CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Gurgel, a montadora que surgiu de um sonho bem brasileiro - Parte 2

gurson15O CENA será nosso carro mais barato: 30 mil cruzados.Motor de dois cilindros, refrigeração mista: ar e água. A escolha recaiu sobre a segunda opção. "Os carros pequenos têm, hoje, motor de 1.300 cilindradas, quatro cilindros e pesam pelo menos 900 quilos", compara Gurgel. "Pois  resolvemos cortar tudo isso pela metade: nossos carros terão motor de 2 cilindros, com 650 cilindradas e pesarão só 450 quilos." Só o preço é que não poderá ser dividido por dois. Assim mesmo, a previsão é que um CENA custaria hoje ao redor de 30 mil cruzados - contra 42 mil cruzados de um Volkswagen 1.300, o mais barato do mercado.

Com a experiência acumulada desde 1972 na fabricação de chassis de aço tubular e carrocerias de fibra plástica - uma tecnologia assimilada por Gurgel em sua passagem pela General Motors norte-americana, há três décadas, e constantemente aperfeiçoada na produção atual de cinco modelos, em mais de uma dezena de versões (veja o quadro branco, ao final desse texto) -, Gurgel não vê maiores problemas quanto ao chassis e à carroceria. O mais trabalhoso é o motor. Sua primeira idéia foi uma associação com a Citröen, francesa, para a produção no Brasil do legendário motor do 2 CV. E um motor de dois cilindros, refrigerado a ar, que faz até 25 km por litro. No caso do CENA, o rendimento poderia ser ainda maior, pois seu peso será menor que os 580 quilos do Citröen 2 CV. Contaria ainda a favor do motor francês o fato de já ter sido exaustivamente testado: existem mais de 10 milhões de unidades funcionando pelo mundo. Sua fabricação no Brasil, entretanto, acarretaria alguns problemas - o maior deles o fato de não haver no mercado nacional de autopeças sequer um parafuso compatível: todos os componentes teriam que ser produzidos especialmente, o que exigiria altíssimos investimentos.

Essa situação estimulou a Gurgel a partir para a fabricação de um motor inteiramente nacional, aproveitando o máximo possível de componentes já existentes no mercado. Este motor já está dimensionado, e pronto para entrar em testes. Será, como o 2 CV, um motor de dois cilindros contrapostos, com 650 cilindradas, usando um processo de refrigeração mista. Em baixa rotação, o arrefecimento é pela água, que circulará pelos cilindros no interior de camisas de borracha - uma inovação em termos mundiais, já que os invólucros dos cilindros costumam ser de ferro fundido. A vantagem da borracha, no caso, é uma redução de custo e, ao mesmo tempo, de peso. Com o carro andando em altas velocidades, entra em ação um sistema auxiliar de arrefecimento a ar, para ajudar a arrefecer os cabeçotes. Gurgel calcula que seu motor usará 80% de peças que já existem no mercado. Os restantes 20% constituem-se do bloco, virabrequins, cilindros e cabeçotes. Paralelamente ao motor, que já está quase pronto para entrar em testes, a Gurgel vai definindo outros elementos do projeto. No departamento de estilo, quatro projetistas, chefiados pelo ex-publicitário José Roberto Theobaldo, 40 anos, que já trabalhou na Ford e na própria Gurgel, ajudando no projeto do jipe Carajás, desenham as carrocerias dos três modelos da família CENA.

Todos esses modelos seguem o conceito dos space-cars (carro-espaço), que, em outras palavras, define um carro de um volume (para entender melhor: o Fiat Uno, por exemplo, é um dois-volumes, com o motor num compartimento e os passageiros em outro, e o Fiat Prêmio é um três-volumes, com três compartimentos distintos: motor, passageiros e porta-malas). No caso do CENA, a parte de cima e a de baixo do chassi formam um só conjunto, uma espécie de gaiola que, vista de lado, lembra a forma de um hexágono. A carroceria, de início em fibra de vidro, para o futuro poderá ser moldada em plástico injetado, numa só peça, em cores diversas, o que eliminaria a necessidade de pintura. Nas oficinas, sob o comando do engenheiro Ciro Krugner, 30 anos, mais uma dezena de técnicos trata de definir outros contornos do projeto. A suspensão, por exemplo, já está pronta. "É simples, leve e eficiente", comenta Krugner. "Devido ao pequeno peso do carro, podemos usar um sistema de amortecedores progressivo, por fricção, como o dos antigos Fordinhos. Funciona perfeitamente." As dimensões das carrocerias ainda estão em estudos. Para o minicarro, porém, os testes, feitos no interior de uma estrutura de arame, já definiram uma altura de 1,50m, e uma distância entre eixos de 1,85m - o suficiente para acomodar quatro passageiros, dois à frente e dois atrás. A tração igualmente já não apresenta dúvidas: será traseira, com o motor à frente.

"Apesar da tendência atual pela tração dianteira", argumenta Gurgel, "a tração traseira simplifica e barateia o carro, pois se evita o uso de pneus radiais e juntas homocinéticas, que são componentes muito caros."

Uma fabrica para os componentes e outras dez para a montagem.

