CIÊNCIA E TECNOLOGIA

E-drugs se tornam o novo fenômeno da web - Parte 2

E-drugs 1Drogas digitais: usuários relatam os efeitos das e-drugs - 18/08/2010 - Distribuídas via internet e com efeitos desconhecidos, drogas prometem entorpecer por meio de efeitos sonoros - mas especialistas discordam. Modinha entre jovens franceses, as “i-doses” ou “e-drugs” são arquivos de áudio que geram supostos efeitos alucinógenos. Os sons e ruídos, “consumidos” por meio de fones de ouvidos, são baixados ou comprados pela internet. E como não envolvem substâncias ilícitas, as drogas digitais não são proibidas e estão à distância de um clique.

Os supostos efeitos dessas “e-drugs” são baseados na técnica bineural beats. A partir da reprodução de duas frequências diferentes, o cérebro criaria uma terceira para dar equilíbrio. Cada conjunto sonoro leva um nome e promete efeitos diferentes: alucinógeno, relaxante, energizante, entre outros.

“É relativo, elas são baseadas em hipótese e vendidas como fatos concretos”, avalia o Alexandre Pills, psicólogo integrante do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC.

"A sensação é que você vai ver as portas do inferno, fica estressado, se sentindo mal e com dores no corpo”, relata o estudante JB, de 20 anos, sobre sua “e-drug” preferida. Ele mora em Paris e conheceu as drogas digitais há um pouco mais de um mês. O efeito, segundo ele, varia de acordo com a sensibilidade da pessoa. Para justificar a sensação de JB, Alexandre acredita na autosugestão. “É como fumar orégano pensando que é maconha e achar que algo aconteceu”, diz o psicólogo.

Já o publicitário paulistano Claus, de 27 anos, escutou as “e-drugs” e não acredita nos efeitos das pílulas sonoras alucinógenas. “Muito barulho por pouco efeito. Isso é criado para alguém predisposto a sentir os efeitos. Eu ouvi totalmente cético e não aconteceu nada”, conta. Estudante em Paris, Juba, de 23 anos, também acha que as drogas digitais são uma fraude. “Provei uma boa dezena sem ter resultado algum. Escutei as doses mais caras e com fama de serem eficazes, mas não senti nada”, fala.

Para o universitário Harley, 26 anos, o uso frequente levou ao mesmo efeito da meditação. “Conheci em uma comunidade do Orkut, comecei a pesquisar e me interessei mesmo quando vi as doses que mudam as ondas cerebrais. Já sabia que determinados sons tem essa propriedade”, acredita.

Para Alexandre, as “e-drugs” são uma tentativa de dar uma cara nova para um método de meditação e relaxamento. “Até faz sentido. O som é um estímulo, como a luz e a cor. Pegaram essa pequena alteração de estado e colocaram a roupagem de uma droga, mais interessante para essa era digital”, avalia. “Um dos sites trata o representante de vendas como traficante. Já viu traficante fazer isso? É para criar um encantamento e ressalta ainda mais o valor de placebo”, completa.

A diferença das drogas digitais está também na relação do usuário. Enquanto uma droga ilícita é uma compensação, a “e-drug” é uma busca interna porque exige concentração na busca de um efeito. “É diferente procurar algo de fora para resolver um problema ou ter que prestar atenção no ruído, ouvir várias vezes”, diz o psicólogo.


Uma "onda"


31/08/2010 - Por Andrea Castello Branco - Internautas relatam efeitos semelhantes aos do LSD e do ecstasy em pílulas sonoras. Drogas digitais sonoras, conhecidas como e-drugs, viram um fenômeno na internet, mas especialistas afirmam que seu efeito não passa de autossugestão.

Deitado em seu quarto, um adolescente coloca os fones de ouvido e se concentra no som. Durante alguns minutos, ele fica ali, curtindo e esperando surgir alguma sensação fora do comum. A intenção não é relaxar, mas ter uma experiência psicodélica.

A “droga” consumida não é de beber, fumar, cheirar ou injetar, mas de ouvir: são pílulas sonoras digitais, que, com simples batidas combinadas, obrigam o cérebro a tentar equilibrá-las. Daí surgiria a “onda”.

“Nascidas” nos Estados Unidos, as e-drugs têm ganhado adeptos pelo resto do mundo graças às redes sociais. As sessões sonoras podem variar de 15 a 30 minutos, e as drogas mais consumidas têm nomes sugestivos, como Orgasm, Peyote, Marijuana ou Lucid Dream. Em sites especializados, os preços das doses variam de 7 a 150 euros.

A explicação estaria nas ondas bineurais, uma técnica que consiste na reprodução do som com duas frequências distintas, mas muito parecidas, uma em cada ouvido. Isso forçaria o cérebro a produzir uma terceira frequência, que iria equilibrar os outros dois estímulos. Ao criar essa terceira frequência, ele desencadearia sensações parecidas com as de entorpecentes. Embora a técnica tenha sido descrita em 1839, ela nunca foi comprovada cientificamente.

Tereza Raquel Alcântara Silva, musicoterapeuta e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que alguns trabalhos científicos mostram que as regiões cerebrais ativadas durante a audição de uma música que causa prazer à pessoa são as mesmas envolvidas em estímulos indutores de excitação, prazer e uso de drogas de maneira geral.

“Mas é importante salientar que os pesquisadores utilizaram a música indicada pelo próprio sujeito da pesquisa, como sendo a que causasse ‘frio na espinha’ - expressão utilizada por eles para definir a sensação provocada pela música. Isso significa que a percepção musical é única. Portanto, varia de indivíduo para indivíduo. Muito se tem falado a respeito das drogas virtuais, mas acredito que esse tema merece estudos mais aprofundados, uma vez que ainda é muito recente”, pondera.

