PESSOAS ESPECIAIS

José Bonifácio: o Patriarca da Independência

joboni2A corte de D. Pedro I ficava no Rio de Janeiro, mas o ato de proclamação da Independência foi em São Paulo. O paulista José Bonifácio teve muito a ver com isso. Dom Pedro tinha 23 anos na época da Independência e era o príncipe de José Bonifácio, que tinha 60. Bonifácio era um aluno brilhante, inclusive tinha ido a Portugal para estudar, já que não havia universidades no Brasil. Durante toda a sua vida adulta, José Bonifácio viveu algum tempo na Europa, trabalhando para Portugal e, depois, para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com sede no Rio de Janeiro. José Bonifácio de Andrada e Silva, nascido em 1763, era um dos orgulhos de Portugal e do Brasil. Um dos homens mais instruídos do seu tempo, conhecia e pesquisava vários assuntos e propunha soluções práticas para as questões em que se envolvia. Especialista em mineralogia, a ciência dos minérios (o ouro era muito importante para o Brasil e para Portugal), devido às suas pesquisas, morou em países como Inglaterra e França, e teve o seu nome conhecido internacionalmente.

Bonifácio volta para o Brasil e é eleito chefe do governo de São Paulo, a primeira província a reconhecer Dom Pedro como o príncipe-regente do Brasil. No início do ano de 1822, José Bonifácio envia uma carta a Dom Pedro na qual cobra, em nome “do povo que o adora”, que o regente assuma o comando da Independência. Dom Pedro manda publicar a carta nos jornais, e o episódio deságua no “Dia do Fico”, marcado na História pela famosa frase “como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico!”. Ao permanecer, o príncipe desobedece às ordens de Portugal, que tenta obrigá-lo a sair do Brasil.

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Nomeado pelo Imperador Ministro do Interior e dos Negócios Estrangeiros, José Bonifácio torna-se o primeiro brasileiro a ter um minsitério; até então todos eram portugueses. José Bonifácio ganha a cada dia a confiança do príncipe e decreta o fim do controle português sobre o comércio brasileiro: obtemos a independência econômica, e a independência política é a consequência natural. Mas Portugal não iria largar sua galinha dos ovos de ouro assim tão facilmente. Ministro, Bonifácio recomenda ao príncipe fortalecer os laços com as províncias e preparar o país para a guerra.

Dom Pedro quer evitar, a todo custo, uma guerra com Portugal, país onde nasceu e cujo rei é seu pai, mas parte para as províncias para preparar a Independência. É numa dessas viagens, a São Paulo, depois de ser aclamado pelos mineiros, que Dom Pedro proclama a Independência. Ele tinha acabado de ler uma carta de José Bonifácio.

Na Bahia, os portugueses se preparavam para a guerra. José Bonifácio contrata Lord Cochrane, um oficial da Marinha Britânica e Pedro Labatut, general de Napoleão, para reforçar o cerco a Salvador por terra e mar. Com a ajuda de Lord Cochrane, funda a Armada Imperial, futura Marinha do Brasil. Em 2 de julho de 1823, as tropas brasileiras entram vitoriosas em uma Salvador definitivamente independente. Quase um ano depois da proclamação da Independência em 07 de setembro de 1822, José Bonifácio alcança sua grande meta no governo do Império: a preservação da unidade territorial do Brasil, o país independente que conhecemos hoje.

No entanto, José Bonifácio é demitido quinze dias depois por defender a instalação de uma Constituição Liberal, e sai do Brasil, passando a viver na Europa, exilado. Quando Dom Pedro abdica do trono em favor do filho, que ainda era um menino na época, nomeia José Bonifácio tutor de seus filhos, entre eles o futuro imperador Pedro II. O poderoso ex-ministro poderoso e herói nacional, por ser favorável à libertação dos escravos, torna-se uma sombra incômoda para os integrantes do governo provisório (a Regência).

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Bandeira Imperial brasileira (1822 - 1889)

Bonifácio é demitido pela Regência e, desgostoso, retira-se para sua casa na ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro, onde morre pobre e esquecido. O tempo faz justiça ao Patriarca da Independência, o homem que foi ministro por apenas um ano e meio – exatamente o tempo do processo de Independência do Brasil; o tempo em que Dom Pedro I mais precisou de um parceiro experiente e firme. No tempo em que o Brasil de Portugal se tornou o Brasil dos brasileiros, José Bonifácio fez História. A Bandeira Nacional, que até hoje “a brisa do Brasil beija e balança”[1], foi idealizada por José Bonifácio.

 

O HERÓI MULTITAREFAS

 

Em períodos de crise, a nossa sensação é de luta solitária pelo bem e pelo correto em contraste com o mundo cruel. Na realidade, nosso sentimento é falso! Temos milhões de pessoas pensando em como enaltecer bons valores, com bons projetos e que promovem atividades de relevo. Uma das formas de trabalhar a autoestima do brasileiro é com o resgate de seus ícones e heróis.

