2017 - Envolta em uma faixa de seda carmesim fixada no teto, Jennifer Bricker, de 30 anos, eleva-se até a altura desejada, girando em sintonia com a música. Inclinando a cabeça para trás, estende os membros robustos e oscila pendurada pelo pescoço — um movimento ainda mais notável dada a ausência de suas pernas. No entanto, a acrobata, trapezista e ginasta jamais permitiu que tal circunstância a paralisasse. Aos 11 anos, já se destacava como campeã na ginástica, esporte pelo qual se encantou ao testemunhar Dominique Moceanu conquistar uma medalha de ouro olímpica para os Estados Unidos em 1996. No entanto, desconhecia que ambas compartilhavam mais do que o talento atlético. Jennifer foi adotada por Sharon e Gerald Bricker quando ainda era um ...
bebê de poucos meses, exibindo grandes olhos castanhos, um sorriso radiante e abundante energia. Diante da sugestão do médico de transportá-la em um tipo de balde, o casal recusou a ideia. A pequena logo aprendeu a locomover-se — andar e correr — utilizando as mãos e o quadril. Cresceu destemida, escalando árvores e saltando no trampolim com seus três irmãos mais velhos. "Eles me encorajavam a saltar de todos os lugares, e as pessoas ficavam apreensivas", relata.
Aos três anos, Jennifer recebeu próteses para as pernas, mas optava por não utilizá-las, movendo-se com mais destreza sem o auxílio delas. Na escola, participava entusiasticamente de todos os jogos com bola. "Eu me envolvia como qualquer outra pessoa", afirma Jennifer. "Meus pais não me tratavam de maneira diferente, e por isso, eu não tinha consciência de ser única. Sabia que não possuía pernas, mas isso jamais me impediu de seguir meus desejos."
Sharon e Gerald Bricker sempre abordaram abertamente o tópico da adoção. "Eu tinha conhecimento de que era originária da Romênia e que provavelmente fui colocada para adoção por não ter pernas", relata Jennifer. Os pais adotivos também incentivaram-na a compreender sua família biológica, composta por imigrantes romenos que a entregaram para adoção no momento de seu nascimento. "Não temos conhecimento das circunstâncias da vida deles. Eles eram de um país distinto e tinham uma mentalidade diferente", comunicavam à menina. Simultaneamente, buscavam proporcionar-lhe uma sensação de amor e pertencimento. Jennifer cresceu em uma cidade pequena no estado de Illinois, nos Estados Unidos. A primeira vez que teve contato com alguém proveniente da Romênia foi através da televisão, durante os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996.
Ela apreciava assistir à equipe de ginástica feminina dos Estados Unidos, especialmente uma atleta: Dominique Moceanu, que na época tinha 14 anos. A diferença de apenas seis anos entre elas e o fato de Dominique ser, como recorda Jennifer, "muito pequena", a cativaram. "Fui atraída por ela porque éramos semelhantes, e isso tinha uma grande importância para mim", reflete Jennifer hoje. "Ninguém acreditava que eu estava crescendo. Não tinha conhecido outros romenos. Eu me via nela de várias maneiras, o que tornava aquilo extremamente significativo para mim."
Dominique Moceanu e a equipe feminina dos Estados Unidos conquistaram uma medalha de ouro olímpica, momento que inspirou Jennifer a seguir o caminho da ginástica. Jennifer dedicou-se aos movimentos acrobáticos, mantendo a determinação de não receber concessões devido à sua deficiência. Ela afirma: "Quando participo de uma competição, sei que é sério". Jennifer recorda a surpresa do público ao vê-la competir: "Essa jovem sem pernas está competindo?". No entanto, destaca o apoio e o carinho recebidos durante as competições, enfatizando que nenhum favoritismo foi concedido a ela em nenhum aspecto. Aos 10 anos, participou dos Jogos Olímpicos da Juventude e, aos 11, conquistou o título de campeã de ginástica tumbling, modalidade que envolve saltos ao longo de uma pista, representando o Estado de Illinois.
Jennifer seguiu atentamente a trajetória de seu ídolo, que, em 1998, aos 17 anos, processou seus próprios pais, alegando que haviam desperdiçado US$ 1 milhão (equivalente a R$ 3,17 milhões nos valores atuais) do prêmio recebido por sua vitória nos Jogos de Atlanta. Durante o julgamento, foram divulgadas informações sobre o tratamento rigoroso que ela recebia do pai. Dominique saiu vitoriosa na disputa, obtendo controle sobre suas finanças.