Se tudo correr de acordo com os planos de Gurgel, ainda no primeiro semestre poderá começar a rodar o primeiro protótipo do CENA. O início da produção efetiva, porém, depende da montagem de uma fábrica-piloto que não custará menos que 70 milhões de cruzados. Até a deflagração da reforma econômica, Gurgel estava negociando um empréstimo com a Finep - Financiadora de Estudos e Projetos, da Secretaria do Planejamento -, que seria amortizado através do pagamento de royalties sobre cada carro produzido. Os restantes 800 milhões de cruzados necessários para a instalação de todo o empreendimento, que no quinto ano poderá estar produzindo 5 mil carros por mês, ainda são objeto de estudos. Uma das opções de Gurgel é localizar a fábrica principal no Nordeste e conseguir financiamentos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor). Essa unidade produziria todos os componentes, e a montagem final dos carros seria feita em outras dez fábricas instaladas em diversas regiões do país.

Pode parecer tudo apenas o sonho de um visionário. Afinal, outros já tentaram a fabricação de um carro brasileiro, simples, racional, barato - e ninguém até agora conseguiu levar adiante um projeto. Mas quem acreditava quando aquele engenheiro que montava jipinhos falava em criar um carro elétrico brasileiro, ou em montar uma indústria que, só no ano passado, despejou 1400 utilitários no mercado, parte dos quais exportados para 40 países? Gurgel já conseguiu mostrar que carro não só se compra, mas também se fabrica.

A ARRANCADA DOS CARROS ELÉTRICOS

Com as vendas limitadas a um total de pouco mais de 100 unidades em quase cinco anos de produção, os carros elétricos 1taipu E-500 podem transformar-se agora num dos mais bem-sucedidos produtos da empresa, Até hoje, conspiravam contra a comercialização do pioneiro carro elétrico concebido na América Latina, uma autonomia de apenas 80 quilômetros e um espaço de longas oito horas para a recarga das baterias. Determinados a acabar com esses inconvenientes, os técnicos da Gurgel, tão logo lançaram o novo carro, em junho de 1981, iniciaram as pesquisas para uma nova bateria – mais potente, mais compacta, mais barata e de carregamento mais rápido.

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Novas baterias, autonomia dobrada.

Três anos atrás, a Gurgel patenteou um novo tipo de bateria. Os resultados de dois anos de testes de bancada foram animadores e estão sendo plenamente confirmados há cinco meses, nos testes de campo. Com efeito. trabalhando com apenas quatro das novas baterias, o carro de testes teve sua autonomia aumentada para 130 quilômetros, contra os 80 quilômetros que conseguem rodar os atuais modelos, equipados com oito baterias. As projeções indicam que, com apenas seis das novas baterias, os E-500 passarão a rodar até 160 quilômetros sem recarga.

Mas as inovações das baterias desenvolvidas pela equipe chefiada pelo eletrotécnico Nilson Roberto Chaves, 35 anos, não se esgotam aí. "Elas aceitam o recarregamento total em apenas duas horas", constatou Chaves, "um tempo quatro vezes menor do que o atual". Seu preço também será consideravelmente menor: o conjunto custará cerca de 25 mil cruzados, 40% a menos que os 40 mil cruzados de hoje, Finalmente, existem também vantagens de ordem técnica. Como o formato das novas baterias é circular, e sua colocação é transversal ao sentido do carro, o próprio movimento de arranque facilita a circulação do ácido e a refrigeração e homogeneização da solução - o que permite a previsão de quadruplicar de 400 para 1600 ciclos (ou cargas e recargas) a vida útil das novas baterias.

FÁBRICA DE CARROS E TECNOLOGIA

Durante 1985, enquanto a indústria automobilística brasileira como um todo aumentava suas vendas em 12,8%, a Gurgel crescia 45,8%. Em número de unidades produzidas, a Gurgel alcançou a média de 113 veículos por mês, em sua grande maioria utilitários como os X-12. em suas várias versões. Com isso, a Gurgel passou a deter nada menos de 77% do mercado brasileiro de jipes. É uma marca expressiva para uma empresa inteiramente nacional, que começou produzindo minicarros para crianças.

Localizada em Rio Claro, no interior de São Paulo, a 170 quilômetros da capital, a Gurgel contraria qualquer idéia que se possa ter de uma indústria de fundo de quintal: de suas instalações, de 12 mil metros de área construída, saem diariamente entre 8 e 10 veículos. A maior parte da produção ainda é dos jipes X-12, mas também fazem parte da família Gurgel os jipes Carajás - um utilitário de grande porte, com motor Volkswagen Santana, lançado em 1985 -, as picapes e furgões da linha G-800, os carros elétricos (quadro amarelo) e o Xef, um minicarro de passeio.

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A linha de montagem da Gurgel despeja entre 8 e 10 carros por dia, entre eles os jipes X-12 e os Carajás, o mais recente lançamento da empresa comandada pelo engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel.

Mais do que apenas uma simples montadora de peças fabricadas fora, a Gurgel também tem investido em tecnologia própria, o que lhe permite aplicar em seus carros inovações como o chassi de aço tubular, revestido com um composto especia1 de fibra de vidro, o que o torna imune à corrosão. As carrocerias também são produzidas a partir de um processo próprio denominado "plasteel" (plástico + aço), o que permite à Gurgel oferecer a maior garantia do mundo contra ferrugem: nada menos de 100 mil quilômetros.