Muitas pessoas poderiam figurar nessa categoria, mas há um brasileiro que resume muito bem a força do brasileiro: seu nome é José Bonifácio de Andrada e Silva.

Claro que todos nós sabemos que ele foi o patriarca da Independência com uma praça central em São Paulo e outra em Santos em sua homenagem, exemplificativamente. Mas nós pouco sabemos sobre sua vida anterior de resistente invasão francesa a Portugal e seu importante destaque no mundo da mineralogia, inclusive descrevendo novos minerais. Também teve colaboração no campo da cultura, pois era poeta. No mundo de hoje, pode-se atribuir-lhe a vanguarda em conhecimentos como ecologia, química e técnicas de agricultura e ser precursor de estratégias de bem-estar. Relembra-se que todo personagem encontra-se no tempo e contexto, logo, seu pensamento e suas atitudes são coerentes com o seu período e ponto em que pode chegar politicamente.

O patriarca da independência tinha preocupação com os índios, tanto que atribuía ao Estado o dever de zelar por eles, além de querer integrá-los à Nação (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo, 2000, p.75):
O governo do Brasil tem a sagrada obrigação de instruir, emancipar e fazer dos índios e brasileiros uma só nação homogênea e igualmente feliz.
Tinha propostas relativas à inclusão do negro na sociedade da época (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva, 2000, p.35):
Art. X
Todos os homens de cor forros, que não tiverem ofício, ou modo certo de vida, receberão do Estado uma pequena sesmaria de terra para cultivarem , e receberão outrossim dele os socorros necessários para se estabelecerem, cujo valor irão pagando com o andar do tempo.
Preocupava-se com o desenvolvimento econômico, redistribuição da terra improdutiva e incremento da produção sem descuidar da preocupação ecológica. Propôs a venda de sesmarias improdutivas nos seguintes termos (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo: Companhia das Letras e Publifolha, 2000, p. 80):
Todas estas vendas serão feitas com a condição de deixarem intacto o sexto do terreno para bosques e mato.
Já sustentava a vinda de imigrantes europeus, do oriente médio e oriente para o País (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo: Companhia das Letras e Publifolha, 2000, p. 89):

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colônias de europeus para as capitanias do sul e interior; e para a borda da água de chinas e malaios, mas do norte.
Observação importante - com direitos iguais (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva São Paulo 2000, p. 89):
Nós não reconhecemos diferenças e nem distinções na família humana: como brasileiros serão tratados por nós o china e o luso, o egípcio e o haitiano, o adorador do Sol e o da Mafoma.

Seu livro é cheio de ideias fecundas e de incrível atualidade. Algumas de suas frases merecem destaque (Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva, 2000, p. 100, 101 e 132) :
No Brasil a virtude, quando existe, é heróica, porque tem que lutar com a opinião e o governo.
A liberdade é um bem, que não se deve perder senão com o sangue.
Não é senhor de si quem a outrem sujeitou a língua.
Um mau governo é mais filho da moleza e depravação nacional que da audácia dos que influem no governo.

Formado em direito e filosofia em 1787 (http://www.obrabonifacio.com.br/cronologia/ano/1787/), foi ocupante de cargo de desembargador em Portugal, muito ia utilizar de seus conhecimentos nas propostas para a primeira Constituição Brasileira.

Como ideólogo e parlamentar, defendia a limitação dos poderes do executivo, predomínio do Legislativo, a integração dos índios à sociedade brasileira (Brasil: Uma História – Cinco Séculos de Um País em Construção , Eduardo Bueno, 2010, p. 16), criação de escola fundamental em todas as vilas do Brasil, retomada das terras improdutivas para incrementar a produção nacional (Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues, 1975, p. 189) e combateu a escravidão, na medida do possível em sua época, sendo dele a frase abaixo contida em suas propostas à Assembleia Constituinte de 1825 (ver http://www.obrabonifacio.com.br/colecao/obra/1112/digitalizacao/pagina/8/ ):

 

“O luxo e a corrupção nasceram entre nós antes da civilização e da indústria. E qual será a causa principal de um fenômeno tão espantoso? A escravidão, senhores, a escravidão. Porque o homem que conta com os jornais de seus escravos vive na indolência, e a indolência traz todos os vícios após si.”

 

Apesar de seu conhecimento jurídico, resolveu mudar de rumo. Esteve na França no período da revolução francesa e manteve-se como bolsista estudando mineralogia até voltar para a Universidade de Coimbra. Na comemorada universidade, assumiu uma cátedra de Mineralogia. Segundo o artigo "Um Monumento ao Cientista", ele foi o primeiro a descrever quatro minerais : espodumênio - ver Portal da Mineração: Espodumênio,http://portaldamineracao.com.br/espodumenio/-, criolita, escapolita e petalita - este último do qual se extrai o lítio).
Assumiu diversos cargos científicos e públicos ligados à atividade como Intendente Geral das Minas e Metais do Reino e membro do Tribunal de Minas (História do Brasil, Luiz Koshiba, Denise Manzi Frayse Pereira, 7a edição, São Paulo: Atual, 1996, p. 113).