Segredo
Ao atingir a marca dos 16 anos, Jennifer indagou à sua mãe adotiva se havia algum aspecto não revelado sobre sua família biológica. A adolescente não antecipava que a resposta seria afirmativa, uma vez que seus pais adotivos sempre foram extremamente transparentes. No entanto, para sua surpresa, a mãe revelou que havia algo significativo a comunicar. Sharon solicitou que a filha se sentasse e expressou: "O sobrenome de sua família biológica era Moceanu". A compreensão imediata do significado dessa revelação não deixou espaço para dúvidas. Jennifer recorda: "Quando ouvi isso, pensei imediatamente: isso significa que Dominique é minha irmã".
Os Bricker, por acaso, descobriram a origem familiar de Jennifer, uma vez que a adoção deveria ter sido totalmente sigilosa, mas os nomes dos pais biológicos da jovem apareciam em alguns documentos. Durante os Jogos de 1996, as câmeras de TV capturaram os pais de Dominique - Camelia e Dumitru - na plateia. Ao verem os nomes na tela, o casal percebeu que estavam testemunhando os pais de Jennifer. No entanto, optaram por não revelar nada até que a filha estivesse mais madura.
Ao descobrir a verdade, Jennifer expressou o desejo de entrar em contato com Dominique, mas optou por abordar a situação da forma mais cuidadosa possível. "Não poderia simplesmente ligar e dizer: 'Oi, sou sua irmã'. Eu não queria que ela pensasse que eu estava agindo de forma impulsiva", explicou. Então, ela solicitou a um tio, que é detetive particular, para estabelecer contato com seus pais biológicos. Camelia e Dumitru não negaram que haviam dado a filha para adoção, mas passaram a evitar atender as chamadas telefônicas. Jennifer observa: "Ficou evidente que eles preferiam manter minha existência em segredo".
Quatro anos mais tarde, Jennifer redigiu uma carta para sua irmã, compartilhando sua história e como Dominique havia sido uma inspiração para sua jornada na ginástica. Na carta, ela expressou sua incredulidade: "Você foi meu ídolo por toda a vida e, de repente, descubro que você é minha irmã!" Jennifer enviou cópias de documentos e várias fotos, todas focalizando a parte superior do corpo. Ela explicou sua escolha de não mencionar imediatamente a ausência de pernas, pensando que seria uma informação intensa a ser absorvida enquanto Dominique assimilava a existência de uma irmã previamente desconhecida.
Na época, Dominique, com 26 anos, já não competia profissionalmente. Estava imersa em uma fase agitada de sua vida, casada com um atleta e aguardando a chegada do primeiro filho. Além disso, buscava concluir seus estudos universitários antes do parto. Em 10 de dezembro de 2007, após realizar um exame de estatística, Dominique foi ao correio buscar um envelope. Ao abri-lo no carro, deparou-se com documentos assinados por seus pais, despertando sua atenção. Em seguida, deparou-se com várias fotos de uma jovem que se assemelhava muito a sua irmã mais nova, Christina. Dominique ficou impressionada com a notável semelhança e, por último, leu a carta impecavelmente datilografada, onde uma frase se destacou diante de seus olhos: "Meu sobrenome biológico é Moceanu".
Choque
"Aquela carta representou o maior impacto da minha vida, algo que jamais esquecerei", relata Dominique. A ginasta sentiu a necessidade de confirmar a veracidade da revelação. Ainda dentro do carro, ligou para a mãe, acordando-a com a pergunta: "Você entregou uma filha para adoção em 1987?" A mãe desabou em lágrimas, limitando-se a um "sim" e nada mais. Dominique compartilha: "Foi doloroso, pois ela guardara aquele segredo por tantos anos e nunca conseguira lidar plenamente com ele." As semanas subsequentes se tornaram uma montanha-russa emocional. Dominique escreveu para Jennifer, solicitando um período para assimilar a notícia, ao mesmo tempo em que explicava estar prestes a ter um bebê. "Eu precisava de respostas para minhas próprias indagações e entender como tudo aquilo pôde acontecer", recorda Dominique.
Naquela época, o pai encontrava-se gravemente enfermo, dificultando a comunicação com ele. No entanto, Dominique descobriu que foi decisão dele entregar Jennifer ainda no hospital, motivado pelo temor de não dispor de recursos financeiros para custear o tratamento médico. A mãe não foi consultada e jamais teve a oportunidade de compartilhar todos os detalhes com as outras filhas.