Segundo a musicoterapeuta, a música possui uma estreita relação com o cérebro e os vários elementos que a compõem - como ritmo, harmonia, timbre e melodia - ativam uma região cerebral distinta, como lobo temporal superior ou cerebelo.

“Pode-se dizer que o nosso cérebro é musical, uma vez que responde e altera suas estruturas mediante estímulos musicais. A região do cérebro responsável pela ‘transmissão de informações’ de um hemisfério ao outro é mais desenvolvido em músicos profissionais, o que significa que existe uma alteração neuroanatômica.
A música também pode alterar nosso nível hormonal, a frequência cardíaca e o padrão respiratório”, explica.

Arthur Kummer, psiquiatra especialista em criança e adolescente e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), não acredita no poder das e-drugs.

“Elas têm um efeito placebo, isto é, podem provocar alguma reação porque a pessoa acredita que aquela música pode dar um ‘barato’. Mas não há qualquer evidência científica”, diz. Kummer não desconsidera a influência da melodia no comportamento e afirma que, dependendo do ritmo, ela pode levar a pessoa a ficar mais relaxada ou agitada.

Entre os depoimentos deixados nos sites que divulgam as e-drugs, é possível encontrar relato de pessoas que não sentiram absolutamente nada ao tomar as doses - “esta idoser me decepcionou muito, pois não aconteceu nada comigo” - quanto de pessoas que tiveram reações físicas e alucinações.

“No primeiro minuto, senti vontade de chorar. Minutos depois, comecei a sentir frio, muito frio, e eu comecei a sentir o coração bater forte, o barulho de pássaros voando, cachorros latindo”, relata outro internauta.

Prejuízos. Os riscos das e-drugs são pequenos, segundo Arthur Kummer. “Não há registro de alterações significativas com estímulo sonoro. Já estímulos visuais ou alterações na frequência de luz podem causar uma alteração neurológica, como desencadear uma crise epilética”, diz.

Para a musicoterapeuta Tereza Raquel Alcântara Silva, toda experiência que altera o funcionamento cerebral pode, de alguma maneira, trazer benefícios ou malefícios. “É como um medicamento que pode melhorar o sintoma, mas também provocar efeitos colaterais. As ‘doses sonoras’, por exemplo, vêm acompanhadas de
recomendações de limite máximo de tempo de audição. Certamente, alguma experiência já mostrou que o uso inadequado pode causar dano ao usuário. Mas tudo isso é ainda muito incipiente e carece de mais estudos”.


Efeito placebo de e-drugs é extraordinário e muito mal compreendido


28/09/2010 - Por Hélio Schwartsman - E-drugs existem há dezenas de milhares de anos e atendem pelo nome de música. O resto é marketing. Que padrões sonoros afetam o cérebro humano suscitando emoções não é exatamente novidade. É justamente isso que torna a música interessante. Vendedores de e-drugs sugerem que suas faixas são mais poderosas que Beethoven e causam efeitos semelhantes aos de LSD e haxixe. É possível, mas altamente improvável.

O conceito básico por trás das e-drugs são os sons binaurais. São produzidos quando cada um dos ouvidos é submetido a tons ligeiramente diferentes. Assim, se o nosso ouvido esquerdo captar um som com uma frequência de 97 Hz, e o direito, de 103 Hz, o cérebro irá perceber um diferencial de 6Hz e, num esforço de sincronização, tende a operar nessa frequência, que, no caso, corresponde à das ondas teta (4 a 7 Hz), associadas ao sono REM (com sonhos). Ao menos em teoria, a pessoa irá sentir-se gradualmente mais relaxada e sonolenta.

O efeito das ondas binaurais é real e foi descoberto em 1839 pelo físico prussiano Heinrich Wilhelm Dove. O que ainda não foi demonstrado é que padrões sonoros binaurais possam induzir muito mais do que estados de excitação e relaxamento. Dizer que causam alucinações, orgasmos e êxtases religiosos é uma afirmação retumbante que deveria ser acompanhada de evidências igualmente bombásticas.

Até agora, elas ainda não apareceram. Só o que existe são relatos de pessoas que dizem ter experimentado essas sensações publicados no site de empresas que comercializam as e-drugs. Mesmo que demos crédito a esses indícios anedóticos, eles são melhor explicados pelo efeito placebo do que por mecanismos cerebrais mais exóticos.

Aqui é preciso um certo cuidado. Dizer que uma dada manifestação se deve ao efeito placebo está longe de significar que ela não exista. O placebo é, a um só tempo, um dos mais extraordinários aspectos da neurologia humana e um dos mais mal compreendidos. Ele é extraordinário porque mostra que o cérebro produz reações que normalmente só ocorrem com recurso a drogas poderosíssimas. E é mal compreendido porque costuma ser descrito meio pejorativamente como algo que "está apenas na sua cabeça".

A verdade, contudo, é que o efeito placebo é bastante poderoso e incrivelmente real. Só não o utilizamos a torto e a direito na medicina por razões éticas. Placebos sempre envolvem algum grau de enganação. A confiança no médico e parte do efeito curativo se perdem se o paciente descobre que estava tomando pílula de farinha em vez de remédio "real".

Para quem está apenas interessado em curtir um pouco, sem preocupações éticas ou curiosidades neurofisiológicas, e-drugs são uma alternativa mais saudável que drogas de verdade. É claro que só funcionarão com os mais crédulos.


Fonte: http://veja.abril.com.br/
            http://www.pcguia.xl.pt/
            http://br.noticias.yahoo.com/
            http://www1.folha.uol.com.br/
            http://delas.ig.com.br/
            http://www.otempo.com.br
            Folha de São Paulo