Mesmo antes da independência, já existia alguma produção de ferro no Brasil, exemplificativamente encontra-se a Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema cuja referência encontra-se em seu livro (Viagem mineralógica na província de São Paulo, disponível http://www.obrabonifacio.com.br/principais_obras/pagina/12/, p. 15), o que demonstra que esteve em vários lugaresw do interior.

Sua personalidade forte foi crucial para a resistência portuguesa à invasão francesa. Relembre-se que tal invasão foi a razão da saída da família Real de Portugal e vinda para o Brasil. Ele não fugiu de Portugal naquele período, mesmo sendo brasileiro.

Ao se aposentar em Portugal, voltou ao Brasil. Assumiu a vice-presidência da província de São Paulo e cargos ligados à exploração de Minas. Fez verdadeira expedição para catalogar riquezas minerais da província de São Paulo com seu irmão (http://www.obrabonifacio.com.br/principais_obras/pagina/12/).

No decorrer dos acontecimentos políticos da época e do choque entre as Cortes Portuguesas e D. Pedro, o futuro imperador precisava de gente que poderia fazer frente ao poder da Metrópole. O historiador José Honório Rodrigues conta que, em 1821, o então Ministro Conde de Louzã recebeu um safanão no braço de D. Pedro por chorar na frente da tropa (Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues, 1975, p. 216). Logo, era preciso alguém que tivesse como características: ser brasileiro, ser forte, ser respeitado intelectualmente e que não temesse a guerra. Que tal um intelectual veterano de guerra...

Após o "Dia do Fico" - 9 de janeiro de 1821, em que D. Pedro contrariou as Cortes Portuguesas, nomeou um Ministério composto por Brasileiros em que o forte ministro nomeado era José Bonifácio - em 16 de janeiro de 1821. O Ministro teve como principal preocupação a afirmação do D. Pedro como defensor do Brasil e a guerra de independência como afirma José Honório Rodrigues:
"Pode-se dizer em resumo, que o governo de José Bonifácio em 1823 até sua queda em 16 de julho, ocupou-se e preocupou-se especialmente com a guerra: a da Bahia, terminada a 2 de julho ; a do Maranhão, a terminar a 30 e 31 desse mesmo mês; e a do Pará, ao 11 de agosto, obra política e militar, feita com sua assistência total. Dedicou-se Também à Constituinte, da qual fora eleito presidente no mês de junho. Enfim, era a guerra para a defesa da integridade territorial e para a manutenção da unidade nacional, o objetivo principal".
(Independência: Evolução e Contra-Revolução – A Evolução Política, José Honório Rodrigues,1975, p. 277)

Teve papel decisivo em afastar os partidários da independência com potencial de sectarismo em relação ao Brasil em Pernambuco. Em 1821, governava aquela província um oficial português de nome Luís do Rego Barreto, responsável pela repressão aos movimentos pernambucanos de 1817. O comandante leal a Portugal foi afastado após o cerco do Recife em 1821, adesão à "convenção de Beberibe" e exílio do Brasil. Em seu lugar ficou Gervásio Pinto Ferreira que, segundo Bonifácio, tinha tendência separatista. Logo, o forte Ministro, organizou movimento para derrubá-lo e ajudou a eleger Afonso de Albuquerque Maranhão (Viagem pela História do Brasil, Jorge Caldeira, Flávio de Carvalho, Cláudio Marcondes, Sérgio Góes de Paula, 1997, p. 165).

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Quando perdeu a confiança do Imperador, retornou ao parlamento e, posteriormente, foi exilado na França, onde era vigiado por ser um elemento subversivo e um perigo à monarquia francesa recém reinstalada (Na Mira da Polícia Francesa, Letícia Esqueff).

No retorno ao Brasil, virou tutor de D. Pedro II, atividade que exerceu por apenas 3 anos, sendo destituído da função.

Por todos os seus feitos, não é à toa que consta oficialmente entre os heróis do Brasil (http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/quadros/nomes.html).

Tamanha a sua importância que várias páginas eletrônicas também se dedicam ao personagem ímpar. Dou destaque a uma das páginas feita em sua homenagem e com documentos inéditos sobre sua vida e obra - http://www.obrabonifacio.com.br/. Recomendo a visita e a consulta.

A partir do destaque do personagem, enaltece-se não só a pessoa, mas os valores que o moviam e a importância da qualidade de pensador, cientista, homem público e homem de ação, seja na defesa de Portugal, seja na criação do Brasil e da unidade nacional. Realmente, é fonte de inspiração para períodos de crise geral e institucional.

 

 

Fonte: http://osheroisdobrasil.com.br
           http://pensamentoparaoseculoxxi.blogspot.com