Os carros da Gurgel dispõem ainda de um dispositivo, desenvolvido por seus técnicos, que substitui a tração nas quatro rodas. É a "Selectraction", mecanismo que permite ao motorista bloquear independentemente uma das rodas traseiras de tração que perca a aderência num terreno acidentado, por meio de uma alavanca localizada ao lado do assento do motorista. A força liberada passa para a outra roda, aumentando sua tração. Essas inovações já estão sendo experimentadas por consumidores de 40 países, para onde a Gurgel também exporta seus carros.

Gurgel Motores

A cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo, já sediou uma importante indústria nacional de automóveis que em 25 anos produziu utilitários, carros urbanos e até elétricos. Foi fundada em 1º de setembro de 1969 pelo engenheiro mecânico e eletricista João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, que sempre sonhou com o carro genuinamente brasileiro. Devido às exportações que sua empresa passou a fazer com o sucesso dos produtos, ele sempre dizia que sua fábrica não era uma multinacional, e sim "muitonacional". O capital era 100% brasileiro.

Este homem dinâmico e de grandes idéias formou-se na Escola Politécnica de São Paulo em 1949 e, em 1953, no General Motors Institute nos Estados Unidos. Conta-se que, ao apresentar o projeto de um automóvel popular, o Tião, ao professor, teria ouvido: "Isto e coisa para multinacionais. Carro não se fabrica, Gurgel, se compra".

Gurgel começou produzindo karts e minicarros para crianças. Em 1969 fundou a Gurgel Veículos, seu primeiro modelo foi um bugue com linhas muito modernas e interessantes. Chamava-se Ipanema e utilizava chassi, motor e suspensão Volkswagen. Gurgel sempre batizou seus carros com nomes bem brasileiros e homenageava nossas tribos de índios.

Em 1973 chegava o Xavante, que deu início ao sucesso da marca. Este foi seu principal produto durante toda a evolução e existência da fábrica. De início com a sigla X10, era um jipe que gostava de estradas ruins e não se importava com a meteorologia. Sobre o capô dianteiro era notável a presença do estepe. Sua distância do solo era grande, o pára-brisa rebatia para melhor sentir-se o vento e a capota era de lona. Tinha linhas curvas, seguindo uma tendência dos bugues da época. Um par de pás afixadas nas portas chamava a atenção e logo anunciava o propósito do veículo.

O jipe era equipado com a tradicional, simples e robusta mecânica Volkswagen refrigerada a ar, com motor e tração traseiros. O acesso ao motor nunca foi dos mais favoráveis: era feito por uma tampa estreita e não muito comprida. O chassi era uma união de plástico e aço (projeto patenteado pela Gurgel desde o início de sua aplicação, denominado Plasteel), que aliava alta resistência a torção e difícil deformação. A carroceria era em plástico reforçado com fibra-de-vidro (FRP). Conta-se que, na fábrica, existia um taco de beisebol para que os visitantes batessem forte sobre a carroceria para testar a resistência. Não amassava, mas logicamente o teste pouco comum era feito antes de o carro receber pintura.

Pelo emprego destes materiais a corrosão estava completamente banida. A carroceria e o chassi formavam um só bloco. As rodas, as mesmas da Kombi, eram equipadas com pneus de uso misto. A suspensão, como no Fusca, era independente nas quatro rodas, em um conjunto muito robusto , mas na traseira a mola era helicoidal, em vez da tradicional barra de torção. Para subir ou descer morros não havia grande dificuldade. A carroceria tinha ângulo de entrada de 63 graus e 41 graus de saída.

Além do Plasteel, outro recurso interessante do Xavante era o Selectraction. Tratava-se de um sistema movido por alavancas, ao lado do freio de estacionamento, para frear uma das rodas traseiras. Era muito útil em atoleiros, pois freando uma das rodas que estivesse girando em falso - característica de todo diferencial - a força era transmitida à outra, facilitando a saída do barro. Com este sistema o carro ficava mais leve e econômico do que se tivesse tração nas quatro rodas e a eficiência era quase tão boa quanto.

O Xavante logo agradou ao público, por sair da concepção tradicional dos bugues, e ao Exército brasileiro, que fez grande encomenda. Havia uma versão militar especialmente produzida para este fim, o que deu ótimo impulso à produção. Na primeira reestilização, em 1975, as linhas da carroceria ficaram mais retas. O estepe agora ficava sob o capô, mas o ressalto neste anunciava sua presença. Sobre os pára-lamas dianteiros ficavam as lanternas de direção, idênticas às do Fusca.

Além do X10, mais simples, existia o X12, versão civil do jipe das forças armadas. O motor era o mesmo 1,6-litro de um só carburador, que fornecia 49 cv e usava a relação de diferencial mais curta do Fusca 1300 (4,375:1 no lugar de 4,125:1). Atrás das portas havia uma pequena grade plástica para ventilação do motor. A velocidade final não chegava a empolgar: fazia no máximo 108 km/h e de 0 a 100 km/h levava penosos 38 s. Mas seu objetivo era mostrar serviço e desempenho com relativo conforto em caminhos difíceis, pouco apropriados a carros de passeio.

