VERDADES INCONVENIENTES

Fábrica da Foxconn - Escravidão contratada? - Parte 2

foxconn3Regras fastidiosas - Ordem e organização são tudo, mesmo na cozinha da fábrica. O prédio cinza parece uma caixa e é tão anônimo quanto os outros. Por dentro, o ambiente é igualmente industrial. Um exército de cozinheiros com jalecos brancos e sapatos de borracha prepara refeições para os trabalhadores, supervisionados pelos gerentes da Foxconn por uma enorme parede de monitores. Há regras fastigiosas em cada nível, inclusive no uso de ingredientes, lavagem de pratos, frituras, fervuras e assados. Todos os dias, os cozinheiros fazem três toneladas de porco, três toneladas de frango, 60.000 ovos e 20 toneladas de arroz.

Se você quiser sair da cozinha, tem que lavar as mãos. Só depois disso a porta se abre. Os prédios de dormitórios cinzentos têm 5 a 12 andares, e também ali os trabalhadores têm que passar seus crachás de identidade pelos aparelhos de controle antes de poderem sair.

Os diretores da Foxconn não sabem dizer se o tamanho gigantesco da fábrica não é um fator que abala a psique dos trabalhadores. O tamanho, afinal, garante poucas despesas e altos lucros –ao menos de acordo com Steve Chu, 49, taiwanês responsável por um dos prédios de vários andares da fábrica. Novecentos trabalhadores trabalham em apenas um andar.

Os homens e mulheres uniformizados de jalecos e quepes brancos são proibidos de ter conversas pessoais. Essa regra está impressa em seus crachás de identidade corporativa. Só o que se ouve são os assobios das máquinas nas quais inserem placas de circuito verdes para laptops ou leitores de cartão de crédito. Em oito esteiras rolantes, eles terminam o trabalho de oito produtos diferentes para vários mercados mundiais.

“O diabo está nos detalhes!”

O gerente Chu e seus supervisores de linha de montagem estimulam os operários infatigavelmente para que sejam mais precisos e eficientes. Até os degraus nas escadas foram enfeitados com frases de advertência: “O diabo está nos detalhes!” ou “a oportunidade aguarda os que estão preparados!”

As máximas motivadoras são inspiradas por Terry Gou, 59, fundador da Hon Hai Precision Industry, proprietária da Foxconn. Os trabalhadores adotaram o apelido respeitoso de “Lao Gou” (ou “velho Gou”) para o carismático bilionário que evita a imprensa. Sua família fugiu dos comunistas chineses para o Taiwan em 1949.

Ele construiu seu império 36 anos atrás com uma fábrica de botões para mudar o canal de televisores preto-e-branco. Parte de seu capital inicial de US$ 7.500 foi emprestado por sua mãe. Mais tarde, ele produziu entradas para conectores de computadores e, em 1988, ele abriu sua primeira fábrica de salários baixos na China continental.

Agora, a Foxconn, junto com outros gigantes taiwaneses, é fornecedora de enormes setores da indústria de eletrônicos e produz telefones celulares e laptops para marcas mundiais. A Foxconn emprega 800.000 pessoas em toda a China e contratou 150.000 novos trabalhadores na primavera.

Contudo, os incidentes recentes com mortos e feridos geraram críticas mesmo dentro da China, e surgiram questionamentos sobre como a firma produz seus produtos eletrônicos de ponta. A família da vítima Ma Xiangqian quer processar a Foxconn para que explique as mortes de seus operários.

Tormento brutal

É uma batalha desigual. No início do ano, Ma Zishan, 58, e sua mulher, Gao Chaoyin, 49, cultivavam árvores. Agora, dividem um quarto perto da fábrica da Foxconn com duas de suas três filhas. Eles dormem em colchões de palha. A única decoração é um retrato do filho morto que, segundo a tradição de Confúcio, levava as esperanças de futuro da família. “Foxconn, diga a verdade”, escreveu o pai em letras pretas em torno da foto. “Minha vida perdeu o sentido”, diz ele.

A filha mais jovem, Liqun, 22, e seu namorado também trabalhavam na Foxconn até recentemente. Eles se demitiram para lutar contra o colosso taiwanês.

Liqun viu seu irmão pela última vez seis dias antes dele morrer. “Ele estava animado”, diz ela, “porque tinha acabado de se demitir”. Ela acrescenta que um gerente de produção vinha atormentando-o brutalmente após a quebra de uma furadeira em sua máquina. Como punição, Xiangqian tinha que limpar as latrinas.

Encostados nas do quarto estão os cartazes usados pela família para protestar nos portões da fábrica. Com fotos ampliadas do corpo de Xiangqian, eles querem chamar atenção para as inconsistências da história de sua morte. Sua irmã Liqun conta ter visto ferimentos na cabeça do defunto –que pareciam como se tivessem sido feitas por uma furadeira. Ela também achou estranhas feridas em seu dorso, que não sugerem suicídio. As gravações da câmera de vigilância da Foxconn da hora da morte do trabalhador sumiram.

“Doença do espírito”

Ma e suas filhas falam cautelosamente e parecem tímidos. Eles evitam culpar diretamente a poderosa Foxconn, mas insistem que a situação deve ser esclarecida. Eles querem questionar na justiça o relatório oficial de sua morte.

O porta-voz da fábrica, Liu, contudo, reage com indignação às perguntas sobre o caso de Ma. Ele parece satisfeito com a autópsia oficial. “Em quem você acredita? Na Foxconn ou na família de Ma?”, pergunta.

