CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Cientistas decifram genoma do mamute e ja falam de "ressucitá-lo"

mammothDez/2008 - Os mamutes estão voltando, e o maior passo já dado para ressuscitar esses animais extintos durante a Era do Gelo foi comunicado nesta quarta-feira (19) por um grupo internacional de cientistas. A equipe conseguiu decifrar 70% do genoma do bicho — as letrinhas que compõem a receita genética para recriá-lo. O feito só pôde ser obtido graças a avanços recentes nas técnicas de leitura de DNA, que ao longo dos últimos 15 anos transformaram a decifração de genomas de missão hercúlea e bilionária a procedimento quase banal de processamento de dados. Os resultados dão a medida exata do avanço tecnológico: ...

as amostras de DNA de mamute estavam fortemente degradadas, tiradas do pêlo de indivíduos que morreram cerca de 20 mil anos atrás e foram preservados no gelo.  “Não havia cromossomos intactos na amostra de mamute”, revelou ao G1 Stephan Schuster, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA, pesquisador que liderou o estudo, publicado na edição desta semana da revista científica britânica “Nature”. “Todos os pedaços de DNA tinham apenas 100 a 150 pares de base cada um.”

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De grão em grão, no entanto, o mamute enche o papo. Juntando todos os pedacinhos, os cientistas “leram” mais de 4,1 bilhões de letras de DNA. Mas entraram aí também pedaços de genes que não pertenciam ao mamute, mas a contaminações de bactérias. Depois de um esforço de análise, constataram que 3,3 bilhões de letras de fato pertenciam ao genoma do mamute. Restava colocar essas letrinhas na ordem correta. E os cientistas fizeram isso tomando por base o genoma do elefante africano, um parente próximo do animal extinto. No final, concluíram a tarefa constatando que possuíam cerca de 70% do genoma completo do mamute.

Não é batatinha. Até outro dia, ninguém acreditava que isso fosse possível. E mais: os pesquisadores vão continuar trabalhando, para atingir a meta dos 100%.

 

 

Conclusões

Os resultados mostram algumas curiosidades sobre a evolução dos mamutes. Aparentemente, seu genoma é muito, muito parecido com o do elefante africano — uma diferença de apenas 0,6%. É apenas metade da diferença encontrada entre o genoma humano e o do chimpanzé.

Apesar disso, os pesquisadores acreditam que a época em que viveu o ancestral comum do elefante moderno e do mamute foi mais ou menos a mesma em que viveu o “elo perdido” entre chimpanzés e humanos. Isso, na prática, quer dizer que o ritmo de mutações do genoma da família dos elefantes é bem menor do que o dos primatas.

Para estabelecer essas comparações, os pesquisadores colocaram lado a lado os segmentos obtidos do genoma do mamute com o genoma seqüenciado de James Watson — o polêmico cientista americano que foi co-descobridor da estrutura do DNA, na década de 1950. “Ambos indivíduos parecem ter grandes personalidades”, brinca Schuster.

Outra coisa interessante antevista pelos cientistas é a possibilidade de estudar diferenças genéticas entre dois mamutes. No atual estudo, eles trabalharam com amostras de dois animais diferentes. O grupo especula que será possível investigar até mesmo possíveis sinais genéticos que expliquem a extinção dessas criaturas.

Revertendo a extinção

A perspectiva mais empolgante, entretanto, é a de no fim das contas usar a informação genômica obtida para promover a “ressurreição” dos mamutes.

Ao ser questionado sobre a possibilidade de fazer isso, Schuster se mostra otimista. “Sim, é possível, porque com nossos dados alguém pode fazer engenharia reversa num genoma de elefante, introduzindo as mudanças características do mamute. Isso depois seria introduzido num embrião, que seria implantado numa elefoa, que serviria de barriga de aluguel”, afirma o cientista.

Por ora, entretanto, o grupo está focado em extrair mais informações genômicas de outros animais extintos. “Nós já provamos que isso funciona para muitas espécies”, afirma Schuster. “Logo publicaremos esses novos trabalhos.”

Ressuscitado por técnicas de laboratório

Na opinião do biólogo molecular Stephan Schuster, da Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA), a maioria das pessoas vivas hoje viverá o suficiente para ver o mamute --um animal extinto-- ser ressuscitado com técnicas de laboratório.
Schuster liderou o grupo de pesquisadores que já conseguiu seqüenciar 80% do genoma do paquiderme peludo, trabalho publicado na edição desta quinta-feira da revista "Nature" (
www.nature.com).

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FOLHA - Com a publicação do genoma do mamute, fala-se agora na possibilidade de "ressuscitar" esse animal extinto. Isso vai ser possível?

STEPHAN SCHUSTER - Há, em princípio, dois modos de fazer isso. Há um grupo de japoneses que tentou durante uns dez anos achar um mamute com material para isso. Seria preciso achar um tecido de mamute bem preservadoe então tentar achar um núcleo celular intacto, para implantar num óvulo de elefanta e, então, usá-la como mãe de aluguel. Isso pode parecer fácil, porque dessa maneira teríamos imediatamente um mutante clonado. Fazemos isso com gado todos os dias, não? Mas, absolutamente, não é possível fazer isso com os mamutes. A razão é que, a partir dos nossos estudos, sabemos que o DNA em todos os remanescentes de mamutes que analisamos está quebrado em pequenos pedaços de cerca de cem pares de bases [as letras do DNA]. A única maneira de fazer o trabalho, então, seria uma segunda abordagem. Primeiro precisaríamos seqüenciar esses pequenos pedaços quebrados muitas vezes, repetidamente --dez vezes mais do que precisamos fazer para montar um genoma. Então poderíamos, no computador, usar o genoma dos elefantes africanos como referência para montar toda a informação sobre o mamute, numa sobreposição. Isso resultaria num genoma do mamute em alta resolução.Mas aí você teria o problema de o genoma estar no computador. Precisaríamos inseri-lo num óvulo de elefanta, e a única maneira que alguém pode imaginar de fazer isso é pegar elefante existente e introduzir em seu genoma as mudanças, uma por uma. Isso iria requerer mais de 400 mil alterações. E se você quisesse fazer para o genoma inteiro seriam vários milhões de alterações.

