VERDADES INCONVENIENTES

O Legado das Difenilas Policloradas (PCBs) - Parte 2

leg pcbs topo 2Os PCBs e os seres vivos - Devido à grande estabilidade química e a ampla disseminação de produtos contendo PCBs, principalmente na primeira metade deste século, torna-se possível encontrá-los de forma ubíqua, preponderantemente devido à descarga direta ou indireta no ambiente ocasionada por atividades antrópicas. Compartimentos contaminados tais como solos ou sedimentos atuam como reservatório destes compostos, possibilitando a contaminação da biota. Algumas espécies vegetais, embora possuindo baixos valores de biomagnificação e não apresentarem metabolização dos congêneres de PCBs, podem absorve-los refletindo desta forma o grau de contaminação do ambiente20. A entrada dos PCBs na cadeia alimentar é devida principalmente as suas propriedades físico-químicas. Estes podem sofrer, ao longo da cadeia alimentar, um processo de bioconcentração e biomagnificação.

Bioconcentração é o mecanismo pelo qual ocorre acúmulo do contaminante resultante da absorção e eliminação simultâneas. Biomagnificação resulta do processo de acúmulo da concentração do contaminante nos tecidos dos organismos vivos na passagem de cada nível trófico da cadeia alimentar. O potencial de biomagnificação do contaminante na cadeia trófica é determinado pela lipoficidade dos congêneres de PCBs, pela estrutura e pela dinâmica da cadeia alimentar onde a concentração do contaminante aumenta com o nível trófico.

Espécies predadoras apresentam tendência a altos fatores de bioacumulação de PCBs em relação a suas presas21,22. Deste modo o homem, por ocupar o topo da cadeia trófica, está sujeito a um maior risco de exposição a estes contaminantes que, quando presentes nos alimentos consumidos encontram- se em concentrações 100 vezes superiores as das encontradas em águas. Esse acúmulo de contaminantes nos tecidos dos organismos ocorre através de qualquer via, incluindo: ingestão e contato direto com a água, alimento e sedimento contaminado. Isso faz com que a alimentação esteja entre os principais meios de exposição de PCBs para o homem, embora existam outras rotas de exposição.

O fator de bioacumulação de uma substância xenobiótica no corpo dos organismos vai depender do balanço entre as taxas de assimilação, metabolização e excreção. A fase de assimilação pode ser considerada fundamental para o processo de bioacumulação, pois é a fase na qual as substâncias químicas são introduzidas nos organismos. Neste processo a substância pode ser absorvida no trato respiratório ou intestinal onde geralmente é ligada a uma proteína e transportada pelo sangue para transformação e/ou armazenamento. Pode sofrer metabolização no fígado, ser armazenada, ou então pode ser excretada pela bile ou fezes, podendo ainda passar à corrente sangüínea para possível excreção pelos rins ou ficar armazenada nos tecidos extra-hepáticos.

No caso dos PCBs a taxa de assimilação varia conforme o número de átomos de cloro e sua distribuição na molécula congênere. Os PCBs com poucos de átomos de cloro e baixo valor Kow são mais rapidamente excretados, enquanto que PCBs com grande quantidade de átomos de cloro na molécula são excretados mais lentamente30. Apresenta-se na Figura 2 uma proposição para as possíveis rotas de acumulação de compostos xenobióticos, pelos peixes através da água ou por seus hábitos alimentares. Entretanto, o padrão de absorção pode ser alterado devido a mudanças comportamentais ou mesmo devido a mudanças climáticas da região onde a espécie habita

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Alguns Aspectos sobre efeitos Toxicológicos dos PCBs


Desde 1950 havia interesse pela poluição provocada por DDT e compostos organomercuriais, isso devido a possíveis evidências de malefícios da utilização destes compostos33. O mesmo não ocorria com os PCBs que devido ao seu uso, predominantemente industrial, não chamava atenção principalmente por não terem sido constatados quaisquer problemas devido ao uso destes compostos. Desta forma somente a partir de 1966 os PCBs foram considerados como poluentes do meio ambiente. A partir daí os efeitos toxicológicos e bioquímicos das misturas de congêneres individuais têm sido estudados principalmente em peixes34,35, células de mamíferos36 e até mesmo no homem11.

