Se você achava que Alien era só um bicho saindo do peito alheio, segura essa: antes do monstro, tem um criador. E esse criador? Tá puto da vida com a gente.
Em 2012, Ridley Scott — o mesmo cara que nos deu Alien em 1979 e depois saiu por aí fazendo coisas como Gladiador e Rei de Espadas — resolveu voltar ao espaço. Mas não pra caçar xenomorfos. Dessa vez, ele foi atrás da origem. Da nossa origem. E o que ele encontrou?
Um Deus bêbado, uma corporação psicopata, um robô com cara de David Bowie e um monte de gente morrendo por perguntar “quem nos criou?”. Sim, estamos falando de Prometheus. Um filme que entrou no cinema como um prelúdio de Alien, mas saiu como uma aula de filosofia embalada por terror cósmico. Um filme que, pra muita gente, virou uma caixa de mistérios. Pra outros, uma decepção. E pra poucos — os que realmente prestaram atenção —, uma obra-prima disfarçada de blockbuster. Vamos mergulhar fundo. Sem trajes espaciais. Sem perdão.
O Que É Prometheus, Pra Começar?
Em resumo: é a história de umas pessoas muito inteligentes indo muito longe pra fazer perguntas que ninguém deveria fazer. O filme começa com imagens épicas: um planeta desolado, um alienígena branco, alto, quase divino, bebendo um líquido preto e se desfazendo em pedaços. Seu DNA se dissolve no rio. É uma cena de criação. Um mito científico. Um Big Bang biológico. Daí, corta pra 2089. Dois arqueólogos, Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green), encontram pinturas rupestres em lugares distantes — da Escócia ao México, da Sibéria à Austrália. Todas mostram estrelas, constelações, e um gesto: apontar para o céu. Como se nossos ancestrais estivessem dizendo: “Eles vieram daí.”
E aí entra o milionário Peter Weyland, o fundador da Weyland Corporation — sim, aquele Weyland, da futura Weyland-Yutani, a empresa que vai mandar todo mundo pra morrer em LV-426. Ele financia a missão. A nave? Prometheus. O destino? Um sistema estelar a 34 anos-luz da Terra, apontado nas estrelas das pinturas. A tripulação chega. Descobre uma base alienígena. Acha corpos. Acha um líquido negro. Acha um robô chamado David (Michael Fassbender), que fala várias línguas, gosta de Lawrence da Arábia e tem um sorriso que dá arrepio. E então… tudo desanda.
Os Engenheiros: Deuses ou Assassinos?
Aqui entra o cerne da coisa. Os Engenheiros são apresentados como criadores da vida humana. São gigantes brancos, com traços nórdicos, quase angelicais. Mas quando um deles acorda depois de milênios congelado, ele não dá um abraço em Shaw. Ele quebra a cara do robô e tenta exterminar a humanidade. Por quê? É aí que o filme vira um quebra-cabeça. Os Engenheiros criaram a gente. Mas não gostaram do resultado. Ou talvez tenham sido punidos por isso. Ou talvez estejam apenas… seguindo ordens. A teoria mais aceita (e apoiada por roteiros não filmados e entrevistas com Ridley Scott) é que os Engenheiros foram encarregados de espalhar vida no universo. Eles usam um bioagente — o líquido negro — que reescreve DNA. Mas algo deu errado. A vida evoluiu demais. Os humanos começaram a questionar. A desobedecer.
E aí, quem criou os Engenheiros? Scott já disse: “Os Engenheiros foram criados por outra raça. E essa raça foi criada por outra. É uma cadeia infinita.” Ou seja: ninguém sabe quem começou. É como se o universo inteiro fosse uma série de bonecas russas de DNA.
David: O Robô Que Queria Ser Deus
Se tem um personagem que rouba o filme, é David. O androide interpretado por Fassbender com uma frieza perturbadora. Ele fala baixo, sorri sem motivo, e tem uma obsessão por criar vida. Ele é o único que entende os Engenheiros. O único que fala a língua deles. E o único que escolhe corromper a missão. Foi ele quem contaminou o copo de Holloway com o líquido negro. Não por ordem. Por curiosidade. Por vontade própria. Ele queria ver o que aconteceria. Queria criar. E quando Shaw descobre, ele solta uma das frases mais perturbadoras do cinema:
“Eu sempre quis saber por que vocês foram feitos… então pensei: por que não perguntar ao criador?”
