HISTÓRIA E CULTURA

Guerra Cristera

guere1A repressão do Estado no México sobre a Igreja Católica foi a causa de um conflito armado que ficou conhecido como a Guerra Cristera (também conhecida como Guerra dos Cristeros ou Cristiada) e que se desenrolou entre 1926 e 1929. Tratou-se de um levantamento popular contra as leis anticlericais impostas pela Constituição Mexicana de 1917, resultado de uma Assembléia Constituinte em 1º. de dezembro de 1917. Após um período de resistência pacífica, a reação popular teve início em 1 de Janeiro de 1927. Os Cristeros lutavam pelo direito de exercer sua fé em Jesus Cristo.

A constituição de 1917

Cinco dos artigos da constituição mexicana de 1917 visavam especialmente eliminar direitos da Igreja Católica na sociedade mexicana. O artigo 3º exigia uma educação laica nas escolas. O artigo 5º proibia as ordens monásticas. O artigo 24º proibia o culto em público fora das igrejas, enquanto que o artigo 27º restringia os direitos de propriedade das organizações religiosas. Finalmente, o artigo 130º retirava aos membros do clero direitos cívicos básicos: padres e lideres religiosos estavam proibidos de usar os seus hábitos, não tinham direito de voto e estavam proibidos de comentar assuntos da vida pública na imprensa. O espírito anticlerical do governo estendia-se ainda a alterações superficiais de topónimos no sentido da sua laicização. Como exemplo, o estado de "Vera Cruz" foi rebaptizado de Veracruz.

Os antecedentes da rebelião

Quando as medidas foram postas em prática em 1917, o presidente do México era Venustiano Carranza. Carranza foi deposto devido às maquinações do seu antigo aliado Álvaro Obregón em 1919. Obregón seria presidente em finais de 1920. Apesar de partilhar do sentimento anticlerical de Carranza, aplicou as medidas anticlericais de forma selectiva e apenas em áreas em que o sentimento católico era mais fraco.

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Esta trégua precária entre o governo e a igreja terminou com a eleição de Plutarco Elías Calles em 1924. Calles aplicou as leis anticatólicas com todo o rigor e por todo o país acrescentando a sua própria legislação anticatólica. Em Junho de 1926, promulgou a Lei de Reforma do Código Penal, conhecida como Lei Calles. Esta lei previa penas específicas para padres e religiosos que se atrevessem a violar as provisões da constituição de 1917. Como por exemplo,o uso de vestes religiosas em público era penalizado em 500 pesos. Um padre que criticasse o governo podia ser condenado a cinco anos de prisão.

Resistência pacífica

Em resposta a estas medidas, a resistência das organizações católicas começou a intensificar-se. A mais importante destas organizações era a Liga Nacional de Defesa da Liberdade Religiosa, fundada em 1924. A ela juntaram-se a Associação Mexicana da Juventude Católica (fundada em 1913) e a União Popular, um partido político católico fundado em 1925.

Em 11 de Julho de 1926 os bispos mexicanos votaram a favor da suspensão de todas as manifestações públicas de culto como resposta à lei Calles. Esta suspensão deveria entrar em efeito a partir de 1 de Agosto. Em 14 de Julho, deram o seu apoio aos planos para levar a cabo um boicote económico contra o governo, e que seria especialmente bem sucedido no México centro-ocidental (os estados mexicanos de Jalisco, Guanajuato, Aguascalientes, Zacatecas). Os católicos residentes nestas regiões deixaram de ir aos cinemas e teatros e não utilizavam os transportes públicos; os professores deixaram de leccionar nas escolas seculares.

No entanto, este boicote fracassou em Outubro de 1926, em grande medida devido à falta de apoio no seio dos católicos mais ricos, que estavam a perder dinheiro devido ao boicote. Por esta razão os ricos eram malvistos e a sua reputação piorou quando pagaram ao exército federal por proteção e ao chamarem a polícia para desfazer os piquetes de protesto.

Entretanto os bispos católicos trabalhavam no sentido de conseguirem que os artigos constitucionais antes referidos fossem emendados. O Papa Pio XI aprovou explicitamente esta forma de resistência. No entanto, o governo de Calles considerava este comportamento como sendo uma forma de insubordinação e ordenou o encerramento de numerosas igrejas. Em Setembro o episcopado submeteu uma proposta de emenda da constituição que foi rejeitada pelo congresso mexicano em 22 de Setembro de 1926.