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X12 TL

Sua estabilidade era crítica em ruas de asfalto ou paralelepípedo. Nas pistas, ruas e estradas era melhor não arriscar nas curvas. O jipe gostava mesmo de lama, terra, água, neve, praia, montanha e floresta, que eram seu hábitat natural. Era fácil de estacionar, de dirigir e de domar. Por causa de todo o conjunto muito robusto, era um veículo barulhento para o dia-a-dia.

Em 1974 a Gurgel apresentava um pioneiro projeto de carro elétrico. O Itaipu, alusão à usina hidrelétrica, era bastante interessante: ótima área envidraçada, quatro faróis quadrados e um limpador sobre o enorme pára-brisa, que tinha a mesma inclinação do capô traseiro. Visto de lado, era um trapézio sobre rodas. Era um minicarro de uso exclusivamente urbano para duas pessoas, fácil de dirigir e manobrar, que usava baterias recarregáveis em qualquer tomada de luz, como um eletrodoméstico.

Ele teria tudo para dar certo se não fosse os problemas a com durabilidade, capacidade e peso das baterias, o que até hoje ainda é um desafio. Um dos modelos elétricos se chamaria CENA, carro elétrico nacional, nome que ressurgiria no projeto do BR-280/800, com o "E" representando econômico".

Em 1976 chegava o X12 TR, de teto rígido. Suas linhas estavam mais retas e ainda transmitiam respeito; continuava um utilitário bastante rústico. Os faróis redondos agora estavam embutidos na carroceria e protegidos por pequena grade. Na frente destacava-se o guincho manual com cabo de 25 metros de extensão, por sistema de catraca, para situações fora-de-estrada. Na traseira, sobre a pequena tampa do motor, havia um tanque de combustível sobressalente de 20 litros ou, como alguns gostavam de chamar, camburão. Era um dispositivo útil e bem-vindo para as aventuras fora-de-estrada. Na frente, o pequeno porta-malas abrigava o estepe e o tanque de combustível de 40 litros. Para as malas havia quase nenhum espaço, e o painel, muito simples, continha o estritamente necessário.

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O chassi Plasteel continuava como padrão, e a fábrica oferecia uma garantia inédita de 100.000 quilômetros. Fato interessante é que todo Gurgel tinha carrocerias originais: o engenheiro nunca copiou nada em termos de estilo, coisa corriqueira hoje em dia entre fabricantes de veículos fora-de-estrada. Em 1979 toda a linha de produtos foi exposta no Salão do Automóvel de Genebra, na Suíça. Neste evento a propaganda do jipe nacional e o volume de vendas foram muito bons.

Em 1980, depois de cinco anos de estudo, outro veículo de tração elétrica, o Itaipu E400, ia para os primeiros testes. Tratava-se de um furgão com desenho moderno e agradável. Sua frente era curva e aerodinâmica, com amplo pára-brisa e pára-choque largo com faróis embutidos. Nas laterais havia somente os vidros das portas e os quebra-ventos; o resto era fechado. O painel era equipado com velocímetro, voltímetro, amperímetro e uma luz-piloto que indicava quando a carga estava por acabar. As baterias eram muito grandes e pesadas, cada uma com 80 kg e 40 volts. O motor elétrico era um Villares de 8 kW (11 cv) e girava a 3.000 rpm máximas. Apesar da potência ínfima, os elétricos conseguem boa aceleração porque o torque é constante em toda a faixa útil de rotações. Tinha câmbio de quatro marchas, embreagem e transmissão.

O consumo, se comparado a um carro a gasolina, seria de 90 km/l, mas a autonomia era pequena, de apenas 80 quilômetros. Para recarregar eram necessárias em média 7 horas numa tomada de 220 volts. Devido a este fator, era um veículo estritamente urbano. A velocidade máxima estava por volta de 80 km/h em grande silêncio, uma das grandes vantagens de um carro elétrico é não poluir com gases nem com barulho.

Primeiramente ele foi vendido a empresas para testes. Depois da versão furgão viriam a picape de cabines simples e dupla e o E400 para passageiros. O E400 CD (cabine dupla) era um misto de veículo de carga e passageiros, lançado em 1983. Com a mesma carroceria foi lançado um modelo com motor Volkswagen "a ar" e dupla carburação, que tinha a denominação G800. Ele trazia a mesma robustez e muito espaço interno para passageiros. Na versão CD havia um detalhe curioso: três portas, duas na direita e a outra na esquerda para o motorista. Do mesmo lado, atrás, vinha um enorme vidro lateral. Ganhava o passageiro que se sentasse deste lado, pois tinha ampla visibilidade. O G800 pesava 1.060 kg e podia carregar mais 1.100kg, sendo um utilitário valente e robusto.

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G 800

Em 1980 a linha era composta de 10 modelos. Todos podiam ser fornecidos com motores a gasolina ou álcool, apesar de o engenheiro Gurgel combater muito o combustível vegetal. O álcool era subsidiado pelo governo, o que tornava o preço final para o consumidor mais baixo que a gasolina. Esta era a única forma de estimular o uso de um combustível que, pelo menor poder calorífico, resulta em um consumo cerca de 30% maior. O engenheiro achava que seria mais coerente usar essas terras para plantar alimentos para a população do que para alimentar veículos. Mais tarde ele poria fim às versões a álcool na marca.