O potencial genotóxico para alguns congêneres de PCBs depende de sua conformação espacial. Esta conformação é classificada em planar ou coplanar, sendo definida pelo número e posição dos átomos de cloro na molécula dos PCBs. A conformação planar apresenta átomos de cloro na posição orto (2,2’) na molécula do PCB, enquanto que na conformação coplanar não existem átomos de cloro nesta posição. A conformação coplanar é considerada a mais tóxica possuindo ação semelhante a da tetraclorodibenzodioxina (TCDD), que é considerada como padrão de referência toxicológica. O mecanismo de atuação dos PCBs, com estruturas coplanares é do tipo 3- metilcolantreno, que é similar ao da TCDD, enquanto que os demais atuam com mecanismo de indução tipo fenobarbital ou então com mecanismo tipo misto37. Os efeitos toxicológicos dos congêneres de PCBs podem ser avaliados comparando-os aos efeitos da TCDD. Isso é possível devido a similaridade estrutural, Figura 3, dos congêneres dos PCBs com a estrutura TCDD. Fundamentando-se nesse critério foi adotado o TEF (Fator de Equivalência Toxicológica) para os PCBs, que relaciona o potencial toxicológico do congênere de PCB com a TCDD. Apresentam-se na Tabela 7 os valores de TEF além de outros dados toxicológicos para alguns congêneres de PCBs.

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Estudos toxicológicos realizados em cobaias têm demonstrado que a contaminação por PCBs pode alterar principalmente as funções reprodutivas dos organismos. Foram observado distúrbios na maturação sexual e efeitos teratogênicos38 trazendo como conseqüência a degradação da progênia. Isto faz com que no ambiente estes efeitos possam se propagar ao longo de toda a cadeia trófica, através da bioacumulação afetando todas as espécies39. Nos seres humanos as conseqüências de contaminação por PCBs somente podem ser avaliadas no caso de exposição em acidentes ou por exposição ocupacional. Nestes, os principais sintomas observados foram: cloracne, hiperpigmentação, problemas oculares, além da elevação do índice de mortalidade por câncer no fígado e vesícula biliar.

Acidentes com PCBs

Casos de Yusho(Japão) e Yu-Cheng(Taiwan)

Em 1968, no Japão mais de 1600 pessoas envolveram-se em um grande acidente ambiental, devido ao consumo acidental de óleo de arroz que fora contaminado com PCBs, policlorodibenzofuranos (PCDF) e terfenilas policloradas (PCT) oriundo de um trocador de calor. Este episódio foi conhecido como Yusho38, devido ao nome do óleo de arroz. Um outro acidente semelhante aconteceu em Yu-cheng, Taiwan, com contaminação de fluídos industriais KC-400 e KC-500 no óleo de arroz em 1979 o qual apresentou a quantidade de 196mg/g para PCBs total.

A fatalidade causada pela ingestão do óleo de arroz contaminado foi avaliada como a mais importante ocorrência para análise dos malefícios à saúde humana causada por compostos clorados aromáticos sem a extrapolação de experimentos em animais de laboratório40. Os sintomas apresentados pelas vítimas foram: fadiga, dor de cabeça, dores com inchaço, inibição do crescimento da dentição, anemia, problemas sangüíneos, redução da condução nervosa, erupção na pele, despigmentação, dor nos olhos, entre outros. A comparação das análises do sangue e tecidos das vítimas destes acidentes com as de trabalhadores expostos a PCBs e com as da população controle, apresentaram níveis de concentração de PCBs similares. Entretanto o mesmo não ocorreu em relação aos níveis de concentração de PCDFs, que foram consideravelmente maiores (Tabela 8) nas vitimas dos acidentes.

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Estudos realizados com crianças de 8 a 16 anos, nascidas de mães que consumiram óleo contaminado em 1979 em Yucheng, mostram efeitos como declínio da função do sistema imunológico que resultou no aumento das doenças infecciosas. Estas crianças mostraram alta freqüência de bronquite, gripe nos seis primeiros meses e infecções no ouvido e trato respiratório para crianças acima de 6 anos. Em ambos os acidentes, no Japão e Taiwan, observou-se o aumento na incidência de câncer no fígado devido possivelmente ao aquecimento dos PCBs no óleo de arroz causando a formação de furanos (TCDF).


Contaminação do Rio Hudson


O rio Hudson situa-se no extremo oeste americano e tem cerca de 1200Km de comprimento sendo praticamente navegável em toda sua extensão. Nasce nas montanhas ao norte do Estado de Nova York desembocando ao sul no oceano Atlântico próximo à ilha de Manhattan. É um dos principais recursos hídricos do extremo oeste americano apresentando grande diversidade ictiológica (cerca de 100 espécies). Constitui-se numa importante ligação com os Grandes Lagos e o Estado de Michigam, sendo utilizado para o transporte marítimo.

Em 1947 a empresa G.E. (General Eletric Company) inicia suas atividades na produção de capacitores elétricos com duas plantas situadas ao norte do rio Hudson. Em sua linha de produção era empregado principalmente Aroclor 1242 e 1016 como fluído dielétrico na fabricação dos capacitores no período 1966 a 1976, onde o consumo de Aroclor pela G.E. representou 15% das vendas domésticas da Monsanto nos Estados Unidos.

