VERDADES INCONVENIENTES

Derrubando o mito: “A depressão é causada por um desequilíbrio químico”

depresqui2Por Chris Kresser - A ideia de que a depressão e os transtornos mentais são condições causadas por desequilíbrio químico está tão presente em nossa sociedade que questioná-la pode ser um sacrilégio. As propagandas da indústria farmacêutica giram em torno da afirmação de que os ISRS (a classe mais popular de antidepressivos) aliviam a depressão, corrigindo uma deficiência de ...

serotonina no cérebro. Por exemplo, a propaganda de televisão da Pfizer sobre o Zoloft afirma que a “depressão é uma doença grave que pode ser causada por um desequilíbrio químico”, e que “Zoloft pode corrigir isso”. Outras campanhas publicitárias fazem reivindicações semelhantes. No site do Effexor há um vídeo explicando que “a pesquisa científica sugere uma importante ligação entre depressão e desequilíbrio em alguns dos mensageiros químicos do cérebro. Dois neurotransmissores que estariam envolvidos na depressão são a serotonina e a noradrenalina.” O vídeo continua dizendo que Effexor funciona aumentando os níveis de serotonina na sinapse, que “acredita-se aliviar os sintomas de depressão ao longo do tempo.”

Nos dias de hoje, a serotonina é amplamente promovida como um caminho para alcançar quase todos os traços de personalidade desejáveis, incluindo a autoconfiança, criatividade, resiliência emocional, sucesso, realização, sociabilidade e motivação. E o inverso também é verdadeiro. Baixos níveis de serotonina têm sido implicados em quase todos os estados comportamentais padrões que sejam indesejáveis, como depressão, agressividade, suicídio, estresse, falta de autoconfiança ou autocontrole, compulsão alimentar, e outras formas de vício e obsessões.

Na verdade, a ideia de que os baixos níveis de serotonina causam depressão se tornou tão difundida que não é incomum ouvir as pessoas falarem da necessidade de “aumentar os seus níveis de serotonina” através de exercícios, ervas ou mesmo pelo sexo. A teoria do “desequilíbrio químico” é tão bem estabelecida que tornou-se parte do senso comum.

É, afinal, uma teoria pura, no seu sentido mais singular. É preciso uma condição complexa e heterogênea (depressão) para ocasionar um suposto desequilíbrio de dois ou três neurotransmissores (dos mais de 100 que já foram identificados), podendo ser “corrigido” por tratamento medicamentoso. Essa teoria clara e fácil de ser seguida é a força motriz por trás de 12 bilhões de dólares de lucro da venda de antidepressivos todos os anos.

No entanto, existe um (e grande) problema com essa teoria: não há, absolutamente, nenhuma evidência científica para apoiá-la. Pesquisas recentes demonstraram que não existe nenhuma ligação entre a depressão, ou qualquer outro transtorno mental, e um desequilíbrio de substâncias químicas no cérebro (Lacasse & Leo, 2005; Valenstein, 1998). A ineficácia dos antidepressivos, em comparação ao placebo, lança mais dúvidas ainda sobre a teoria de “desequilíbrio químico”. Bom… Vai demorar um pouco para eu te explicar toda essa história. Mas eu preciso te desiludir. Você está pronto?

A história da teoria do “desequilíbrio químico”

O primeiro antidepressivo lançado, iproniazida, foi descoberto por acaso, em 1952, depois de ter sido observado que alguns pacientes tuberculosos ficaram eufóricos depois de tomarem o fármaco. Um bacteriólogo chamado Albert Zeller descobriu que a iproniazida foi eficaz na inibição da enzima monoamina oxidase. Como o próprio nome indica, essa enzima desempenha papel essencial na inativação de monoaminas, como a adrenalina e noradrenalina Assim, seus níveis elevados levam à uma estimulação do sistema nervoso simpático – um efeito que seria responsável pela ação antidepressiva do medicamento.

Por volta da mesma época, um extrato da planta Rauwolfia serpentina foi introduzido na psiquiatria ocidental. Esse extrato tinha sido utilizado medicinalmente na Índia há mais de mil anos, como calmante para tratar insônia, pressão alta, loucura e muito mais. Em 1953, os químicos da Ciba, empresa farmacêutica, isolaram o composto ativo dessa erva, dando o nome de reserpina.

Em 1955, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH) informaram que a reserpina reduz os níveis de serotonina no cérebro de animais. Mais tarde, foi demonstrado que todas as três principais aminas biogênicas no cérebro, noradrenalina, serotonina e dopamina, diminuíram por conta da ação da reserpina (de novo, nos animais).