Liu acrescenta que os operários da fábrica nunca têm que limpar latrinas –afinal, os faxineiros fazem isso. É claro que pode haver acidentes trágicos com alguns dos 420.000 trabalhadores em Shenzhen, diz ele. As pessoas sofrem com problemas pessoais, dores amorosas, saudade de casa, comida diferente. “Ou doenças do espírito”, diz Liu, levantando um dedo. Um trabalhador que recentemente se jogou da escada sofria de complexo de perseguição, diz ele, acrescentando que a mão-de-obra atual, cuja maior parte tem perto de 20 anos, é mais vulnerável do que as gerações anteriores.

A visita de Terry Gou nesta semana não conseguiu calar as críticas. Ele negou que as mortes recentes se devessem às condições de trabalho da Foxconn. Horas depois, um operário de 23 anos em um complexo diferente da empresa, no Noroeste da China, caiu para sua morte de um dormitório. E na quinta-feira, um homem de 25 anos teria tentado suicídio cortando-se, mas sobreviveu.
Pressão internacional?

Uma tempestade foi gerada por um vídeo recente divulgado na Internet chinesa, que supostamente mostrava guardas de segurança em uma fábrica da Foxconn em Pequim chutando e batendo nos funcionários. Wang Tongxin, autoridade sindical, advertiu que o fornecedor tem que demonstrar mais respeito pelo povo jovem chinês que trabalha em suas fábricas. Após a morte do técnico do iPhone no ano passado, a Apple veio a público: “Exigimos que nossos fornecedores tratem seus trabalhadores com respeito e dignidade”.

O porta-voz da empresa, Liu, fica feliz em mostrar aos visitantes do centro de “saúde mental” de sua fábrica. Um terapeuta atende um funcionário e cartazes vermelhos adornam as fachadas de alguns dormitórios, estimulando as pessoas a cuidarem umas das outras.

Dentro dos prédios residenciais, porém, os trabalhadores continuam suas vidas de acordo com a lógica da produção de baixo custo. Em quartos cheios com 10 camas, metade dos moradores estão deitados exaustos em seus colchões. Alguns dos que acham apertado demais aqui estão esticados diante das televisões penduradas nas escadas. Cada recreio é precioso: logo terão que voltar para seus turnos de 12 horas.

Suicídios na Foxconn compensados com 13 mil euros

Maio 2010 - As famílias dos nove operários que se suicidaram na fábrica da Foxconn, empresa de componentes electrónicos para o iPhone, na China, irão receber cerca de 13 mil euros de compensação. Terry Guo, presidente do grupo Hon Haj de Taiwan, detentora da Foxconn, lamentou as mortes e pediu desculpa pelos últimos acontecimentos fatais.   Nove operários morreram, desde o início do ano, numa fábrica que alberga aproximadamente 400 mil trabalhadores.

A polémica em volta da possibilidade dos funcionários sofrerem maus tratos foi desvalorizada pelo responsável que admitiu problemas pessoais como a causa mais provável. Informou também que, apesar destes casos, todos os dias cerca de 8000 pessoas procuram emprego no maior produtor mundial de componentes electrónicos. Nos próximos tempos a empresa promete levar até à fábrica médicos para ajudar quem sofra de problemas psicológicos, criar uma linha telefónica de apoio aos funcionários e insistiu que as horas extra sempre foram pagas.

Mas a entidade não se livra das denúncias de baixos salários, condições desumanas de trabalho, pressão para aumentar produtividade e carga horária superior à permitida. A China é um país muito martirizado com o suicídio: em cada 100 mil pessoas, 16 tentam suicidar-se.

Confirmado décimo suicídio deste ano na Foxconn

06/06/2010 -Ativistas protestam queimando cartazes de iPhones Guo Tai-ming,  CEO da Foxconn, declarou na segunda-feira (véspera do décimo suicídio), que sua empresa “não é nenhuma fábrica exploradora”.  O empresário disse também que é complicado gerenciar os mais de 900 mil empregados ao redor do mundo, mas que a situação logo  será estabilizada.

Na terça-feira, Li Hai, de 19 anos, atirou-se de um dos prédios da empresa somente 42 dias depois de começar a trabalhar para ela. Este é o nono suicídio nas instalações de Shenzhen (nas quais houve mais duas tentativas), além de uma ocorrência do tipo em Hebei. No total, dez funcionários desta parceira da Apple já deram fim às próprias vidas apenas em 2010.

Em resposta ao evento, ativistas protestaram em frente à sede da empresa em Hong Kong, portando cartazes com os dizeres “A Foxconn não tem consciência” e “Suicídio não é acidente”. Além disso, eles queimaram cartazes de papelão representando iPhones. As queixas dos trabalhadores englobam os longos turnos de trabalho (algumas vezes sem pausas), a velocidade da linha de produção e a disciplina militar que é imposta nas fábricas.
Segundo o Engadget, uma investigação sigilosa feita por três homens recrutados pela Foxconn apontou uma série de detalhes sobre as condições de trabalho nocivas na empresa:

Todos os novos funcionários devem assinar um termo de compromisso e voluntariamente(?) abdicar do limite legal de 36 horas extras mensais, elevando a carga para algo entre 60 e 100 horas;

Gerentes assediam moralmente os funcionários e os castigam com deduções aleatórias de seus bônus de produtividade; Cerca de 50 mil funcionários deixam a empresa todo mês — ou seja, cerca de 12,5% dos empregados da Foxconn na China.O Greenpeace conseguiu fazer muitas empresas respeitarem mais o meio ambiente. Seria hora de criar um “Sweatpeace” para ficar de olho nas condições de trabalho por aí?

PARTE 3