HISTÓRIA E CULTURA

Fazenda Nazista no interior de São Paulo - Parte 1

fazi topo 1Saudações amigos e amigas. Hoje voltaremos a falar de influências e eventos relacionados com a Segunda Guerra Mundial no Brasil. Existem muitos documentários e matérias em sites, que falam da ação de agentes nazistas na América do Sul. Porém muito pouco se fala sobre o fato de que o regime nazista possuía grande número de admiradores no Brasil, e não falo apenas de imigrantes de origem germânica, falo de brasileiros sem a menor relação com o pais europeu, que antes e durante a guerra simpatizaram com o Nazismo. A colônia nazista no interior de São Paulo - Em uma fazenda no interior de São Paulo, 160 km a oeste da capital, um time de futebol posa para uma foto comemorativa (foto acima). Mas o que torna a imagem extraordinária é o símbolo na bandeira do time - uma suástica. 

A foto, provavelmente, foi tirada após a ascensão nazista na Alemanha, na década de 1930. "Nada explicava a presença dessa suástica aqui", conta José Ricardo Rosa Maciel, conhecido com Tatão, ex-dono da remota fazenda Cruzeiro do Sul, perto de Campina do Monte Alegre, que encontrou a foto, por acaso, um dia. Mas essa foi, na verdade, sua segunda e intrigante descoberta. A primeira tinha ocorrido no chiqueiro.

"Um dia, os porcos quebraram uma parede e fugiram para o campo", ele disse. "Notei que os tijolos tinham caído. Achei que estava tendo alucinações". Na parte debaixo de cada tijolo estava gravada uma suástica, simbolo adotado pelos Nazistas.

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É sabido que no período que antecedeu a Segunda Guerra, o Brasil tinha fortes vínculos com a Alemanha Nazista. Os dois países eram parceiros comerciais e o Brasil tinha o maior partido fascista fora da Europa, com mais de 40 mil integrantes.

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Mas levou anos para que Maciel, com o auxílio do historiador Sidney Aguillar Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conhecesse a terrível história que conectava sua fazenda aos fascistas brasileiros.

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Ação Integralista

Filho descobriu que a fazenda tinha pertencido aos Rocha Miranda, uma família de industriais ricos do Rio de Janeiro. Três deles - o pai, Renato, e dois filhos, Otávio e Osvaldo - eram membros da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização de extrema direita simpatizante do Nazismo. A família Rocha Miranda era dona também da Fazenda Santa Albertina, com extensão estimada em quase 4 mil hectares de terra. Essa fazenda se localizava na mesma região da fazenda Cruzeiro do Sul.

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A fazenda era também um campo de trabalhos forçados

A família às vezes organizava eventos na fazenda, recebendo milhares de membros do partido. Mas também existia no lugar um campo brutal de trabalhos forçados para crianças negras abandonadas.

"Descobri a história de 50 meninos com idades em torno de 10 anos que tinham sido tirados de um orfanato no Rio", conta o historiador. "Foram três levas. O primeiro grupo, em 1933, tinha dez (crianças)".

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Sidney Aguilar Filho. Depois de oito anos de pesquisa, Aguilar Filho apresentou em 2011 a tese “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945)”.

Ao que tudo indica, Osvaldo Rocha Miranda, ex-proprietário da Santa Albertina, um dos “benfeitores” do orfanato masculino carioca Romão de Mattos Duarte, que pertence até hoje à Irmandade de Misericórdia, no Rio de Janeiro, escolhia as crianças pessoalmente e as retirava para trabalhar em suas terras sob um contrato de tutelato. O documento tinha o aval tanto do juiz de menores da época quanto da madre superiora da instituição. Os meninos que não fugiram ou morreram permaneceram na localidade entre 1933 e 1945. Nunca receberam salário e, por vezes, eram submetidos a castigos corporais. Trabalhavam na lavoura junto aos adultos. Não tinham nomes, eram chamados por números, e permaneciam sob vigilância constante de um capataz.