Veículos da Gurgel em 1980

Faziam parte da linha o X12 TR (teto rígido), o jipe comum com capota de lona (que era a versão mais barata do X12), o simpático Caribe, a versão Bombeiro, o X12 RM (teto rígido e meia capota) e a versão X12 M, militar. Este ultimo, exclusivo para as Forças Armadas, já vinha na cor-padrão do Exército, com emblemas nas portas e acessórios específicos. Numa outra faixa de preço havia o monovolume X15 TR de quatro portas,a picape cabine-dupla CD, a versão cabine-simples (CS), o cabine-simples com capota de lona e o Bombeiro. As versões Bombeiro de ambos modelos eram equipadas com luzes giratórias sobre o teto. Outros acessórios específicos também já saíam de fábrica para estas versões.

O X15, lançado em 1979, era um furgão com estilo bastante original. Parecia um veículo militar de assalto, um pequeno carro-forte. Logo teria versões picape de cabine simples e dupla. O furgão podia transportar até sete pessoas, ou duas e mais 500 kg de carga. Como os demais, usava a mecânica VW "a ar". Todos os vidros da carroceria, inclusive o pára-brisa, eram planos, sem nenhuma curvatura. Na frente muito inclinada, o pára-brisa era dividido em dois vidros, sendo que um deles, em frente ao motorista, ocupava 3/4 de toda a área frontal na versão militar (na civil os vidros tinham a mesma largura). Nesta versão também havia o guincho, faróis protegidos por grade, pequenas pás afixadas nas portas e capota de lona. Seu ângulo de entrada e saída para enfrentar rampas acentuadas era tão bom quanto o do X12. Tinha um ar muito robusto, com 3,72 m de comprimento, 1,90 m de largura e a altura total de 1,88 m, era um tijolo sobre rodas. Os faróis eram embutidos no largo e ameaçador pára-choque preto.

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X15

Em 1981, como novidade bem-vinda, os freios dianteiros no X12 passaram a ser a disco e a suspensão dianteira estava mais robusta. Novos detalhes de acabamento também o deixaram mais "luxuoso". Para o X15 era lançada a versão Van-Guard. Atrás dos bancos dianteiros havia dois colchões com revestimento plástico estampado, que combinavam com pequenos armários embutidos. Cortinas nas janelas e até um ventilador completavam o ambiente descontraído. O carro tinha um visual hippie. Na parte externa, faixas triplas e grossas nas laterais e o estepe fixado na traseira com cobertura nos mesmos tons da carroceria. Tinha só duas portas e, nas laterais, um vidro basculante retangular grande. Ideal para quem curtia acampar e programas ecológicos. Nesta versão ele ficou menos sisudo.

Também foi lançado o G15 L, picape cabine-simples mais longa (3,92 m) derivado do X15, que podia transportar até uma tonelada de carga. O tanque de combustível era de 70 litros e podia receber outro de mesma capacidade para aumentar a autonomia (vigorava então o absurdo e ineficiente regime de postos fechados nos fins de semana). Além da versão padrão, havia a cabine-dupla de duas ou quatro portas e a furgão.

 

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A valente empresa nacional crescia. A fábrica tinha uma área de 360 mil m2, dos quais 15 mil eram construídos. Contava com 272 empregados entre técnicos e engenheiros, que dispunham de assistência médica e transporte. Só era menor em número de funcionários do que a Puma, no que se referia a pequenos fabricantes.

Em 1977 e 1978, a Gurgel foi o primeiro exportador na categoria veículos especiais e o segundo em produção e faturamento. Cerca 25% da produção seguia para fora do Brasil. Eram fabricados 10 carros por dia, sendo o X12 o principal produto da linha de montagem. A unidade de negócios era o Gurgel Trade Center, numa importante avenida da capital paulista. Havia um escritório executivo e um grande salão de exposição, além de um centro de apoio técnico aos revendedores.

No final de 1981 era desenvolvido o modelo Xef. Com duas portas e três volumes bem definidos, era um carro urbano bastante interessante. Contava com três bancos dianteiros, recurso pouco comum já aplicado no francês Matra Baghera. Mas este ultimo era um esportivo. Três adultos de boa estatura acomodavam-se com dificuldade e o acesso era digno de contorcionistas. O espaço para bagagem era mínimo.

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XEF

Em 1982 o X12 normal seguia seu caminho na produção e nas estradas de terra, lama e areia do Brasil. Com a mesma carroceria mais reta da versão de teto rígido (TR), continuava com o pára-brisa dobrável e a capota de lona presa com botões de pressão. Os retrovisores externos e internos eram fixados na estrutura do pára-brisa. Tudo muito prático e simples. A carroceria agora recebia uma faixa branca que contornava a porta e o pára-lama. As portas eram de plástico reforçado. O pequeno e simpático jipe recebia opcionalmente rodas esportivas, brancas e bonitas, de 14 pol (pneus 7,00 x 14) no lugar das originais de 15 pol. Na versão Caribe a capota e os bancos eram listrados com cores vivas e alegres, que combinavam com a carroceria no mesmo tom, e as rodas brancas eram de série.