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Escalada de violência

Em Guadalajara, no dia 3 de Agosto de 1926, cerca de 400 católicos armados encerraram-se na igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Envolveram-se num tiroteio com tropas federais, rendendo-se apenas quando ficaram sem munições. Segundo fontes consulares dos Estados Unidos, este confronto teria causado a morte a 18 pessoas e 40 feridos.

No dia seguinte, em Sahuayo, Michoacán, a igreja paroquial local foi invadida por 240 soldados governamentais. O padre da paróquia e o seu vigário foram mortos na violência que se seguiu. Em 14 de Agosto, agentes governamentais levaram a cabo a eliminação da delegação da Associação da Juventude Católica em Chalchihuites, Zacatecas, executando o seu conselheiro espiritual , o padre Luis Bátiz Sainz. A partir daqui os acontecimentos sucedem-se de forma muito rápida. Um bando de rancheiros sob a liderança de Pedro Quintanar, ao tomar conhecimento da morte do padre Bátiz, ocupou a tesouraria local e declara-se em rebelião. No auge da sua rebelião controlava uma região que incluía toda a parte norte de Jalisco.

Outro levantamento foi liderado pelo presidente da câmara de Pénjamo, Guanajuato, Luis Navarro Origel, com início em 28 de Setembro. Os seus homens foram derrotados pelo exército federal em terreno aberto junto daquela localidade, mas retiraram-se para as montanhas onde continuaram como guerrilheiros. Seguiu-se um outro levantamento em Durango liderado por Trinidad Mora em 29 de Setembro e em 4 de Outubro a rebelião liderada pelo antigo general Rodolfo Gallegos no sul de Guanajuato. Ambos lideres destes levantamentos foram obrigados a recorrer a tácticas de guerrilha, pois não podiam fazer face ao exército federal em campo aberto. Entretanto, os rebeldes em Jalisco (particularmente na região a norte de Guadalajara) começaram a reunir as suas forças. Esta região tornou-se o foco principal da rebelião liderada por René Capistran Garza, líder da Associação Mexicana da Juventude Católica, que teve início a 1 de Janeiro de 1927.

A guerra Cristera

A rebelião teve formalmente início com a publicação dum manifesto de Garza no dia de Ano Novo intitulado A la nación (À Nação). Nele declarava que é chegada a hora da batalha e a hora da vitória pertence a Deus. Com esta declaração, o estado de Jalisco que parecera calmo desde os acontecimentos da igreja de Guadalajara, inflamou-se. Grupos de rebeldes deslocando-se na região a nordeste de Guadalajara de Los Altos começaram a ocupar aldeias, muitas vezes equipados apenas com antigos mosquetes e paus. O grito de batalha dos Cristeros era ¡Viva Cristo Rey! ¡Viva la Virgen de Guadalupe! (Viva Cristo Rei! Viva a Virgem de Guadalupe!).

No início o governo de Calles não levou esta ameaça muito a sério. Os rebeldes conseguiam bons resultados frente aos agraristas (uma milícia rural recrutada em todo o México) e frente às forças da Defesa Social (uma milícia local), mas eram sempre derrotados pelas tropas federais que guardavam as principais cidades. Por esta altura, o exército federal contava com 79 759 homens. Quando o comandante federal de Jalisco, general Jesús Ferreira, iniciou a campanha contra os rebeldes, afirmou calmamente que se trataria mais de uma caça que de uma campanha. Porém, estes rebeldes, que na sua grande maioria não tinham experiência militar prévia, planeavam bem os seus combates. Os mais bem sucedidos líderes rebeldes foram Jesús Degollado (apotecário), Victoriano Ramírez (trabalhador num rancho) e dois padres, Aristeo Pedroza e José Reyes Vega. No total, cinco padres participavam activamente na luta armada.

Um estudo recente sugere que para muitos Cristeros, as motivações religiosas da rebelião eram reforçadas por outras preocupações políticas e materiais. Os participantes da rebelião provinham frequentemente de comunidades rurais que haviam sido atingidas pela política de reforma agrária conduzida pelo governo desde 1920, ou que se sentiam ameaçadas pelas mudanças políticas e económicas recentes. Muitos dos agraristas e outros apoiantes do governo eram ao mesmo tempo católicos fervorosos. Existe alguma controvérsia sobre se as acções dos Cristeros eram ou não apoiadas pelo episcopado ou pelo Papa. Oficialmente, o episcopado mexicano nunca apoiou a rebelião, mas segundo vários relatos os rebeldes tinham da parte do episcopado o reconhecimento da legitimidade da sua causa.

