Imagine-se na Inglaterra do século XVI, onde o véu entre o natural e o sobrenatural parecia mais tênue. É nesse cenário que surge Edward Kelley, um enigmático alquimista e médium, famoso por afirmar que podia conversar com anjos e espíritos através de uma bola de cristal. Para entender sua relevância no mundo do ocultismo, é essencial conhecer seu parceiro de aventuras místicas, John Dee.
John Dee era um homem de intelecto voraz, tão dedicado aos estudos que passava dezoito horas diárias imerso em livros, reservando apenas quatro horas para o sono e duas para as refeições. Sua paixão? A matemática. Em 1546, um ano antes de se formar, Dee começou a fazer observações astronômicas. Embora a astrologia fosse bem aceita na época, ele buscava explicações científicas para a influência dos astros sobre o mundo, acreditando que a posição dos planetas no momento do nascimento de uma pessoa poderia afetar seu destino. Para Dee, cada corpo celeste emitia raios de força que influenciavam todos os outros corpos.
Na Inglaterra, Dee trabalhou para o Conde de Pembroke em fevereiro e, no final do mesmo ano, passou a servir o Duque de Northumberland. Após a morte de Eduardo VI, eclodiram disputas entre católicos e protestantes pelo trono. Maria Tudor foi coroada rainha, contrariando muitos protestantes que temiam por sua segurança — e com razão. Em uma das campanhas promovidas pela rainha católica contra protestantes eminentes, Roland Dee, pai de John, foi preso e liberado em 1553, após perder todos os seus bens. John, que contava com a herança paterna para prosseguir com seus estudos científicos sem preocupações financeiras, viu-se em apuros.
Em 1554, Dee recusou uma oferta para lecionar matemática na Universidade de Oxford. Em maio de 1555, foi preso e acusado de "calcular". Naquela época, a matemática era vista como uma forma de possessão de poderes mágicos, e as autoridades queimavam livros de matemática como se fossem grimórios. Embora considerado culpado, Dee foi libertado após três meses de encarceramento, mas teve todos os seus bens confiscados. Seu pai faleceu no mesmo ano, sem recuperar seu dinheiro.
Em 1556, Dee apresentou à rainha Maria planos para uma biblioteca nacional. Sem apoio oficial, ele começou a criar sua própria biblioteca, mesmo enfrentando dificuldades financeiras. Com a morte da rainha Maria em 1558, a protestante Elizabeth assumiu o trono. Dee rapidamente conquistou seu favor e até recebeu dela o pedido para usar suas habilidades astrológicas para escolher a data mais apropriada para sua coroação, o que foi prontamente atendido. Isso levanta uma questão intrigante: como alguém tão associado à administração católica anterior conseguiu apoio tão rapidamente? Estudiosos como Woolley acreditam que Dee pode ter sido um espião trabalhando para Elizabeth durante o reinado de Maria.
Nos cinco anos seguintes, Dee dedicou-se a adquirir livros para sua biblioteca e a estudar astronomia, astrologia, matemática, criptografia e magia, todos tópicos que visavam ajudá-lo a compreender a Verdade suprema sobre o universo. Apesar de sua proximidade com a rainha Elizabeth e de aconselhá-la frequentemente, Dee nunca obteve dela a segurança financeira que desejava para se dedicar inteiramente aos seus estudos.
Edward Kelley entrou na vida de Dee em março de 1582. Dee, talvez frustrado por não ter descoberto, por conta própria, a Verdade sobre o universo, envolveu-se cada vez mais em contatos com anjos e espíritos, guiado por Kelley. Este período de sua carreira durou aproximadamente cinco anos, e muitas das referências e detalhes dessas conversas podem ser encontradas em seu diário. É difícil precisar a posição religiosa de Kelley; parece que ele evitou tomar partido entre católicos e protestantes. Após sua soltura, ele se entrosou bem com o regime católico que o havia encarcerado, podendo ter trocado de posição por conveniência política. Há teorias que sugerem que ele poderia ter sido um espião.
Em 1583, Edward Kelley propôs uma mudança no calendário para alinhá-lo com o ano astronômico. O calendário inglês era baseado na data do Concílio de Niceia de 325. Apesar do apoio de outros conselheiros reais, a proposta foi recusada, e o calendário inglês só foi atualizado em 1752.
Kelley e Dee viajaram para a Polônia e para a Boêmia entre 1583 e 1589. Ao retornar para sua casa em Mortlake em 1589, Dee descobriu que parte de sua biblioteca e instrumentos científicos haviam sido roubados. Foi nessa época que se tornou amigo de Thomas Harriot. Durante muitos anos, Dee tentou obter uma compensação por suas perdas financeiras. Em 1596, ele recebeu o cargo de diretor do Capítulo do Colegiado em Manchester; muitos acreditam que isso ocorreu para afastá-lo de Londres. Em 1605, Manchester sofreu uma praga, e a esposa de Dee e alguns de seus filhos morreram. Ele voltou para Londres, onde faleceu alguns anos depois.
A vida de Edward Kelley permanece, em grande parte, desconhecida para a maioria dos historiadores e pesquisadores. Há muitas insinuações de envolvimento com necromancia, magia negra e outras práticas sinistras, mas as evidências dificilmente passam de boatos ou testemunhos sem provas sólidas. Kelley nasceu em Worcester; muitos acreditam que seu pai fosse um boticário chamado Talbot, o mesmo nome que Kelley usou ao se apresentar a John Dee quando se conheceram. Alguns afirmam que Talbot era o nome real do alquimista e que Kelley seria uma identidade assumida posteriormente. Há evidências de que ele tinha pelo menos um irmão, conhecido como Thomas