Em 1983 a versão de teto rígido do X12 recebia uma clarabóia no teto, bastante útil para refrigerar a cabine. Um defeito na versão TR que jamais foi sanado era que sua porta era presa ao pára-lama dianteiro por dobradiças. Qualquer um armado com uma chave Phillips podia desmontar a porta, entrar no jipe para roubar objetos ou mesmo dar uma voltinha com ele.

No modelo 1985 as novidades externas eram nova grade, pára-choques e lanternas traseiras. Por dentro o painel e o volante também eram mais modernos. A versão de luxo contava com bancos com encosto alto alem da clarabóia. Na parte mecânica vinham como novidade ignição eletrônica, nova suspensão traseira e diferencial com outra relação, que o deixou mais veloz em rodovias, econômico e silencioso. No mesmo ano a VW introduziu no Fusca a relação 3,875:1 como parte do pacote que objetivava redução de 5% no consumo médio de combustível. Como a Gurgel dependia do fornecimento da VW, a modificação foi estendida ao X12.

No ano anterior, a Gurgel lançava o jipe Carajás, outro nome indígena. As versões eram TL (teto de lona), TR (teto rígido) e MM (militar). Versões especiais ambulância e furgão também existiram. Um detalhe que logo chamava a atenção era o grande estepe sobre o alto capô dianteiro, solução inspirada nos Land Rovers que prejudicava a visibilidade frontal. De frente era notável a grade preta com quatro faróis retangulares, iguais aos do Passat. Opcionalmente podia vir com o guincho.

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Carajas

O Carajás era um jipão na melhor definição. Chamava a atenção por onde passasse. Tinha duas portas laterais e uma traseira com abertura meio a meio. Sobre o teto, uma clarabóia para ventilar a cabine. Dentro havia um forro duplo do teto, com cinco difusores de ar, dois para os passageiros da frente e três para os de trás - e funcionava bem. Sobre o teto, como opcional, era oferecido um enorme bagageiro.

A carroceria, em plástico reforçado com fibra-de-vidro, tinha sempre cor preto-fosco no teto. O detalhe podia mascarar sua altura, mas concorria para aquecer o interior. Os bancos dianteiros, com encosto para cabeça, corriam sobre trilhos e facilitavam a entrada de passageiros atrás. A posição de dirigir era boa só para as pessoas mais altas.

O chassi Plasteel também estava presente, junto com o sistema Selectraction. O motor dianteiro de 1,8 litro e 85 cv, refrigerado a água, era o mesmo do Santana e podia ser a álcool ou a gasolina. Depois veio a versão com motor diesel de 1,6 litro e 50 cv, também refrigerado a água e usado na Kombi. Um detalhe mecânico interessante era o TTS.

Para transmitir a força do motor para as rodas traseiras, era usado o Tork Tube System, um tubo de aço, com uma árvore de transmissão de aço em seu interior, que interligava o motor dianteiro ao conjunto traseiro de embreagem, câmbio, diferencial e semi-árvores. Uma ótima solução, encontrada pelo fato de o Carajás usar quase todo o conjunto mecânico do Santana, que é de tração dianteira. A caixa de mudanças, entretanto, era de Volkswagen "a ar".

O sistema era novidade no país, baseado num transeixo, ou transmissão e diferencial juntos, instalados na traseira de um veículo de motor dianteiro. Mas mostrou-se frágil, pois era muita potência do motor 1,8-litro transmitida para o conjunto traseiro previsto para motores 1,6 refrigerado a ar. A embreagem situava-se na dianteira do veiculo, junto ao volante motor, sendo um defeito relevante, pois a troca de marcha deveria ser feita com um tempo maior em relação a outros veículos, devido a inércia do conjunto TTS com o eixo primário da caixa de transmissão.

A suspensão do Carajás era independente nas quatro rodas. Na frente era utilizado o conjunto de eixo dianteiro da Kombi, enquanto na traseira a disposição era de braço semiarrastado com mola helicoidal. Apesar das dimensões e do peso do carro, era confortável, ótimo de curva, de rodar macio e tranqüilo no asfalto ou em terrenos difíceis. Sua capacidade de carga era de 750 kg.

Em 1988 eram apresentadas as versões VIP e LE do Carajás. As mudanças eram na porta traseira, agora numa peça só; nas maçanetas, capô e grade frontal, que passava a fazer parte da carroceria. Na VIP as rodas eram cromadas, os vidros fumê, a pintura metálica acrílica e os bancos tinham melhor revestimento. Mas o Carajás era caro para o público e não alcançou o sucesso esperado.

Em 1986 o nome do X12 havia foi trocado por Tocantins, acompanhado de ligeira reforma estética. O veiculo passou a apresentar linhas mais modernas, mas ainda lembrando bem suas origens. Ele deixou de ser fabricado em 1989.

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Devido às exportações para o Caribe, o X12 atrapalhou e encerrou a produção do VW 181, utilitário de conceito similar feito pela filial mexicana da Volkswagen. As relações com a fábrica alemã, que eram ótimas, foram abaladas, mas o próprio Gurgel não queria ficar atrelado à VW a vida toda. Ele queria voar mais alto, e quase conseguiu.