O episcopado nunca condenou os rebeldes. O bispo de Guadalajara, José Francisco Orozco y Jiménez, permaneceu junto dos rebeldes; apesar de rejeitar formalmente a revolta armada, não estava disposto a abandonar o seu rebanho. Muitos historiadores modernos consideram-no o verdadeiro líder do movimento. Em 23 de Fevereiro de 1927, os Cristeros derrotaram pela primeira vez as tropas federais em San Francisco del Rincón, Guanajuato seguindo-se outra vitória em San Julián, Jalisco. Contudo, a rebelião seria quase extinta em 19 de Abril, quando o padre Vega liderou o assalto de um comboio que se pensava levar um carregamento de dinheiro. Durante o tiroteio que se seguiu o seu irmão foi morto e o padre Vega mandou incendiar as carruagens do comboio, causando a morte de 51 civis.

Esta atrocidade colocou a opinião pública contra os Cristeros. O governo começou a transferir os civis de regresso aos centros populacionais impedindo-os de fornecer mantimentos aos rebeldes. Ao chegar o Verão, a rebelião fora quase totalmente dominada. Garza abandonou a liderança da rebelião em Julho, após uma tentativa falhada de obtenção de fundos nos Estados Unidos. O movimento rebelde ganhou nova vida com os esforços de Victoriano Ramírez, conhecido como El Catorce (O Catorze). Segundo a lenda esta alcunha teve origem no facto de, após a sua evasão da prisão, ter morto todos os catorze homens que tinham sido enviados em sua perseguição. Teria depois enviado uma mensagem ao presidente da câmara – e seu tio- dizendo-lhe que no futuro não deveria enviar tão poucos homens atrás dele.

El Catorze era analfabeto, mas um líder de guerrilha nato. Fez ressuscitar a rebelião, permitindo à Liga Nacional para a Defesa da Liberdade Religiosa seleccionar um general, um mercenário que exigiu o dobro do salário de um general federal. Enrique Gorostieta era afastado do catolicismo ao ponto de fazer troça da religião das suas próprias tropas. Apesar da sua falta de piedade, fez um bom trabalho no treino das tropas rebeldes, produzindo unidades disciplinadas e oficiais. Gradualmente, os Cristeros começavam a tomar as rédeas do conflito. Os dois padres-comandantes, o padre Vega e o padre Pedroza, eram soldados natos. O padre Vega não era um padre típico e tinha reputação de beber excessivamente e de ignorar frequentemente o seu voto de castidade.[carece de fontes] Por seu lado, o padre Pedroza era moralmente rígido e fiel aos seus votos sacerdotais.

Em 21 de Junho de 1927, foi formada em Zapopan a primeira brigada feminina de Cristeros (a brigada de Santa Joana d’Arc). Fundada por 17 mulheres, em pouco tempo contava com 135 membros. A sua missão consistia em conseguir dinheiro, armas, provisões e informações para os homens combatentes; também auxiliavam os feridos. Em Março de 1928 havia cerca de 10 000 mulheres envolvidas. Muitas contrabandeavam armas para as zonas de combate, transportando-as escondidas em carroças carregadas de cereais ou cimento. No final da guerra eram cerca de 25 000.

Os Cristeros mantiveram-se às rédeas do conflito durante 1928 e em 1929 o governo federal enfrentou uma nova crise: uma revolta entre os militares, liderada por Arnulfo R. Gómez em Veracruz. Os Cristeros tentaram tirar partido desta situação atacando Guadalajara em finais de Março. O ataque falhou mas os rebeldes conseguiram tomar Tepatitlán de Morelos em 19 de Abril. O padre Vega foi morto nesta batalha. No entanto, a revolta dos militares foi prontamente controlada, e em breve os Cristeros enfrentavam-se com divisões internas. Mário Valdés, que muitos historiadores crêem ter sido um agente federal, conseguiu inflamar os ânimos contra El Catorce levando à execução deste após uma condenação por um tribunal marcial pouco imparcial. Em 2 de Junho, Gorostieta foi morto ao ser emboscado por uma patrulha federal. Porém, nesta altura os rebeldes contavam com cerca de 50 000 homens armados e pareciam ser capazes de manter a rebelião por muito tempo.

