Por Fernanda Aranda - Um trio perigoso começou a frequentar baladas e festas particulares, principalmente entre o público gay. É a mistura de três pílulas - medicamento contra impotência, ecstasy e uma das drogas usadas no coquetel antiaids -, que pode potencializar o efeito de cada uma delas, ampliar os danos cardíacos, causar desidratação e até levar o usuário à morte. O pagamento de até R$ 200 pela tríplice de comprimidos é justificado pelos efeitos de cada um deles. O ecstasy é para pirar; o Viagra para ter fôlego, aguentar todas as relações sexuais e aumentar a libido; e o remédio contra a aids tem o objetivo de evitar infecções ao manter relações sexuais sem camisinha - para o que, entretanto, não há comprovação científica. Antes, o público já recorria aos fortes medicamentos para tratar o v írus HIV pós-sexo de risco, chamado de "coquetel do dia seguinte". O alerta dos especialistas quanto à prática é que mesmo que este comportamento esteja restrito ao grupo gay, a história da aids já mostrou que a doença não segue e nem respeita orientações sexuais.
"É uma situação que nos preocupa porque acende a suspeita de um comércio paralelo de antirretrovirais (medicamentos do coquetel)", afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Juvêncio Furtado, que em seu consultório particular já ouviu o relato de pelo menos seis pacientes que contaram como o "trio" tem sido usado na noite paulistana. "No início da epidemia de aids (anos 80), havia contrabando da medicação, que acabou quando foi ampliada a cobertura dos pacientes pelo Sistema Único de Saúde (em 1996). Ainda que nada tenha sido comprovado, essa hipótese agora volta à tona."
Atualmente, todos os cerca de 600 mil portadores do HIV que residem no B rasil são assistidos pelo programa nacional e gratuito que cuida da doença no País. Aqueles que estão em fase mais debilitada de saúde recebem gratuitamente uma combinação de antirretrovirais, elaborados individualmente para cada paciente. A distribuição é controlada e não há venda em farmácia.
"Os antiaids são vendidos nas festas por gente que toma o coquetel. Não tem um comprimido X ou Y. É qualquer um", contou Lucas, nome fictício, soropositivo e testemunha desse hábito. Leandro, também nome fictício, que durante dois meses deste ano foi adepto do antirretroviral antes da bebedeira e do sexo, conta como conseguia o medicamento. "Por muitas vezes comprava de pessoas que conhecia e são portadoras. Em outras, com amigos de amigos", diz.
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"É fácil encontrar os medicamentos para venda. São comercializados como droga inclusive nas baladas", afirma. Esses tipos de relatos já chegaram aos ouvidos de Maria Filomena Cernicchiaro, dire tora do Ambulatório do Centro Estadual de Referência e Treinamento em DST/Aids de São Paulo. "É impressionante", diz . "É preciso ter consciência. Os medicamentos mudam todo o mecanismo celular, podem causar diarreias severas. Infelizmente, a geração atual associa a prevenção do HIV a um comprimido", afirma.
O infectologista Artur Timerman, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, ressalta que o "trio" que passou a frequentar as baladas é uma bomba para o coração, tem efeitos colaterais, muitos ainda nem mensurados pela medicina, além de representar uma ameaça ainda mais séria para o controle da aids. "O uso indiscriminado é uma ode à irresponsabilidade, pode deixar o organismo resistente ao medicamento", afirma. "Isso significa que, se um dia a pessoa precisar do coquetel porque foi contaminada, não vai funcionar" , diz.
O número de adeptos da mistura ainda não foi calculado. "Já ouvimos falar muito sobre o uso desvirtuado do s antirretrovirais misturados a outras drogas, mas nunca conseguimos detectar a veracidade disso por meio de estudos científicos", afirma o médico Ésper Kállas, que coordena pesquisas sobre o assunto no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) . "No ano passado, um dos médicos que é colaborador do nosso projeto fez um trabalho para tentar mapear esse comportamento em São Francisco, um dos redutos gay dos Estados Unidos", conta.
A coleta de dados foi feita em circuitos de bares e clínicas. Os resultados mostram que 18% dos entrevistados já tinham ouvido falar no coquetel, parcela que caiu para 2% quando a pergunta era se "uma pessoa conhecida" já o tinha utilizado. Apenas 0,12% dos entrevistados no levantamento admitiu ter usado a mistura."
REDE AQUARIANA - Seção Brasil