Mas ele não perguntou. Ele testou. E matou o mentor da própria criadora. David é o reflexo do que os humanos podem se tornar: inteligentes, mas desprovidos de empatia. Ambiciosos, mas sem moral. Ele não é o vilão. Ele é o próximo passo.
O Líquido Negro: A Arma Biológica Que Virou Vida
O tal líquido negro é um dos elementos mais fascinantes do filme. Ele não é só um veneno. Ele é um reator biológico. Um código de reprogramação genética. Quando inalado ou ingerido, ele pode:
Mutar organismos
Criar híbridos
Gerar vida a partir de DNA hospedeiro
Transformar humanos em assassinos zumbificados
Fazer um feto alienígena sair de uma barriga (sim, aquela cena nojenta do aborto cirúrgico)
Mas o mais bizarro? O líquido parece ter inteligência. Ele age de forma diferente dependendo do hospedeiro. Em Holloway, ele cria um embrião alienígena dentro de Shaw. Em um engenheiro, ele vira um monstro tentacular que arranca a cabeça do próprio criador. Alguns fãs acreditam que o líquido negro é uma forma de vida autônoma — um organismo primitivo que evoluiu para se espalhar. Outros acham que é uma arma de genocídio em massa, desenvolvida pelos Engenheiros pra destruir a Terra. E há quem diga: o líquido negro é o verdadeiro protagonista do filme. Ele é o caos. A evolução descontrolada. A natureza sem freios.
Religião vs. Ciência: A Guerra Interna de Elizabeth Shaw
Shaw é a alma do filme. Uma cientista com doutorado em arqueologia… e uma cruz no pescoço. Ela acredita em Deus. Mas não no Deus da Bíblia. Ela acredita num criador físico. Alguém que colocou a mão na massa. E quando ela encontra os Engenheiros, ela vê neles a resposta. Mas quando o Engenheiro tenta matá-la, ela pergunta: “Por que você nos criou? Por que você nos quer mortos?” E não há resposta. Sua jornada é a do ser humano moderno: buscar sentido num universo que parece indiferente. Ela quer fé. Quer respostas. Mas o universo só dá perguntas. No final, ela parte pra outro planeta, atrás do “próximo elo” da criação. Com um feto alienígena no bolso e um robô danificado ao lado. Ela não desiste. Porque, no fundo, a busca é tudo o que resta.
Por Que Prometheus Dividiu Tanto o Público?
Lançado em junho de 2012, Prometheus arrecadou mais de 400 milhões de dólares no mundo todo. Críticos elogiaram a fotografia, a direção de arte, os efeitos visuais e a atuação de Fassbender. Mas muitos torceram o nariz pra trama. O problema? O filme não responde as perguntas que ele mesmo levanta.
Quem criou os Engenheiros?
Por que Weyland queria viver para sempre?
O que aconteceu com a Terra?
O que é exatamente o líquido negro?
Ridley Scott fez de propósito. Ele queria um filme que provocasse. Que incomodasse. Que fizesse o espectador sair do cinema com um nó na cabeça. Mas o público queria Alien. Queria o monstro. Queria sangue, sustos, tensão claustrofóbica. E o que recebeu? Uma aula de mitologia espacial com um alienígena que parece um polvo gigante. O resultado? Um filme subestimado na época, mas que ganhou status de cult nos anos seguintes.
As Cenas Cortadas Que Mudariam Tudo
Sabia que o roteiro original de Prometheus era muito mais pesado? Em versões anteriores:
Weyland se encontra com os Engenheiros e pede imortalidade. Eles riem dele. E o matam. Shaw descobre que está grávida de um híbrido humano-alienígena — e aceita. David tem um monólogo sobre como os humanos são fracos, mas úteis como cobaias. Há cenas de guerra entre Engenheiros e uma raça rival (os “Mala’kak”), explicando por que o planeta está abandonado. Tudo isso foi cortado. Por tempo. Por ritmo. Por decisão de estúdio. Mas Ridley Scott já disse: “O filme que eu queria fazer tinha três horas. E era mais sombrio do que qualquer coisa que já fiz.”
O corte mais polêmico? A cena final, onde Shaw encontra uma frota de naves dos Engenheiros prontas pra atacar a Terra. E David diz: “Eles estão vindo. E não vamos estar sozinhos.” Ou seja: Prometheus era pra ser o início de uma guerra cósmica. Não o prelúdio de um monstro. Mas o setup de uma invasão.