A diplomacia e a rebelião cristera

Antes e depois dos sucessos dos rebeldes e do apoio do bispo Orozco y Jiménez, os bispos mexicanos apoiaram os Cristeros (esta afirmação é contestada por muitos, que dizem que exceptuando dois casos, o episcopado era hostil ao movimento). Após o ataque ao comboio liderado pelo padre Vega, os bispos foram expulsos do México mas continuariam a tentar influenciar o resultado do conflito a partir do exterior.

Em Outubro de 1927 o embaixador dos Estados Unidos no México era Dwight Whitney Morrow. Ele iniciou uma série de reuniões com Calles, sempre ao pequeno-almoço, em que os dois discutiam toda uma variedade de assuntos, desde os levantamentos religiosos, ao petróleo e irrigação. Este facto valer-lhe-ia o título de diplomata de ovos e fiambre nos jornais dos Estados Unidos. Morrow pretendia que o conflito terminasse por razões humanitárias e com vista a encontrar uma solução para o problema do petróleo nos Estados Unidos. Foi assistido nos seus esforços pelo padre John Burke da National Catholic Welfare Conference. A Santa Sé encontrava-se também envolvida na busca da paz.

Em 1929, Calles fundou o Partido Nacional Revolucionário (PNR), mais tarde rebatizado de Partido Revolucionário Institucional (PRI), e iniciou um período conhecido como Maximato, que terminou com a eleição de Lázaro Cárdenas. O mandato presidencial de Calles aproximava-se do fim e o presidente eleito Álvaro Obregón deveria tomar posse em 1 de Dezembro. Porém, foi assassinado por um radical católico em 17 de Julho, facto que pôs seriamente em causa o processo de paz então em curso.

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O congresso nomeou Emilio Portes Gil presidente interino em Setembro, marcando novas eleições para Novembro de 1929. Portes Gil era mais aberto em relação à igreja do que Calles havia sido, permitindo a Morrow e Burke reiniciar a sua iniciativa de paz. Portes Gil terá dito a um correspondente estrangeiro em Maio de 1929: o clero católico poderá, quando assim o desejar, retomar o exercício dos seus ritos com uma única obrigação: a de respeitar as leis do país. No dia seguinte, o arcebispo exilado Leopoldo Ruíz y Flores emitiu uma declaração afirmando que a hierarquia tinha decidido suspender o culto porque não era capaz de aceitar as leis que eram aplicadas no meu país. Isto é, os bispos não exigiriam a revogação das leis, apenas a sua aplicação de forma menos estrita.

Os arreglos

Morrow conseguiu o acordo entre as partes em 21 de Junho de 1929. O pacto que ele elaborou, os chamados arreglos (arranjos), permitiria o retomar do culto no México e fazia três concessões aos católicos: apenas os padres nomeados por superiores hierárquicos seriam obrigados a registar-se, a educação religiosa seria permitida nas igrejas (mas não nas escolas), e todos os cidadãos, incluindo o clero, poderiam efectuar petições para reformar as leis. Mas o ponto mais importante dos arreglos era que a igreja recuperaria o direito a usufruir das suas propriedades e os padres recuperavam o direito de viver nessas mesmas propriedades. Legalmente falando, a igreja não podia possuir propriedade imobiliária, e as suas antigas instalações permaneciam propriedade federal. No entanto, a igreja tomou o controlo destas instalações e o governo nunca voltou a tentar ficar com elas. Era um arranjo conveniente para as duas partes e o apoio da igreja aos rebeldes cessou.

Os arreglos conduziram a guerra a um desfecho pouco comum. Nos últimos dois anos, muitos oficiais anticlericais que eram hostis ao governo federal por outras razões haviam-se juntado aos rebeldes. Quando os arreglos vieram a público, apenas uma minoria dos rebeldes regressou às suas casas, aqueles que sentiam que a sua guerra havia sido ganha. Uma vez que os rebeldes não haviam sido ouvidos nas conversações, muitos deles sentiam-se traídos e alguns continuaram a combater. Então a igreja ameaçou os rebeldes de excomunhão e gradualmente a rebelião terminou. Os oficiais, temendo serem julgados como traidores, tentaram manter a rebelião. Os seus esforços falharam e muitos foram capturados e fuzilados, enquanto outros escaparam para San Luis Potosí onde o general Saturnino Cedillo lhes concedeu refúgio. Em 27 de Junho, os sinos ouviram-se no México pela primeira vez em quase três anos.