A emissão de efluentes contaminados com PCBs pela G.E. teve um fluxo cerca de 14Kg/dia por mais de 30 anos até o encerramento de suas atividades naquele local. Somente em 1969 foram detectados PCBs em peixes do rio Hudson e a partir de 1975 o fato foi encarado como um “sério problema ambiental". Entretanto já era tarde de mais e o rio estava comprometido, apresentando concentrações de PCBs muito acima das permitidas pela legislação na época. Como conseqüência todo o consumo e comercialização de peixes do rio foram proibidos.

A maior parte dos PCBs estava aderida no sedimento fino da barragem de Fort Edwards próximo as duas fábricas da G.E. Devido a problemas estruturais estas barragens foram removidas em 1973, proporcionando o transporte do sedimento contaminado para o baixo Hudson. No início da década de 80, a G.E. foi obrigada a investir na recuperação do rio Hudson. Desde então a concentração de PCBs tem sido monitorada. Na água a concentração de PCBs dissolvidos era da ordem de 0,1 a 0,2mg/L em 1970, sendo que atualmente foi reduzida para 0,05 a 0,1mg/L. No mesmo período a concentração de PCBs no sedimento era da ordem 1.000mg/g, ocorrendo um decréscimo para a faixa de 0,08 a 1,41mg/g expresso em PCBs totais. Destes há maior concentração dos congêneres com elevada quantidade de cloro.


Outros acidentes ou fontes de risco


A contaminação do ambiente por PCBs ou suas formulações também pode ocorrer durante incêndios, onde devido à combustão incompleta podem ser formados alguns compostos com elevado grau de toxicidade. Este risco é muito grande principalmente em construções antigas. Por exemplo, em 1981 um princípio de incêndio envolvendo transformador contendo Aroclor 1254 no escritório de Binghampton no estado americano de Nova York causou grande contaminação de trabalhadores devido ao produto da combustão ter invadido o sistema de ventilação espalhando-se por toda a área44.

Essa combustão incompleta também pode ser resultado do processo de separação de metais, em transformadores e capacitores que contenham PCBs, realizados em desmanches ou por trabalhadores durante a reciclagem de metais. Eletricistas, bombeiros e trabalhadores de demolição da construção civil também pertencem ao grupo de indivíduos os quais estão sujeitos a serem afetados pelos efeitos dos PCBs.

Isso tem chamado atenção das autoridades devido ao risco existente no ambiente de trabalho45. Neste particular as companhias distribuidoras de energia elétrica podem ser potenciais fontes de risco, devido à grande quantidade de resíduos contendo PCBs que são gerados durante a manutenção/substituição de equipamentos antigos. Por exemplo, a Eletropaulo contabilizou, em 1997, um total de 562 toneladas de Ascarel46 e Furnas, também declarou um total de 136 toneladas do mesmo produto47. Entretanto não se tem idéia do montante de equipamentos contendo PCBs que ainda estão em uso em outras Estatais ou na iniciativa privada.


Métodos de Degradação dos PCBs


Devido à grande estabilidade química os PCBs são compostos de difícil destruição sendo necessário procedimentos específicos tais como: processos químicos, térmicos ou bioquímicos. Estes procedimentos, denominados intencionais devem ser perfeitamente controlados para evitar a formação de compostos como TCDD e TCDF. A degradação dos PCBs pode ser classificada em intencional, onde geralmente é empregado alta temperatura ou processos catalíticos. Em conjunto com estes processos encontram-se a degradação natural que é limitada a um número restrito de congêneres e a degradação acidental.


Degradação Intencional


O método mais consagrado para eliminação de grandes quantidades de PCBs é a incineração em altas temperaturas. Contudo, devido as dificuldades inerentes a este processo, existe a possibilidade da formação de compostos secundários altamente tóxicos37. Dentre estes pode ser destacadas a formação de PCDF devido ao processo de queima incompleta dos PCBs. Os possíveis mecanismos de formação destes compostos são apresentados na Figura 4.

As principais etapas envolvidas nesta proposição são: mecanismo 1 envolve a eliminação de dois átomos de cloro na posição orto da molécula do PCB; mecanismo 2 envolve a perda para HCl e a substituição de cloro 3,3’; mecanismo 3 envolve a perda para HCl e o mecanismo 4 envolve a perda de hidrogênio.

Além do processo de incineração têm sido desenvolvidas metodologias alternativas para a destruição de PCBs. Dentre estas, se destacam a decomposição catalítica básica (BCD) que consiste na conversão de PCBs em compostos menos agressivos sem a produção de dioxinas e o método por microondas, processo aplicado preferivelmente a solos contaminados onde ocorre a dessorção dos PCBs para destruição posterior. Outro processo bastante promissor é a degradação radiolítica50 onde é empregada radiação de alta energia.

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PARTE 3