CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Cientistas da USP criam Primeiras Células-Tronco Embrionárias Brasileiras

tronco30/09/2008 - A ciência brasileira acaba de obter a primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas em solo nacional. O avanço inédito, obtido por pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, deve ser anunciado na manhã desta quinta-feira em Curitiba, durante um simpósio de terapia celular ocorrendo naquela capital.O sucesso foi uma combinação de muito suor e alguma audácia por parte do grupo liderado por Lygia da Veiga Pereira, uma vez que a liberação definitiva para a produção de células-tronco embrionárias humanas só veio com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2008, que julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei de Biossegurança, que havia sido aprovada pelo Congresso em 2005.Se o grupo tivesse começado as pesquisas apenas após o julgamento no Supremo, não teria sido possível avançar tão depressa. “Na verdade, em 2005 as pesquisas haviam sido liberadas. A existência da ação de inconstitucionalidade não proibia.

Essa foi a minha interpretação”, conta Pereira.Ela usa como argumento que seu projeto foi aprovado pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e recebeu financiamento já em 2006. “Entendi isso como um sinal para ir adiante.”Mas nem tudo foram flores. Por conta da insegurança jurídica, houve gente no grupo de Pereira que teve a bolsa de estudos negada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que temia uma proibição mais adiante. Mesmo assim, com o auxílio de verbas federais e de instituições privadas, o grupo prosseguiu.

E, cerca de três meses atrás, após 35 tentativas, os cientistas conseguiram extrair a primeira linhagem estável de células-tronco a partir de um embrião. Desde então, os pesquisadores passaram a multiplicar essas células. Finalmente, algumas semanas atrás, conseguiram determinar que as células obtidas eram pluripotentes — podiam se transformar em qualquer tipo de tecido.

É exatamente por isso que as células-tronco embrionárias são tão cobiçadas. Agindo como curingas celulares, elas são teoricamente capazes de se transformar em qualquer tipo de célula que existe no corpo humano. Por isso há a esperança de que possam, no futuro, ser aplicadas em tratamentos de doenças hoje incuráveis, restabelecendo a saúde a órgãos ou tecidos danificados. Entre as muitas enfermidades que poderão um dia ser combatidas com terapia celular estão diabetes, mal de Parkinson e problemas cardíacos.

“Já vimos nossas células se transformarem em neurônio e músculo”, diz Pereira. “Pretendemos fazer agora testes em animais, para confirmar essa pluripotência.”

Células-tronco 2.0

A primeira linhagem brasileira de células-tronco já se beneficiou dos esforços obtidos por grupos estrangeiros que se mostraram equivocados. No início das pesquisas nos EUA, as células eram cultivadas junto com tecido animal, o que acabava produzindo uma contaminação permanente e impedindo seu uso em futuros testes clínicos.

No Brasil, aprendendo com os erros dos outros, o grupo de Lygia da Veiga Pereira evitou essa técnica e partiu para formas mais modernas de cultivar as células. “De certo modo, estamos com isso mais perto de trazer essas células-tronco para um cenário de testes clínicos. É como se fosse uma versão 2.0?, diz.

“Em 1998, surgiu a primeira linhagem de células-tronco embrionárias nos Estados Unidos. Em 2008, produzimos a primeira linhagem no Brasil”, relata Pereira. “Nós, trabalhando com o grupo do Stevens [Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro], estamos tentando recuperar o tempo perdido.”

Pereira deseja continuar multiplicando essas células em laboratório, para poder fornecê-las para outros grupos interessados no uso para pesquisa. “Já temos projeto para isso”, conta.

Da biologia para a medicina

Por enquanto, a imensa maioria dos trabalhos com células-tronco embrionárias tratam muito mais de ciência básica do que de tentar desenvolver tratamentos clínicos. Com as pesquisas brasileiras, não vai ser diferente.

Isso porque existem muitos riscos envolvidos com a inserção de células-tronco embrionárias em pacientes. Em animais, uma célula-tronco embrionária à solta já mostrou que pode se transformar num teratoma — uma espécie de câncer composto por todo tipo de tecido, de forma desordenada.

Para evitar que algo similar possa acontecer com humanos, os cientistas estão se acautelando e garantindo que tenham um entendimento completo de como controlar a diferenciação das células-tronco, de forma que ela produza só o bem, e nunca o mal.
“Na verdade, já sabemos bem como fazer a diferenciação, vários estudos já fizeram isso com muito sucesso”, afirma Pereira. “O que ainda é difícil é ter segurança. Quando você insere no organismo, será que sobrou alguma célula não-diferenciada que pode virar outra coisa?”

É uma pergunta dificílima de responder. E, segundo Pereira, o processo para solucionar a questão é totalmente empírico. “É basicamente pôr no bicho e ver se forma alguma coisa. E o que estamos vendo é que, em muitos casos, nada de anormal aparece.”
Para a pesquisadora brasileira, os primeiros testes clínicos com células-tronco embrionárias já estão próximos. “Tem uma empresa nos EUA que já entrou com um pedido para fazer”, diz. “Antigamente, eu costumava sempre responder a isso com, ah, em cinco a dez anos. Mas agora já acho que no ano que vem teremos o primeiro teste clínico com células-tronco embrionárias no mundo.”

Fonte : Portal G1