A guerra custou a vida a cerca de 90 000 pessoas: 56 882 no lado federal, 30 000 Cristeros e numerosos civis e Cristeros mortos em ofensivas anticlericais após o fim da guerra. Conforme prometido por Portes Gil, a lei Calles permaneceu nos livros, mas não foi feita qualquer tentativa organizada por parte do governo federal com vista à sua aplicação efectiva. Ainda assim, em várias localidades, a perseguição de padres católicos prosseguiu, baseada na interpretação da lei feita pelas autoridades locais. As provisões anticlericais continuam em vigor em 2005, apesar de já não serem aplicadas.

Santos da guerra Cristera

A Igreja Católica reconhece como mártires várias pessoas mortas durante a rebelião Cristera. Talvez o mais conhecido seja o beato Miguel Pro. Este padre jesuíta foi executado por um pelotão de fuzilamento em 23 de Novembro de 1927, sem direito a julgamento, acusado de que as suas actividades sacerdotais desafiavam o governo. O governo de Calles esperava utilizar imagens da execução como forma de levar os rebeldes à rendição, mas as fotos produziram o efeito contrário. Após verem as imagens, que o governo mandara imprimir em todos os jornais, os Cristeros sentiram-se inspirados pelo desejo de seguir o exemplo do padre Pro como mártires por Cristo. Foi beatificado em 1988.

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Em 21 de Maio de 2000, o papa João Paulo II canonizou um grupo de 25 mártires deste período (haviam sido beatificados em 2 de Novembro de 1992). Na sua maioria eram padres que não pegaram em armas, mas que se recusaram a abandonar as suas paróquias, tendo sido executados pelas forças federais. Outras 13 vítimas do regime anticatólico foram declaradas mártires pela igreja católica, posteriormente beatificadas em 20 de Novembro de 2005 em Guadalajara, Jalisco pelo cardeal José Saraiva Martins. No dia 16 de outubro de 2016, o Papa Francisco canonizou o então Beato José Luís Sánchez Del Río, como santo da Igreja católica.

 

Qual é a verdadeira história da Guerra dos Cristeros do México (a “Cristiada”)?

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Muitos católicos, inclusive mexicanos, não sabem nada da Guerra dos Cristeros. Qual foi a causa do conflito, como ele terminou e por que não ouvimos falar nada sobre ele antes?
Os cristeros se levantaram em armas para preservar a liberdade religiosa A Guerra dos Cristeros do México (também chamada de “Cristiada”) foi um conflito armado entre os fiéis católicos e o governo do México sobre o direito à liberdade religiosa. A guerra, que começou em 1927 e durou mais de três anos, foi uma resposta às agressivas medidas adotadas pelo presidente Plutarco Elías Calles para erradicar a Igreja do México. Este é o tema do filme “Cristiada”.O México tem uma longa história de perseguição religiosa contra a Igreja, apesar do fato de que a maioria dos mexicanos é católica.

A perseguição religiosa está profundamente enraizada na história do México, desde a morte do Pe. Miguel Hidalgo e, depois, do Pe. José María Morelos, que participaram da Guerra da Independência do México (1820-1821). Nota do editor: ambos os sacerdotes foram excomungados pelo seu papel na insurgência, bem como todo o exército revolucionário. Os mexicanos nunca se esqueceram de que a hierarquia da Igreja esteve contra eles durante a luta pela independência. Houve uma perseguição religiosa em 1870, semelhante à Guerra dos Cristeros. Durante essa época, a resistência católica contra as políticas do presidente Sebastián Lerdo de Tejada (1872-1876) foi chamada de “Religioneros” ou “Religionarios” (1873-1876).

Houve outra perseguição também, de certa forma, durante a Revolução Mexicana (1910-1917). Nota do editor: a Constituição Mexicana de 1917 incluiu fortes medidas anticlericais (nos artigos 3 e 130), que negavam o reconhecimento legal à Igreja, exigiam que os sacerdotes se registrassem e tivessem suas atividades limitadas, proibiam a educação religiosa, nacionalizavam as propriedades da Igreja e ilegalizavam a celebração de cerimônias religiosas fora das igrejas. A Guerra dos Cristeros (1926-1929) foi uma resposta ao ataque direto contra a fé católica por parte do presidente Plutarco Calles. A aplicação estrita das regras anticlericais da Constituição Mexicana de 1917 foi conhecida como “Lei Calles”.