Além dos utilitários, Gurgel sonhava com um minicarro econômico, barato e 100% brasileiro para os centros urbanos. Em 7 de setembro de 1987, segundo ele, dia da independência tecnológica brasileira, foi apresentado o projeto Cena, "Carro Econômico Nacional", ou Gurgel 280. Este era o primeiro minicarro da empresa, projetado para ser o mais barato do país. Os motores, de configuração única no mundo, eram como os VW 1.300 e 1.600 cortados ao meio: dois cilindros horizontais opostos, 650 ou 800 cm3 , mas refrigerados a água. A potência seria de 26 ou 32 cv conforme a versão.

O carro seria lançado em opções 280 S, de sedã, e 280 M, de múltiplo, com capota removível - restariam, porém, as molduras das portas e vidros laterais, bem como uma barra estrutural do teto. Solução interessante era o porta-luvas, uma maleta executiva que podia ser removida. Com a evolução do projeto, o motor menor foi abandonado e a cilindrada fixada em 0,8 litro, originando o nome BR-800. O motor fundido em liga de alumínio-silício era batizado como Enertron e projetado pela própria empresa. Este motor foi inteiramente pesquisado e desenvolvido pela Gurgel no Brasil, e ainda contou com elogios de marcas consagradas, como a Porshe, Volvo, Citroën e vários especialistas em motores.

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O avanço de ignição era controlado por um microprocessador (garantido durante cinco anos) e não havia necessidade de distribuidor, pois o disparo era simultâneo nos dois cilindros, idéia aproveitada dos motores Citroën de disposição semelhante. O sistema de ignição era outra patente da Gurgel.

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Motor Enertron

O pequeno motor reunia alguns aspectos notáveis. Por exemplo, podia ser levado a praticamente 6.000 rpm sem flutuação de válvula (fechamento incompleto devido à velocidade excessiva), o que o motor VW não tolerava, mal passando de 5.000 rpm. A refrigeração a água com ventilador elétrico funcionava muito bem. A velocidade máxima era de 117 km/h.

Gurgel, sempre querendo incorporar avanços, idealizou o motor sem correia trapezoidal para acionar acessórios, como o alternador, visando facilidade de manutenção, preocupação nada desprezível. Para isso, o alternador era acoplado diretamente ao comando de válvulas. Só que devido à rotação do comando ser metade da do motor, o alternador não desenvolvia potência suficiente em várias condições de uso, como todos os acessórios ligados ao dirigir moderadamente. O resultado era a descarga da bateria, uma inconveniência e tanto para o motorista. Assim, a fábrica não demorou para voltar atrás e modificar a montagem do alternador, que passou a receber movimento do motor pela maneira tradicional de polias e correia trapezoidal, e com redução apropriada (cerca de 2:1), resolvendo definitivamente o problema.

O BR podia transportar quatro passageiros com relativo conforto e 200 kg de carga. Pesava 650 kg, tinha duas portas e vidros corrediços, o que prejudicava a ventilação da cabine. Para guardar objetos no pequeno porta-malas, abria-se o vidro traseiro basculante, que servia de porta; o acesso não era dos mais cômodos. Ainda assim era melhor do que a solução original de vidro traseiro fixo, em que era preciso acessar aquele compartimento por dentro do carro, como no Fusca. Por outro lado, o estepe tinha acesso muito pratico por fora, em uma tampa traseira.

O Governo Federal, num louvável gesto de apoio à indústria nacional, concedeu ao carrinho o direito de pagar apenas 5% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto os demais carros pagavam 25% ou mais dependendo da cilindrada. O objetivo de projetar um carro com o preço final de US$ 3000 não se concretizou, o preço acabou ficando por volta de US$ 7000, mas graças ao incentivo fiscal, ainda era cerca de 30% mais barato que os compactos de outras montadoras, a exemplo da época poderíamos citar o FIAT Uno.

Lançado em 1988, foi produzido até 1991. De início, a única forma de compra era a aquisição de ações da Gurgel Motores S/A, que teve a adesão de 8.000 pessoas. Sob uma campanha convidativa - "Se Henry Ford o convidasse para ser seu sócio, você não aceitaria?" -, foram vendidos 10.000 lotes de ações. Cada comprador pagou os US$ 7.000 pelo carro e cerca de US$ 1.500 pelas ações, o que se constituiu um bom negócio para muitos - no final de 1989 havia ágio de 100% pelas mais de 1.000 unidades já produzidas.

Em 1990, quando o BR-800 começava a ser vendido sem o pacote compulsório de ações, quando parecia estar surgindo uma nova potência (tupiniquim) no mercado automobilístico, o Governo isenta todos os carros com motor menor que 1000cm3 do IPI (numa espécie de traição à Gurgel). Assim a Fiat, seguida por outras montadoras, lançou quase que instantaneamente o Uno Mille com o mesmo preço do BR-800, mas que oferecia mais espaço e desempenho.