FOLHA - Alguns pesquisadores defendem essa abordagem, mas dizem que o resultado seria mais um elefante peludo e dentuço, do que uma cópia do velho mamute-lanoso da Era Glacial. Isso está correto?

SCHUSTER - Sim.
 
FOLHA - O trabalho que o sr. publicou agora mostra 80% do genoma do animal. Vai ser preciso obter 100% dos dados para tentar fazer esse tipo de ressurreição que o sr. descreve?

SCHUSTER - Sim, nós precisaríamos do genoma inteiro para isso. Temos sim planos produzir uma versão ainda melhor do genoma do mamute, mas isso vai precisar de muito mais verbas. A única limitação que temos para esse projeto, agora, é mesmo o dinheiro. Mas eu acho que isso custaria apenas mais US$ 1 milhão ou US$ 2 milhões para completar o genoma do mamute, o que não é tanto dinheiro, comparado a outros projetos.

FOLHA - Um cientista que comenta seu trabalho na "Nature" diz que os 80% ainda não permitem saber muito sobre como o DNA influencia a aparência do animal.

SCHUSTER - Para os dois traços que você menciona nós não sabemos, mas no manuscrito nós descrevemos 92 posições [do DNA] nas quais o mamute é muito diferente do elefante e também muito diferente de outros animais que foram seqüenciados. Essas diferenças, acreditamos, têm a ver com o fato de o mamute ter vivido em clima frio.

FOLHA - Um diagrama publicado no seu trabalho mostra que o elefante-asiático é mais próximo do mamute do que os elefantes africanos o são. Um genoma dessa espécie não ajudaria também a completar o genoma do mamute?

SCHUSTER - Sim, isso é outra coisa que precisaria ser feita.

FOLHA - O seu trabalho contou com amostras de DNA sobretudo de dois mamutes achados congelados. Se forem encontrados espécimes em melhor estado de conservação, isso poderia facilitar o trabalho?

SCHUSTER - A amostra de um desses indivíduos, que chamamos de M4, já está praticamente perfeita, porque 90% das seqüências [pedaços de DNA] que obtivemos são de mamute, não de bactérias, vírus ou fungos do ambiente que contaminam a amostra. Então, eu não acho que precisemos de amostras melhores e não gastaria montes de dinheiro para tentar achar amostras melhores.
FOLHA - Os espécimes que vocês analisaram foram achados na Sibéria?

SCHUSTER - Sim, todos eles foram achados na Sibéria, depositados em permafrost [solo congelado], se estendendo para fora.
FOLHA - Há duas semanas, um grupo de cientistas japoneses conseguiu clonar um camundongo que havia sido congelado por 16 anos usando transferência nuclear direta, mas o sr. diz que isso não será possível. O problema é o tempo de congelamento, já que os mamutes ficam dezenas de milhares de anos no permafrost?

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SCHUSTER - Não acredito que o tempo seja a diferença, mas sim o tamanho do animal. Se fazemos um experimento desses com um camundongo, podemos congelá-lo quase instantaneamente. Se um mamute morre, mesmo que seja numa temperatura de 40º C negativos na Sibéria, levaria várias horas ou dias para todo o cadáver se congelar. Então, há tempo mais do que suficiente para o DNA se degradar. É por isso que todos os cromossomos nos mamutes já estão quebrados no momento em que se congelam.

FOLHA - O que os japoneses estão propondo, então, não seria possível se fossem encontrados mamutes que tivessem tido a sorte de ser mais bem preservados?

SCHUSTER - Não. Não acho que o que eles estejam tentando seja factível, pelo menos do modo com que eles estão tentando fazer. É viagem, nunca vai funcionar.

Mas vai funcionar da maneira que eu descrevi, em que primeiro você seqüencia o genoma do elefante e depois insere as alterações de mamute.

FOLHA - Alguns cientistas dizem que o uso de elefantas como mães de aluguel também é uma barreira para o projeto de ressuscitar os mamutes, independentemente da abordagem adotada.

SCHUSTER - Acho que há algum risco, mas não sei dizer quão relevante é esse problema. Acho que as pessoas provavelmente tentarão superá-lo.

FOLHA - Seu trabalho também ainda não sabe dizer quantos cromossomos tinha o genoma do mamute. Será possível descobrir isso quando vocês chegarem a 100% do genoma?

SCHUSTER - Não. Não acho que possamos resolver isso. Mas uma coisa que podemos fazer é pegar os genes do mamute e tentar montá-los sobre os cromossomos do elefante. Não temos como voltar no tempo para saber como eram os cromossomos.
 
FOLHA - Um mamute ressuscitado com essa estratégia alternativa, então, será possível? As pessoas de hoje vão viver o suficiente para ver isso?

SCHUSTER - Eu tenho certeza de que vai acontecer, por causa dos avanços na medicina reprodutiva em bovinos. A peça que falta é conseguir fazer a reconstrução [de genes do mamute] no genoma do elefante de modo realmente rápido e com bom custo/beneficio.

Fonte: Portal G1
         
http://www1.folha.uol.com.br