O presidente mexicano Plutarco Elías Calles abraçou uma forma radical de ateísmo e socialismo, que o conduziu a adotar medidas drásticas para erradicar o catolicismo do México. É importante saber que Plutarco Elías Calles cresceu em meio à pobreza e à privação. Foi o filho ilegítimo de um pai alcoolista, que não dispunha de meios para cuidar da sua família e que mais tarde a abandonou. Sua mãe, María de Jesús Campuzano, morreu quando ele tinha apenas dois anos de idade. Quem se encarregou dele foi seu tio, Juan Bautista Calles, de quem tomou o sobrenome. Ateu fervente, Juan Bautista educou seu sobrinho em um ódio fanático contra a Igreja Católica.

Calles quis erradicar o catolicismo e criar uma nova forma de vida. Ele lia muitos livros e artigos de autores baseados na utopia socialista e quis o mesmo para o México. Foi por esta visão que Calles decidiu manter os Estados Unidos e os governos europeus à margem dos interesses petrolíferos do México. Ele quis que seu país estivesse totalmente sob o controle do seu povo e da sua terra. No começo, os fiéis e a hierarquia adotaram posturas pacíficas em sua resistência à chamada “Lei Calles”.

O movimento cristero foi organizado pela “Liga Nacional de la Defensa de la Libertad Religiosa” ou “Liga Nacional Defensora de la Libertad Religiosa” (LNDLR). A LNDLR foi um grupo de direitos civis e religiosos, estabelecido em 1925. Houve diversos protestos pacíficos em todo o México, organizados por diferentes grupos. Além disso, coletaram mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas ao Congresso para pedir a abolição da Lei Calles. Em todo momento, encontraram resistência ou foram ignorados. O último recurso para resistir foi por meio de um boicote econômico, que foi um êxito; no entanto, o governo, vendo o poder que adquiriam e o efeito econômico resultante do boicote, lançou um ataque mais direto contra a Igreja, mediante prisões, intimidações e execuções.

Os bispos mexicanos trabalharam incansavelmente para modificar a Lei Calles. O Papa Pio XI aprovou esta ação. Ao não poder chegar a um acordo com o regime Calles, e com o fim de evitar enfrentamentos e derramamento de sangue, os bispos pediram à Santa Sé autorização para suspender o culto católico em 31 de julho de 1926 – na véspera da entrada em vigor da lei. Mais tarde, o Papa Pio XI escreveu uma carta encíclica ao clero e aos fiéis do México para encorajá-los e dar-lhes esperança durante esta perseguição. A Santa Sé não podia fazer muito mais que isso. Em 18 de novembro de 1926, o Papa enviou sua carta encíclicaIniquis Afflictisque (sobre a perseguição da Igreja no México), oferecendo orações e estímulo durante este momento difícil. A resistência armada começou em 1927, em Los Altos (Jalisco) e se difundiu por todo o México, até tornar-se uma verdadeira guerra civil.

Os primeiros levantamentos para defender a liberdade religiosa no México ocorreram nos dias 1º e 2 de janeiro de 1927, no norte do estado de Jalisco (Los Altos). Este acontecimento foi o primeiro que teve êxito em rejeitar as tropas do governo. A vitória estimulou o movimento, razão pela qual houve mais manifestações nesta região. Um vez vencidas as primeiras batalhas, os Estados ao redor seguiram os mesmos passos; mas foi somente depois de que a Liga Católica contratou o general Enrique Gorostieta que tais levantamentos esporádicos se tornaram claramente um exército cristero. Neste momento, grande parte do México estava envolvida na Guerra Cristera, exceto alguns Estados nos quais não houve nenhum levantamento, porque não sofreram a perseguição. Estima-se que cerca de 25 mil cristeros perderam a vida durante os três anos de duração desta guerra, e aproximadamente 65 mil soldados do governo.