A filha de Dominique veio ao mundo no dia de Natal. Alguns dias após, em 14 de janeiro, sentindo-se preparada, ela decidiu fazer a primeira ligação para a irmã. Estava nervosa e havia ensaiado um texto, mas a conversa se desenrolou de forma rápida. Foi então que Jennifer soltou: "Você está ciente de que eu não tenho as pernas, certo?" Dominique ficou em silêncio. Como isso seria possível?
Três irmãs
"Ela havia me dito que era minha admiradora, que eu a inspirara a começar na ginástica, e achei isso maravilhoso. Mas jamais poderia imaginar que ela praticava tudo aquilo sem possuir pernas", relata Dominique. Em maio de 2008, Dominique, Jennifer e a caçula Christina se reuniram pela primeira vez. O encontro ocorreu em Ohio, onde a ex-campeã olímpica residia.
"Foi surpreendente, assemelhando-se a um sonho", relata Jennifer. "No entanto, simultaneamente, foi bastante orgânico. Nossa identidade genética estava nitidamente definida. Ao contemplar minha irmã mais jovem, parecia como se eu estivesse diante de um reflexo no espelho." As irmãs se impressionaram com as afinidades que compartilhavam - desde o modo de rir até certos movimentos -, contudo, cada uma trazia consigo uma narrativa singular. "Elas não experimentaram o carinho e o respaldo que eu recebi. Enfrentaram períodos conturbados, marcados por abusos e segredos. Sua infância foi desafiadora", revela Jennifer.
Nadia Comaneci
O par Moceanu, ambos ex-praticantes de ginástica, optou por migrar para os Estados Unidos em 1981, escapando do governo comunista liderado por Nicolai Ceausescu na Romênia. Dominique veio ao mundo pouco tempo após a imigração. O objetivo do casal era que ela seguisse os passos de Nadia Comaneci, a notável ginasta romena que cativou o mundo durante os Jogos Olímpicos de 1976, aos 14 anos de idade. Quando a filha tinha meros seis meses de vida, decidiram submetê-la a um teste de resistência, suspendendo-a num varal de roupas até que a corda cedesse. "Para eles, esse era o indício de que eu poderia tornar-me uma ginasta excepcional", relata Dominique. Tal narrativa constituía uma história que seu pai, uma figura de autoridade que exercia influência sobre a família, frequentemente gostava de compartilhar.
Porém, ela recorda que era frequentemente alvo de humilhações por parte dos pais devido ao seu peso e a qualquer falha em suas performances. "Acreditava-se que esses métodos eram necessários para garantir a vitória", esclarece. "Mas são coisas que causam danos à autoestima quando se é pré-adolescente." Além disso, existia a ameaça de punição física caso sua atuação não fosse impecável. "Concordamos que não seria um ambiente propício para o meu crescimento", afirma Jennifer. "Meus pais nunca foram acolhedores com crianças com deficiências", continua Dominique.
O pai faleceu antes de Jennifer ter a oportunidade de encontrá-lo. Contudo, em janeiro de 2010, aos 22 anos, ela teve seu primeiro encontro com a mãe biológica, Camelia. "Lembro-me desse momento como se fosse em câmera lenta", relata a jovem. "Ela estava usando um gorro de peles típico do Leste Europeu", recorda. "Ela não conseguia acreditar na semelhança entre mim e minhas irmãs e, instintivamente, começou a falar romeno comigo." Dominique teve que traduzir tudo para a mãe, que estava demasiadamente surpresa para voltar a falar inglês.
As duas se abraçaram, e Jennifer compartilhou vídeos de suas apresentações, incluindo aquelas realizadas em um show da cantora Britney Spears. "Ela ficou maravilhada, reconhecendo que jamais poderia ter proporcionado uma vida como aquela para mim", relata Jennifer. A jovem menciona que não sentiu raiva, atribuindo isso aos pais adotivos. "Eles me proporcionaram a liberdade de não cultivar ressentimentos."
Ela relata que foi profundamente comovida pela história de Camelia. "Minha mãe biológica enfrentou um casamento abusivo. Sua vida não foi fácil - e não estou tentando arranjar desculpas, apenas expressando a verdade", adiciona. Embora as irmãs residam em locais distintos, sempre que possível, buscam se reunir. Jennifer, atualmente, percorre o mundo apresentando palestras motivacionais e realizando espetáculos de acrobacia aérea. "Ela é notável; sua paixão é evidente quando está no ar", destaca Dominique a respeito dela. "Como irmã mais velha, sinto orgulho - ela está alcançando seus sonhos."
REFERENCIAS: YOUTUBE
WIKIPÉDIA
AVENTURAS NA HISTÓRIA
G1
DIÁRO GAÚCHO