Estudos em outras espécies conduzidos na mesma época verificaram que os animais administrados com reserpina demonstraram um aumento de atividade e excitação motora em um curto período de tempo, seguido de um prolongado período de inatividade. Os animais muitas vezes tinham uma postura arqueada e ficavam completamente imóveis, algo como a catatonia (Valenstein, 1998). Desde então, concluiu-se que a depressão era resultado de baixos níveis de aminas biogênicas. Eis o nascimento da teoria do “desequilíbrio químico”.

Porém, mais tarde verificou-se que a reserpina apenas raramente produzia uma verdadeira depressão química. Apesar das doses elevadas e de muitos meses de tratamento com a reserpina, apenas 6% dos pacientes desenvolveram sintomas sugestivos de depressão. Além disso, um exame feito em tais pacientes revelou que todos tinham uma história prévia de depressão (Mendels & Frazer, 1974). Ainda havia relatos de alguns estudos que a reserpina poderia ter um efeito antidepressivo (apesar de reduzir os níveis de serotonina, noradrenalina e dopamina). Como se vê, essa é apenas a ponta do iceberg.

As falhas fatais da teoria do “desequilíbrio químico”

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Elliot Valenstein, PhD, professor emérito de psicologia e neurociência da Universidade de Michigan, aponta no livro “Culpando o Cérebro” (tradução livre) que “ao contrário do que se costuma afirmar, nenhum sinal químico, anatômico ou funcional foi encontrado de forma a distinguir confiavelmente os cérebros dos doentes mentais.” (p. 125)

Em seu livro, Valenstein desmonta essa teoria com 8 constatações:

A redução dos níveis de noradrenalina, serotonina e dopamina não produz realmente a depressão em humanos, embora parecesse fazê-la nos animais. A teoria não pode explicar por qual motivo existem medicamentos que aliviam a depressão, apesar do fato de que eles têm pouco ou nenhum efeito em qualquer nível de serotonina ou noradrenalina.

Drogas que aumentam os níveis de serotonina e noradrenalina, tais como as anfetaminas e cocaína, não aliviam a depressão.
Ninguém explicou por qual motivo é preciso de um período relativamente longo de tempo antes que as drogas antidepressivas produzam qualquer elevação de humor. Antidepressivos produzem sua elevação máxima de serotonina e noradrenalina em apenas um dia ou dois, mas muitas vezes levam várias semanas antes de qualquer melhoria do paciente.

Embora alguns pacientes tenham níveis baixos de serotonina e noradrenalina, a maioria não possui tal característica. Estimativas variam, mas uma média razoável de diversos estudos indica que apenas 25% dos pacientes deprimidos, na verdade, têm baixos níveis de tais substâncias.

Alguns pacientes deprimidos apresentam, de fato, níveis anormalmente elevados de serotonina e noradrenalina, e outros, com nenhum histórico de depressão, têm baixos níveis destas aminas.

Embora tenha havido alegações de que a depressão possa ser causada por elevados níveis de monoamina oxidase (a enzima que quebra a serotonina e noradrenalina), isso apenas é verdadeiro em uma parcela de pacientes deprimidos.

Antidepressivos possuem uma série de efeitos diferentes que não se caracterizam no aumento da atividade de noradrenalina e serotonina.

Outro problema é que não é possível medir a serotonina e noradrenalina no cérebro de pacientes. Estimativas de neurotransmissores cerebrais só podem ser inferidas através de medição dos produtos de degradação de aminas biogênicas (metabolitos) na urina e no fluido cerebrospinal. A hipótese subjacente dessa medida é de que o nível de metabolitos de aminas biogênicas na urina e no fluido cerebrospinal reflete exatamente a quantidade de neurotransmissores no cérebro. Contudo, menos da metade dos neurotransmissores encontrados na urina ou no fluido cerebrospinal possuem origem cerebral. A outra metade vem de vários outros órgãos do corpo. Assim, existem sérios problemas com o que realmente está sendo medido.

Finalmente, não há um único artigo com revisão por pares que possa ser citado para apoiar as reivindicações de deficiência de serotonina em qualquer transtorno mental, embora existam muitos artigos que apresentam contraprova. Além disso, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) não lista a serotonina como a causa de qualquer doença mental. A American Psychiatric Press Texbook of Clinical Psychiatry aborda a deficiência de serotonina como uma hipótese não confirmada, afirmando que “a experiência adicional não confirmou a hipótese de esgotamento da monoamina” (Lacasse e Leo, 2005). Com todas essas evidências reunidas, está claro que a depressão não é causada por um desequilíbrio químico. Mas, como Valenstein observa, “há poucas recompensas” em se assumir este fato.