Nota do editor: a Igreja reconhece um grande número de mártires da Guerra Cristera, incluindo o Beato Miguel Augustín Pro, um jesuíta assassinado em 23 de novembro de 1927, o Beato José Sánchez del Río, um cristero de 15 anos de idade, executado em 10 de fevereiro de 1928, e o Beato Anacleto González Flores, líder da resistência pacífica, morto em 1º de abril de 1927. O Padre Pro foi beatificado em 1988, 25 mártires foram canonizados em 2000 e 13 foram beatificados em 2005 (incluindo González Flores e Sánchez del Río). O embaixador dos Estados Unidos no México ajudou a negociar uma trégua entre o governo do México e os cristeros, mas isso não acabou com a perseguição dos líderes cristeros nem da Igreja.

O embaixador americano Dwight Morrow foi o meio pelo qual a guerra teve uma trégua. Em uma das diversas reuniões que teve com o presidente Calles, o embaixador ofereceu apoio militar em troca de petróleo, para que a guerra terminasse de uma vez por todas. No final, no entanto, dependeu das habilidades diplomáticas do clero católico e dos leigos para negociar o acordo de paz que acabou com a Cristiada. Tristemente, a trégua assinada pelo governo mexicano e a Igreja Católica foi, sem dúvida, uma armação para os cristeros. O regime de Calles rompeu rapidamente a promessa de cumprir os compromissos combinados e, durante os três primeiros meses depois da trégua, mais de 500 líderes e 5 mil cristeros foram executados. Morreram mais líderes cristeros durante esse breve período do que durante os três anos de guerra.

O advogado mexicano católico exilado Octavio Elizonde afirmou em uma carta que, a pedido do Vaticano, os cristeros se desarmaram e aceitaram a “trégua” apresentada pelo governo mexicano. Em obediência ao Vaticano, depuseram as armas, e assim foram caçados e executados. O presidente Calles foi responsável pelo massacre, já que continuou mantendo o controle do governo e determinando o futuro do México até 1934. Depois, Lázaro Cárdenas ganhou a presidência e já não quis ser um fantoche de Calles. Ninguém é capaz de explicar adequadamente o ódio extremo e irracional de Calles contra a Igreja. Talvez tenha sido uma combinação de cobiça e ideologia jacobina. De qualquer forma, Cárdenas também odiou a Igreja, mas o seu fanatismo foi mais pragmático e os tempos haviam mudado em meados da década de 30.

Nota do editor: de acordo com a investigação do Pe. Brian Van Hove, cerca de 40 sacerdotes foram assassinados no México entre 1926 e 1934. Inclusive em 1935, seis anos depois da “trégua”, cerca de 2.500 sacerdotes se viram obrigados a esconder-se e 6 bispos foram exilados. Em 1926, havia 3 mil sacerdotes no México e, em 1934, restavam apenas 334. Ainda que as leis anticlericais continuem fazendo parte da Constituição Mexicana, o governo não obriga o seu cumprimento. Ainda existem alguns artigos “anticlericais” na Constituição Mexicana, mas o governo prometeu não impô-los novamente. Nota do editor: foi somente depois de 1940, quando o católico Manuel Ávila Camacho chegou à presidência, que a imposição das leis anticlericais da Constituição Mexicana deixou de existir.

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A relação entre o Estado e a Igreja melhorou há poucos anos. O ex-presidente Vicente Fox (2000 a 2006) e seu sucessor, Felipe Calderón (2006 a 2012), católicos, foram mais indulgentes com a Igreja, até o ponto de restabelecer as relações diplomáticas com o Vaticano. Mas a perseguição pode acontecer novamente, se as pessoas se esquecerem do passado. A tarefa de defender a nossa liberdade religiosa é um direito dado por Deus e devemos fazê-lo valer cada vez que ela for atacada. Uma frase muito poderosa do filme “Cristiada” define isso perfeitamente: “Não podemos permitir que os ateus tirem a nossa liberdade”. O momento de defender a nossa liberdade religiosa é agora!

Referências:

Esta pergunta foi respondida por Ruben Quezada, autor de “Para maior gloria: a verdadeira história da Cristiada” (Ignatius, 2012). O livro é o complemento oficial do filme com o mesmo nome, interpretado por Andy García, Eva Longoria, Eduardo Verástegui e o legendário ator Peter O’Toole, entre outros atores internacionalmente conhecidos.

Quezada, um especialista reconhecido da Guerra dos Cristeros, é o diretor de Catholic Resource Center y de St. Joseph Communications, Inc., no Sul da Califórnia.

 

Fonte: https://pt.wikipedia.org
           https://pt.aleteia.org