Tentando reagir a Gurgel lança em 1992 uma evolução do BR-800, o Supermini. Tinha um estilo muito próprio e moderno. Media 3,19 m de comprimento, sendo ainda o menor carro fabricado aqui. Estacionar era com ele mesmo, devido à pequena distância entre eixos (1,90 m) e uma direção leve. Tinha faróis quadrados, grade na mesma cor do carro, duas portas, dois volumes e boa área envidraçada. As linhas eram mais equilibradas que em seu antecessor.

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Supermini

A carroceria era em plástico FRP e tinha garantia de 100 mil quilômetros, alta resistência a impactos e, como tradição da fábrica, estava livre da corrosão. Era montada sobre um chassi de aço muito bem projetado e seguro, bem resistente à torção. Os pára-choques dianteiro e traseiro, assim como a lateral inferior, vinham na cor prata.

O sucessor do BR800 tinha tudo para emplacar. Estilo mais harmonioso, um motor que já tinha caído no gosto do público por ser econômico e confiável e aquela torcida para que o Brasil finalmente tivesse uma fabricante nacional. Mas o governo deu um tombo daqueles nos planos de João Amaral Gurgel.

Primeiro foi a lei do carro popular. Com o BR800, a Gurgel atuava em um nicho sem concorrentes. A redução de impostos para modelos 1.0, que beneficiaria principalmente a Fiat, com o Uno Mille, colocou um monte de cachorro grande pra brigar com o fox paulistinha. O Supermini chegou em 1992, mas serviria só para segurar as pontas até a empresa ter um modelo que pudesse voltar a colocá-la em vantagem: o Delta.

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chassi

O Supermíni usava o mesmo motor bicilíndrico, só que um pouco mais potente (3cv a mais). Todo o conjunto motriz tinha garantia de fábrica de 30 mil quilômetros. Os vidros dianteiros não eram mais corrediços nem tinham quebra-ventos, e agora havia uma verdadeira tampa de porta-malas. O banco traseiro bipartido possibilitava o aumento da capacidade do porta-malas. O consumo era baixo. Fazia 14 km/l na cidade e, a uma velocidade constante de 80 km/h, até 19 km/l em quarta marcha.

Como destaques tinha motor com suspensão pendular, com coxim em posição elevada. A suspensão dianteira já não era mais a Springshock do BR-800 - mola e amortecedor combinados, fabricados na própria Gurgel, que apresentavam enorme deficiência -, mas uma disposição convencional de braços transversais superpostos com mola helicoidal. A traseira era por segmento de feixe de molas longitudinal. A versão SL trazia como equipamentos de série conta-giros, antena de teto, faróis com lâmpadas halógenas e rádio/toca-fitas. Até junho de 1992, 1.500 unidades do Supermini haviam sido vendidas.

Pouco depois a Gurgel mostrava o Motomachine, veículo bastante interessante. Acomodava dois passageiros e usava, entre outras peças, o mesmo motor do Supermíni. Tinha para-brisa rebatível, e tanto o teto de plástico quanto as portas em acrílico transparente eram removíveis. Era um carro de uso restrito, feito para a curtição ou o transporte básico nos grandes centros. Poucas unidades circulam e são dignas de apreciação e curiosidade.

O próximo projeto, batizado de Delta, seria um novo carro popular que usaria o mesmo motor de 800cm3 e custaria entre US$ 4000 e US$ 6000, mas não chegou a ser fabricado. Gurgel chegou a adquirir todas as máquinas-ferramenta que acabaram não sendo usadas.

Atolada em dívidas e enfraquecida no mercado pela concorrência das multinacionais, a Gurgel pediu concordata em junho de 1993. Houve uma última tentativa de salvar a fábrica em 1994, quando a Gurgel pediu ao governo federal um financiamento de US$ 20 milhões, mas este o foi negado, e a fábrica acabou fechando as portas no final do ano. Sem dúvida o grande engenheiro João Gurgel deixou seu legado na indústria nacional. Foi um homem à frente do seu tempo, corajoso e patriota que infelizmente não conseguiu suportar sozinho a concorrência das grandes multinacionais.

Os governos do Ceará, com Ciro Gomes, e de São Paulo, com Luiz Antônio Fleury Filho, havia prometido apoio aos planos de Gurgel, que faria uma fábrica em Fortaleza. Ali ele fabricaria até o câmbio do carrinho, com ferramental importado da fabricação do Citroën 2CV. Pois o ferramental ficou preso na alfândega. E os governos do Ceará e de São Paulo deram para trás nas promessas de ajuda. Com atrasos de produção e empréstimos por vencer, a empresa teve problemas de fluxo de caixa e acabou pedindo concordata em 1993. Em 1994, numa última tentativa de salvar a lavoura, Gurgel pediu ajuda ao governo federal, por um financiamento de US$ 20 milhões. Ele não veio e a falência foi decretada em 1994. A história toda foi contada no ótimo documentário “Sonhos Enferrujam”, produzido pelo pessoal da ECA/USP em 2004.

A injustiça é que o Supermini talvez fosse o melhor Gurgel já fabricado. O modelo que finalmente unia estilo e mecânica independente para fazer a empresa crescer. Foi muito azar não ter dado certo justo na vez dele. Ou talvez não tenha sido exatamente azar…

Fonte: https://www.noticiasautomotivas.com.br
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