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Osvaldo Rocha Miranda solicitou a guarda legal dos órfãos, segundo documentos encontrados por Filho. O pedido foi atendido. "Ele enviou seu motorista, que nos colocou em um canto", conta Aloysio da Silva, um dos primeiros meninos levados para trabalhar na fazenda, hoje com 90 anos de idade.

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"Osvaldo apontava com uma bengala - 'Coloca aquele no canto de lá, esse no de cá'. De 20 meninos, ele pegou dez".

"Ele prometeu o mundo - que iríamos jogar futebol, andar a cavalo. Mas não tinha nada disso. Todos os dez tinham de arrancar ervas daninhas com um ancinho e limpar a fazenda. Fui enganado".

As crianças eram espancadas regularmente com uma palmatória. Não eram chamadas pelo nome, mas por números. Silva era o número 23.

Cães de guarda mantinham as crianças na linha.

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"Um se chamava Veneno, o macho. A fêmea se chamava Confiança", conta Silva, que ainda mora na região. "Evito falar sobre esse assunto".

Argemiro dos Santos é outro dos sobreviventes. Quando menino, foi encontrado nas ruas e levado para um orfanato. Um dia, Rocha Miranda veio buscá-lo.

"Eles não gostavam de negros", conta Santos, hoje com 89 anos.

"Havia castigos, deixavam a gente sem comida ou nos batiam com a palmatória. Doía muito. Duas batidas, às vezes. O máximo eram cinco, porque uma pessoa não aguentava".

"Eles tinham fotografias de Hitler e você era obrigado a fazer uma saudação. Eu não entendia nada daquilo".

Alguns dos descendentes da família Rocha Miranda dizem que seus antepassados deixaram de apoiar o Nazismo antes da Segunda Guerra Mundial.

Maurice Rocha Miranda, sobrinho-bisneto de Otávio e Osvaldo, também nega que as crianças eram mantidas na fazenda como "escravos".

Em entrevista à Folha de São Paulo, ele disse que os órfãos na fazenda "tinham de ser controlados mas nunca foram punidos ou escravizados".

O historiador Sidney Aguillar Filho, no entanto, acredita nas histórias dos sobreviventes. E apesar da passagem do tempo, ambos Silva e Santos - que nunca mais se encontraram desde o tempo em que viveram na fazenda - fazem relatos muito parecidos e perturbadores de suas experiências.

Para os órfãos, os únicos momentos de alegria eram os jogos de futebol contra times de trabalhadores das fazendas locais, como aquele em que foi tirada a foto onde se vê a bandeira com a suástica. (O futebol tinha papel fundamental na ideologia integralista.) "A gente se reunia para bater bola e a coisa foi crescendo", diz Santos. "Tínhamos campeonatos, éramos bons de futebol."

Mas depois de vários anos, ele não aguentava mais.

"Tinha um portão (na fazenda) e um dia eu o deixei aberto", ele conta. "Naquela noite, eu fugi. Ninguém viu".

Santos voltou ao Rio onde, aos 14 anos de idade, passou a dormir na rua e trabalhar como vendedor de jornais. Em 1942, quando Brasil declarou guerra contra a Alemanha, Santos se alistou na Marinha como taifeiro, servindo mesas e lavando louça.

Depois de trabalhar para nazistas, Santos passou a lutar contra eles.

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Argemiro Santos ainda guarda a medalha de ouro que ganhou


"Estava apenas prestando um serviço para o Brasil", explica. "Não sentia ódio por Hitler, não sabia quem ele era".

Santos saiu em patrulha pela Europa e depois passou um período, ainda durante a guerra, trabalhando em navios que caçavam submarinos na costa brasileira.

Hoje, Santos é conhecido, na comunidade onde vive, pelo apelido de Marujo. E se orgulha de um certificado e uma medalha que recebeu em reconhecimento por seus serviços durante a guerra.

Mas ele também é famoso por suas proezas futebolísticas, jogando como meio de campo em vários grandes times brasileiros na década de 1940.

"Naquela época, não existiam jogadores profissionais, éramos todos amadores", diz. "Joguei para o Fluminense, Botafogo, Vasco da Gama... Os jogadores eram todos vendedores de jornais e lustradores de sapatos".

PARTE 2