HISTÓRIA E CULTURA

O "chocante documento" que moldou o Oriente Médio completa 100 anos

hortos1Por Daniel Pires, 17/06/2016 - O acordo Sykes-Picot que moldou e distorceu o Oriente Médio moderno foi assinado há 100 anos em 16 de maio de 1916. No documento, Mark Sykes do lado britânico e François Georges-Picot do lado francês, além da participação dos russos, alocaram grandes parcelas de território daquela região, ficando pendentes alguns detalhes, de menor importância, resultantes da derrota imposta à Tríplice Aliança na Primeira Guerra Mundial. Sykes-Picot (nome oficial: Acordo da Ásia Menor), vale a pena lembrar, porque seus dois gravíssimos equívocos correm o risco de serem repetidos: um no tocante à forma e o outro à substância. Forma: negociadas em sigilo pelas três potências imperiais européias, se tornou ...

símbolo da perfídia européia. Não é de se admirar que a divisão do território central do Oriente Médio realizada secretamente pela Tríplice Entente, sem consultar seus habitantes, provocou uma reação de indignação (George Antonius, salientou em 1938: "um documento chocante ... ponto culminante da ganância ... uma trapaça inacreditável"). Sykes-Picot preparou o terreno para a proliferação de uma mentalidade conspiratória com profundas consequências que afetam a região desde então.

O acordo Sykes-Picot criou um mal-estar de medo em relação a intervenções externas, o que explica a generalizada inclinação de encontrar supostas motivações ocultas frente às manifestas. O que em 1916 parecia ser uma divisão inteligente de território entre aliados, na realidade abriu o caminho para um século de desconfiança, medo, extremismo, violência e instabilidade. Sykes-Picot contribuiu substancialmente para transformar o Oriente Médio na região enferma que é hoje.

Substância: em poucas palavras, a França ficou com a Síria e o Líbano, a Grã-Bretanha com a Palestina e o Iraque. Mas em termos operacionais não foi tão simples assim, já que as fronteiras, administrações e reivindicações conflitantes precisavam ser geridas Por exemplo, as forças francesas destruíram o que se acreditava ser o Reino Árabe da Síria. Em uma bela tarde Winston Churchill, divagando, inventou o país que hoje é conhecido como Jordânia. Sob pressão dos libaneses católicos, o governo francês aumentou o tamanho do Líbano às custas da Síria.

Mas o problema maior, é claro, era o imbróglio sobre o controle da área da Terra Santa ou Palestina, um problema que Londres complicou ainda mais por tê-la prometido de maneira impensada, tanto aos árabes (na correspondência de McMahon-Hussein de janeiro de 1916) quanto aos sionistas (na declaração de Balfour de novembro de 1917). Parecia que Londres não só vendeu o mesmo território duas vezes como também traiu tanto os árabes quanto os judeus, articulando (no próprio acordo Sykes-Picot) manter o controle sobre ela.

Visto a partir da perspectiva de um século depois, o acordo Sykes-Picot teve, poder-se-ia dizer, uma influência puramente maligna sem nenhuma contrapartida positiva. Ele plantou a semente para os futuros estados párias da Síria e do Iraque, a guerra civil libanesa, bem como a exacerbação do conflito árabe-israelense.

Em seu centenário, o principal feito do acordo Sykes-Picot, a criação dos estados sírios e iraquianos parece estar em frangalhos. Em um paralelo surpreendente cada um deles encolheu celeremente, transformando os poderosos estados totalitários de Hafez al-Assad e Saddam Hussein em três microestados. Ambos têm um governo central de orientação xiita apoiados pelo Irã; uma oposição sunita apoiada pela Turquia e pela Arábia Saudita; e uma força curda apoiada pelos Estados Unidos e pela Rússia.

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Saddam Hussein do Iraque (esquerda) e Hafez al-Assad da Síria (direita) em 1979.

O Estado Islâmico (ISIS, ISIL ou Daesh) proclamou "o fim do acordo Sykes-Picot" quando eliminou os postos de fronteira ao longo da fronteira Síria/Iraque; ainda assim muitos observadores, incluindo eu, veem a ruptura desses dois estados párias em cinco miniestados, noves fora, como algo positivo, pelo fato dos estados pequenos serem mais homogêneos e menos poderosos do que os regimes antecessores.

Sykes-Picot nos deixa uma lição para os dias de hoje, uma singela e importante lição: as potências estrangeiras não devem procurar determinar unilateralmente o destino de regiões distantes e, acima de tudo, não clandestinamente. Isso pode parecer um aconselhamento antiquado ou óbvio demais, mas em uma época de estados falidos e anarquia, novamente as potências se sentem tentadas a resolver as coisas por conta própria, como fizeram na Líbia em 2011, onde suas intervenções fracassaram miseravelmente. Iniciativas dessa natureza podem estar no horizonte na Síria, Iraque e Iêmen. Mais além desses conflitos, Michael Bernstam da Hoover Institution defende redesenhar, de maneira abrangente, o "antiquado e artificial mapa" da região.

Não. Em vez de procurar impor a sua vontade em uma região sensível e anárquica, as potências deviam se conter e lembrar os autóctones da sua própria necessidade de assumirem suas responsabilidades. Em vez de tratarem os autóctones do Oriente Médio como eternas crianças, os estrangeiros deveriam reconhecê-los como adultos a ajudá-los a progredir. Somente assim, e com o passar do tempo, é que o volátil, brutal, e fracassado Oriente Médio poderá evoluir para algo melhor. Somente assim é que ele poderá superar o rasteiro legado do acordo Sykes-Picot.


Publicado no Washington Times.

Daniel Pipes (DanielPipes.org, @DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum. © 2016 por Daniel Pipes. Todos os direitos reservados.

Tradução: Joseph Skilnik