentes e episódios que, considerando o grau de cultura da médium, são literalmente inexplicáveis.”
Era difícil negar: havia algo ali. Algo maior.
Paulo em Atenas, Éfeso e a Estrada da Imortalidade
Após o sucesso de Cléofas, vieram outros livros. Em 1930, “Paulo em Atenas” retomou a narrativa com novas revelações sobre o apóstolo dos gentios. Depois, “Os Grandes Dias de Éfeso” , em 1933, mergulhou nas tensões e transformações sociais da Igreja primitiva. Mas o mais polêmico foi “A Estrada da Imortalidade” , publicado em 1932, assinado pelo Espírito Frederich W. H. Myers , filósofo e pesquisador britânico falecido em 1901. O livro trazia reflexões profundas sobre a evolução do espírito humano através das eras. Sir Oliver Lodge, físico e pesquisador do paranormal, prefaciou a obra dizendo:
“Creio que se trata de uma tentativa genuína de transmitir aproximadamente verdadeiras ideias, através de um amanuense razoável de educação, caracterizada pela pronta disponibilidade de serviço dedicado, transparente e de honestidade.”
Se era Myers de fato ou não, ninguém pode provar. Mas os conteúdos, ricos e complexos, continuavam a atrair atenção mundial.
Fawcett, a Selva e a Atlântida Perdida
Em 1936, porém, Geraldine deu uma guinada radical em sua carreira mediúnica. Dessa vez, não eram mais espíritos de apóstolos ou filósofos. Era Percy Harrison Fawcett , um explorador inglês desaparecido no Brasil nos anos 1920 enquanto procurava a mítica cidade perdida X, possivelmente remanescente da civilização atlante. Fawcett havia ganhado uma estranha estátua de pedra negra, supostamente originária do Brasil. Após consultar médiuns, convenceu-se de que era parte de uma cultura ancestral, sobrevivente da Atlântida. Veio ao Brasil, comprou mapas antigos, organizou uma expedição com seu filho Jack... e sumiu no Mato Grosso. Mais de uma década depois, Geraldine afirmou estar recebendo mensagens dele — ainda encarnado, mas gravemente enfermo. Ele teria encontrado relíquias atlantes e dado detalhes sobre ruínas perdidas. As comunicações duraram quatro meses, e então cessaram abruptamente.
Em 1948, o coronel voltou a se manifestar — agora como espírito desencarnado. E em 1955, Geraldine publicou “O Destino do Coronel Fawcett” , um livro que mistura relatos de além-túmulo, memórias de expedições e até descrições de templos subterrâneos.
Alguns acharam sensacionalista. Outros, fascinante.
Incognoscível Adventures e Outras Vozes do Além
Nos anos seguintes, Geraldine lançou mais obras. Em 1951, “Incognoscível Adventures” , com elementos autobiográficos e visões filosóficas sobre a existência. Em 1957, ela relatou ter recebido comunicações do espírito Winnifred Coombe-Tennant , sob o pseudônimo de Mrs. Willett , resultando em 40 manuscritos. Com o tempo, porém, a aceitação crítica diminuiu. Enquanto os primeiros trabalhos tinham o aval de estudiosos como Ernesto Bozzano, os posteriores careciam dessa chancela. Críticos passaram a questionar a autenticidade das novas comunicações. Seria Geraldine uma médium genuína, canalizando vozes reais do outro lado? Ou seria uma inconsciente criadora de mitos, moldando histórias a partir de seu vasto inconsciente e leituras dispersas?
A Verdade? Talvez Esteja Entre Linhas...
Hoje, décadas após seu desencarne em 24 de agosto de 1969, Geraldine Cummins ainda divide opiniões. Para uns, foi uma mentirosa talentosa. Para outros, uma das maiores médiuns da história. O certo é que, seja qual for a explicação — mediunidade real, intuição genial ou hiperatividade do subconsciente —, suas obras carregam um peso emocional, histórico e simbólico que não podem ser ignorados. E se, por acaso, você folhear “Os Escritos de Cléofas” ou “A Estrada da Imortalidade” , talvez ouça, entre as linhas, um sussurro...
"Estou aqui. Escrevi através dela. E volto sempre que alguém me escuta."