Como estamos sendo enganados?

Há várias razões para a ideia de que os transtornos mentais são causados por um desequilíbrio químico se tornar tão difundida (e nenhuma delas possui qualquer relação com a evidência científica atual, como já vimos).

Sabe-se que as pessoas que sofrem de transtornos mentais e, especialmente, suas famílias preferem um diagnóstico de “doença física”, pois ela pode sugerir um prognóstico supostamente mais otimista, isentado-os da culpa comumente associada com “problemas psicológicos”.

Os pacientes são altamente suscetíveis às propagandas publicitárias. Tem sido relatado que pacientes apresentam automaticamente para seus médicos a ideia de “desequilíbrio químico” (Kramer, 2002). Isso é relevante pois estudos demonstram que pacientes que estão convencidos de que estão sofrendo de um defeito cerebral são suscetíveis à solicitação de prescrições de antidepressivos, comportando-se como céticos diante de outras intervenções como a terapia cognitivo-comportamental (DeRubeis et al., 2005). Também foi demonstrado que pacientes ansiosos e deprimidos “são provavelmente mais suscetíveis à influência da publicidade” (Hollon, 2004).

O benefício da teoria para companhias de seguros e da indústria farmacêutica é essencialmente econômico. Planos de saúde estão principalmente preocupadas com os gastos, e eles querem desencorajar outros tratamentos (como a psicoterapia) que podem envolver muitas horas de contato e uma despesa considerável.

A motivação das farmacêuticas é bastante óbvia. Como mencionado anteriormente, o mercado de medicamentos antidepressivos é de 12 bilhões de dólares. Talvez seja desnecessário dizer, mas é um fato que as empresas farmacêuticas vão fazer de tudo legalmente (e até ilegalmente) para maximizar seus lucros.

Estudos têm demonstrado que os anúncios colocados por farmacêuticas em revistas profissionais distribuídas diretamente para os médicos são muitas vezes exageros e enganosos, não refletindo a evidência científica (Lacasse & Leo, 2005). Enquanto os médicos negam que estão sendo influenciados, foi mostrado que suas prescrições preferidas são fortemente afetadas por material promocional das indústrias farmacêuticas (Moynihan, 2003). Alguns estudos ainda demonstram uma associação entre a dose e a propaganda: em outras palavras, quanto maior o contato entre médicos e representantes de vendas, mais o primeiro grupo apoia-se em mensagem “comerciais”, em oposição à visão “científica” do valor terapêutico de um medicamento (Wazana, 2000).

A motivação dos psiquiatras para aceitar a teoria de desequilíbrio químico é um pouco mais sutil. Começando por volta de 1930, os psiquiatras se tornaram cada vez mais conscientes da concorrência de terapeutas não médicos, como psicólogos, assistentes sociais e conselheiros. Devido a isso, psiquiatras têm sido atraídos por tratamentos físicos, como drogas e terapias de eletrochoque que os diferenciam dos profissionais não médicos. Todavia, a psiquiatria, hoje, é a especialidade médica menos respeitada (US General Accounting Office report).

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Dr. Colin Rosse, psiquiatra, descreve desta forma:

“Eu vi de perto o quanto os psiquiatras biológicos querem ser considerados como médicos pelo restante da profissão médica. No desejo de serem aceitos como cientistas reais, esses psiquiatras estavam construindo um edifício exageradamente dogmático… construindo certezas muito mais além do que os dados científicos podem suportar.”

É claro que há também muitos “benefícios” para um psiquiatra pegar o barco na teoria convencional de “desequilíbrio químico”, como jantares grátis, viagens ao Caribe… e muito mais. Tudo com os 20 bilhões gastos por empresas farmacêuticas em publicidade. Mas psiquiatras são humanos, como nós, e muitos deles não conseguem resistir a todos esses benefícios.

Em suma, a ideia de que a depressão é causada por um desequilíbrio químico é um mito. Anúncios farmacêuticos tratam a depressão como uma doença física porque isso é uma forma útil e fácil de promover o tratamento medicamentoso. É claro que podem haver fatores biológicos na depressão, entretanto, a teoria de que os transtornos mentais são meras doenças físicas ignora a importância dos fatores psicossociais, como se esses fossem de pouco importância.

Chris Kresser é adepto da Medicina Integrativa.

Traduzido de Chris Kresser.