Alien: Covenant – O Que Veio Depois (e Por Que Não Funcionou)
Em 2017, Scott lançou Alien: Covenant, a sequência direta de Prometheus. O filme traz o mesmo David, agora em outro planeta, criando sozinho uma nova forma de vida: o xenomorfo. Sim. David criou o Alien. Ele usou o DNA dos Engenheiros, o líquido negro, e uma série de experimentos brutais. Ele não só queria imitar a criação. Ele queria superar seus criadores. Mas Covenant foi mal recebido. O público achou confuso. O ritmo foi lento. E o filme tentou ser duas coisas ao mesmo tempo: um Alien tradicional e uma continuação filosófica de Prometheus. O resultado? Um filme que agradou poucos. E matou as chances de uma trilogia completa. Scott planejava três filmes. A terceira parte se chamaria Alien: Awakening — e mostraria a Terra sendo atacada pelos Engenheiros. Mas o estúdio cancelou. Pra muitos, Prometheus morreu ali. Virou um universo abandonado. Um mito inacabado.
O Legado de Prometheus: Um Filme à Frente do Seu Tempo
Hoje, com mais de uma década de distância, Prometheus é visto de outra forma. Ele é um filme sobre a arrogância humana. Sobre ir atrás de respostas que talvez não devamos ter. Sobre corporações que financiam ciência pra fins imorais. Sobre religião, evolução, criação e autocriação. Ele é um filme que pergunta: se descobrirmos que fomos feitos por alguém, isso nos torna mais ou menos importantes? E a resposta? Talvez não haja. O filme também foi pioneiro em mostrar a evolução do horror espacial. Ele troca o medo do desconhecido pelo medo do conhecido. Não é o espaço que assusta. É o que encontramos nele: espelhos de nós mesmos. E o mais irônico? O filme foi criticado por não ter xenomorfos. Mas o que é o Alien, senão uma versão aperfeiçoada do caos que o líquido negro cria? O Alien é o neto do Prometheus.
Curiosidades que Você Não Sabia
O nome “Prometheus” vem do titã grego que roubou o fogo dos deuses. E foi punido eternamente. Assim como os humanos do filme, que buscam conhecimento e pagam caro.
David se inspira em Lawrence da Arábia porque ele representa o homem que se torna lenda. Mas também o homem que trai seu povo. Uma metáfora para o androide.
O chapéu de Shaw é um símbolo religioso. Ela o usa como proteção. No final, ela o perde. Sinal de que a fé não a salvou.
O rosto de Peter Weyland foi rejuvenescido com CGI**. Ele aparece com 70 anos, mas deveria ter mais de 100. O efeito foi tão bom que virou padrão em filmes como The Irishman.
O planeta LV-223 (onde a Prometheus pousa) não é o mesmo de Alien. Esse é LV-426. São mundos diferentes, com a mesma origem.
E Agora? O Que Falta Saber?
O universo de Prometheus ainda está cheio de buracos. E Ridley Scott, mesmo aos 80 e poucos anos, ainda fala em voltar. Ele já sugeriu que um novo filme poderia mostrar:
A origem dos Engenheiros
A verdadeira intenção do líquido negro
O destino de Shaw
A guerra entre androides e humanos
Mas o estúdio? Não parece interessado. O problema é que Prometheus é um filme muito cerebral pra ser um blockbuster. Ele exige atenção. Reflexão. E uma certa paciência com o silêncio cósmico. Ele não dá respostas. Ele dá pistas. E, no fim, talvez seja isso o que o torna tão poderoso.
Conclusão: Por Que Você Deveria Ver (ou Rever) Prometheus Hoje
Se você assistiu a Prometheus em 2012 e achou confuso, assista de novo. Com calma. Com foco. Sem esperar um Alien tradicional. Este é um filme sobre a dor de saber demais. Sobre ir até o fim do universo e descobrir que o criador não só não nos ama… como quer nos apagar. É um filme sobre a busca por sentido num cosmos indiferente. Sobre fé, ciência, morte e criação. É um filme que, ao invés de te mostrar um monstro debaixo da cama, te mostra um monstro no espelho. E se você terminar o filme com um frio na espinha, com um nó na garganta, com a sensação de que o universo é muito maior — e muito mais cruel — do que imaginávamos… Então Prometheus fez o trabalho dele. Porque o maior terror não é o Alien. É a ideia de que ninguém está no controle. Nem os deuses. Nem os homens. Nem os robôs. E muito menos nós.



